No último dia 24, estourou na Argentina o problema referente à contaminação dos presos pelo coronavírus. A confusão começou na prisão de Devoto, localizada no meio da cidade de Buenos Aires. Os detidos, depois de informados que um dos carcereiros havia apresentado sintomas de coronavírus, armaram o primeiro motim dentro da prisão. Colocaram fogo em colchões e abriram, a base de golpes, o teto da penitenciária.
Durante vários dias, munidos de paus e pedras, e já pelo lado de fora do teto do prédio, os presos, gravando tudo com celulares e publicando nas redes sociais, pediram para sair da cadeia, e lamentaram dizendo que “não queremos morrer aqui dentro”. Também expuseram cartazes com dizeres semelhantes.
Com a notícia se espalhando, em outras prisões da província de Buenos Aires, outros tumultos começaram a ocorrer. Numa penitenciária na cidade de Florencio Varela, detentos fizeram greve de fome para conseguir água sanitária, máscaras e atendimento médico.
A quarentena também trouxe prejuízos aos presos, o que deveria ser o contrário. Depois de decretada, a impossibilidade de visitas aos presos cortou o abastecimento de comidas de uma parcela dos presos que dependiam dos familiares para se alimentarem. Isso se dava, uma vez que o presídio, com baixo provisionamento, não estava dando conta de alimentar todos o detentos.
Esse clima tenso acabou se agravando quando dois presos apresentaram sintomas da doença e foram isolados. Os demais começaram a queimar colchões e a exigir libertação, com medo de serem infectados.
E não demorou muito para que os presos de outras províncias como Córdoba, Salta e San Luis, também se vissem motivados a protestar e amotinarem-se. Daí não teve mais jeito! O presidente argentino, Alberto Fernández, teve que se manifestar sobre o problema, e acabou vindo a público para dizer que concordava com as recomendações da ONU e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e transmitia a sugestão à Justiça para transferir para prisão domiciliar, detentos que cometeram delitos leves ou não violentos.
A ideia, simples a princípio, acabou se complicando na execução, causando muita polêmica não só no meio jurídico, como também no meio do povo, especialmente a parcela da oposição, que chegou a organizar panelaços.
O problema apareceu porque, considerando tão somente a província de Buenos Aires, havia na ocasião 52 mil presos encarcerados em penitenciárias, cuja capacidade total só poderia abrigar, no máximo, 24 mil detentos. Isso foi suficiente para que os vários juízes a frente dos problemas, decidissem de formas diferentes, o que teve como consequência a liberdade de presos que haviam cometido crimes graves. Um problema que foi sensivelmente agravado pela falta de tornozeleiras eletrônicas para atender a todos os casos necessitados da medida.
Do total de 52 mil, foram libertados mais de 1.700 detentos, inclusive criminosos detidos por delitos graves, como estupro, abuso sexual e pedofilia, também por tortura na ditadura, além de tráfico de entorpecentes.
Juízes que determinaram a soltura de presos por crimes graves afirmam ter se baseado na idade dos detentos, uma vez que idosos fazem parte do grupo de risco da Covid-19. Arietto contesta a justificativa. “Ser de um grupo de risco não pode ser um passaporte para a liberdade. Já o fato de o delito cometido ser leve, de o detento ter bom comportamento, sim. Os demais, que sejam cuidados, que se evite de se contaminem, porém, dentro das prisões.”
Eugenio Zaffaroni, renomado jurista e ex-ministro do Supremo, defende a soltura dos presos como forma de “evitar uma hecatombe na área da saúde”. Segundo ele, parte da população carcerária ainda não foi condenada ou recebeu penas curtas — e poderia sair da cadeia no contexto da pandemia. “Estamos numa situação de emergência, à beira de uma catástrofe, e o Estado é responsável pela integridade física e pela saúde dos presos.”
A polêmica chegou a tanto, que, nesta terça (5), a Suprema Corte da Província de Buenos Aires suspendeu as libertações. Uma medida, contudo, restrita à província e não inclui a capital nem o resto do país. Com o aumento dos protestos, Fernández vem fazendo o possível para afastar seu nome da polêmica. Entre os gritos de guerra nos panelaços é possível escutar, aqui e ali, “Fora Fernández”.
Com o avanço da pandemia, no entanto, vários governos estão sendo obrigados a rever suas posições em relação ao encarceramento da população, mesmo que de uma maneira muito limitada e demagógica, como são os casos de governos de extrema-direita, intimamente vinculados ao imperialismo e defensores de uma política genocida, muito contrariados com o fato de terem que libertar os presos.
Esse é o caso, por exemplo, do Chile, governado pelo neoliberal Sebastián Piñera, que vem sendo alvo de manifestações populares há muito tempo. Herdeiro da ditadura de Pinochet, o presidente chileno anunciou que a partir do final da semana, serão libertados os primeiros presos beneficiados pelas novas medidas tomadas por causa do avanço da pandemia. Já na França, governada pelo neoliberal Emmanuel Macron, pelo menos 10 mil presos a menos constam nas estatísticas.
No Brasil, o presidente ilegítimo e fascista Jair Bolsonaro, e que já defendeu publicamente a aplicação da tortura contra presos, nenhuma medida democrática foi tomada em relação aos presos. Relatório do Depen, de dezembro de 2019, indica que 62% dos estabelecimentos penitenciários possuíam consultório médico. Com 755.274 detentos até aquele momento, o déficit de vagas era 312.925. Essa superlotação e a falta de estrutura são aspectos claros incluídos nas análises das possibilidades de perigo do coronavírus no sistema prisional desde o início da pandemia.
Entretanto, as Defensorias Públicas por todo o país e outras entidades têm acionado o Judiciário pelo efetivo desencarceramento. Principalmente quanto aos presos provisórios, que em dezembro constituíam 30% da massa carcerária. Em 6 de abril, o Ministério da Justiça estimava ter havido libertação de 30 mil pessoas.
O problema não é novo, só a doença. As prisões brasileiras, como a de todos os países oprimidos pelo imperialismo são, de fato, terreno fértil para proliferação de doenças transmissíveis. No Brasil, dados do relatório consolidado nacional do Depen mostram que, em dezembro de 2019, havia 8.523 presos com HIV no sistema carcerário. A média, de 1.139,4 casos a cada 100 mil presos, é 64 vezes maior do que a média geral da população brasileira (17,8 casos para 100 mil presos, segundo dados mais recentes do Boletim Epidemiológico HIV/Aids de 2019).
Casos de tuberculose também são vastos e inclusive motivaram pedido de Habeas Corpus coletivo pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, negado pelo STJ. No RJ, são 355 detentos nessas condições.
Na verdade, essas prisões são resultado da brutal violência que, ordinariamente, caracteriza em um Estado Burguês, para impor a ordem diante da acumulação injusta do capital, agredindo diretamente a classe trabalhadora.
Isso é a justiça à serviço da burguesia, que, longe de ser um baluarte na defesa do justo e da moral, prende o trabalhador desestabilizado sob a falácia de manter a ordem e a preservação da liberdade de quem é vitimado por ele. Simplesmente ignora o problema social gerado pelo desemprego e a pobreza e expressa todo o seu desprezo contra os trabalhadores, baixando sobre eles a mão pesada do Estado.
É fundamental a soltura dos presos. É uma medida humanitária e de reconhecimento, dada as péssimas condições insalubres dessas penitenciárias, de que a medida é necessária ao combate da disseminação da covid-19, cuja manobra, a única que tem sido utilizada, o isolamento social, não tem aplicação nos presídios. Sem dúvida, a soltura evitaria que os presídios se transformem em focos de contágio.