Está em voga nesse momento um debate sobre a obra de um dos maiores escritores brasileiros, Monteiro Lobato (1882-1948), que tem suas obras em domínio público, 70 anos após sua morte. O debate diz respeito ao conteúdo, principalmente referente ‘as obras infantis do Sítio do Pica Pau Amarelo, que supostamente, segundo alguns, seria racista.
Este Diário publicou um primeiro debate sobre isso na matéria Ataque ao patrimônio cultural: “corrigir” textos de Monteiro Lobato . No presente artigo, vamos explorar o problema do que significa de “corrigir” obras sob qualquer pretexto moral que seja.
O professor de história da arte da Unicamp, Jorge Coli, publicou artigo na Folha de S. Paulo mostrando que a ideia de que Monteiro Lobato seria racista só pode vir de quem não conhece sua obra ou não compreendeu, “só quem não leu ou não compreendeu os livros infantis de Lobato pode julgá-los racistas”. Nós acrescentamos ainda que entre os que acusam Lobato também estão os mal intencionados. E essa má intenção é é encoberta pela boa intenção. Quer dizer, censuram a obra do autor usando como pretexto a proteção das crianças do suposto racismo contido no livro. Normalmente é assim que começa a censura, sempre com um motivo puro, moralmente justificável, pelo menos para os incautos e confusos.
Mas o objetivo de tal medida é abrir a brecha para censurar tudo. Se o suposto racismo de Lobato é passível de censura, procuremos outros motivos para censurar outros autores.
Jorge Coli mostrou que não procede a acusação contra Lobato e ainda mostrou que as obras do grande escritor geram uma visão crítica nas crianças. Ou seja, não só Lobato não é racista como suas obras pela grandiosidade do escritor, são revolucionárias, pelo menos no sentido de uma literatura revolucionária.
Mas isso não basta como argumento. Interpretar se uma obra é ou não racista, ou se tal trecho que querem “corrigir” é ou não racista acaba estando sujeito à opinião de um e de outro. E por isso também a censura e a “correção” das obras estão sujeitas à arbitrariedade e portanto sujeitas àqueles que detêm o maior poder para impor seu ponto de vista.
Mas consideremos hipoteticamente que a obra de Lobato realmente é racista. Mesmo isso, seria motivo para modificá-la? Claro que não. A humanidade se desenvolveu de maneira contraditória, com coisas boas e ruins, e faz parte do conhecimento e da evolução cultural da humunidade o acesso a tudo o que se produziu. Do contrário estaremos sujeitos a um obscurantismo sem tamanho. Por exemplo, a obra de Adolf Hitler, Minha Luta, foi retirada de circulação no Brasil durante um período. Essa restrição vigora em outros países.
A intenção de esconder o livre de Hitler pode ser boa, mas o que significa realmente? Significa que a humanidade está sendo privada de conhecer o que aconteceu na Alemanha, o que é o nazismo etc. Como se a sociedade devesse ser tutelada naquilo que deve ou não ler. Se priva assim a humanidade do livre conhecimento.
Tudo isso é na realidade um vandalismo contra a cultura da humanidade e no caso de Monteiro Lobato um vandalismo contra a cultura nacional.