Em artigo publicado no seu blog pessoal, Miguel do Rosário diz que “é um erro desqualificar as manifestações pró-Bolsonaro”. Ele critica a esquerda que disse que os coxinhatos foram um fracasso.
Embora não considere que foram atos grandes, o editor de O Cafezinho acredita que são perigosos. Isso porque atrairiam um setor da população mais despolitizado e mesmo da classe trabalhadora. O que não é verdade: o que vimos no último domingo foram pequenos atos claramente compostos pela classe média e promovidos pela burguesia, com poucas probabilidades de atraírem outros setores fora do núcleo duro do bolsonarismo. Segundo o jornalista, os atos podem influenciar eleitores do “centrão”, pois estes estão mais próximos de Bolsonaro do que da esquerda. Mas o “centrão” está esvaziado eleitoralmente, uma parte de seus eleitores já passou para o lado de Bolsonaro, outra parte para o lado da esquerda. E a parte que passou para o lado bolsonarista já está abandonando o barco porque está insatisfeita com o governo. Os atos mostraram que Bolsonaro tem apoio “popular” apenas dos fascistas mais convictos e seu fracasso desanimou a maioria dos que ainda poderiam aderir ao bolsonarismo.
Rosário defende também que os atos bolsonaristas serviram para a suposta propaganda da extrema-direita de que há uma polarização ideológica. “Outra vitória de Bolsonaro é impor às ruas a narrativa da polarização ideológica”, escreve. Mas, para ele, a esquerda erra ao falar do fracasso dos atos fascistas, porque “é um discurso que gera mais polarização e mais ódio”.
Então, descrever a realidade significa acentuar a polarização política. Seria preciso esconder a realidade e amenizar, conter, acabar com a polarização, de acordo com o pensamento do articulista. Sem polarização política, os trabalhadores voltariam para uma posição de certa inércia e a direita poderia governar com maior tranquilidade, impondo a mesma política exploradora que está tentando implementar, e que só está encontrando dificuldades devido à polarização, que movimenta os trabalhadores para a luta.
Segundo ele, os grandes atos do dia 15 eram focados na educação, por isso atraíram uma “quantidade maior de gente do que a militância ideológica”. Ainda que admita que as exigências pela liberdade de Lula tenham tido peso, Miguel do Rosário tenta jogar para escanteio esse que é um dos eixos fundamentais da luta popular na etapa atual.
Assim como uma parcela da esquerda pequeno-burguesa, ele defende que as organizações de esquerda não estejam presentes com suas bandeiras e faixas nos atos de massa. Ou seja, quer despolitizar os atos, mesmo eles sendo essencialmente políticos e contra a direita, atos diretamente contrários ao governo Bolsonaro. Isso, para não perder apoio dos manifestantes, segundo ele.
“Neste sentido, é que as legendas poderiam, às vezes, ter o bom senso de substituir bandeiras partidárias divisivas, que não querem dizer muita coisa para quem as vê na televisão ou ao vivo, por outras que ofereçam mensagens objetivas e unificantes, como ‘em prol da educação pública’”, comenta.
Isso porque os partidos de esquerda participam das manifestações como as da educação para “tirar-lhes o sentido”. “Os partidos de esquerda e as centrais não defendem a educação pública? Então empunhem, de preferência, bandeiras em prol da educação pública! O resultado objetivo, em termos de conquista da opinião pública, é muito mais eficaz!”
Miguel do Rosário, assim, propõe que a esquerda é minoritária e precisa ganhar apoio de outros setores, porque a presença de suas bandeira “divide” o movimento. Obviamente, a esquerda precisa ganhar os trabalhadores e estudantes, mas isso se faz com uma política clara de organização, politização, esclarecimento de posições políticas, o que se realiza, principalmente, pela presença de bandeiras nos atos. Senão, a esquerda abriria espaço para a direita tomar de assalto esses atos, como fez em 2013, justamente com a pressão para abaixar as bandeiras – o que levou a maior parte dos grupos esquerdistas a capitularem a essa política reacionária. Ao contrário de desenvolver a consciência política dos manifestantes e do povo, ele propõe mesmo rebaixar essa consciência, despolitizando o movimento.
Essa posição confusa e direitista de Rosário é expressa no seguinte parágrafo:
Quanto às manifestações do próximo dia 30, precisamos tomar cuidado para não cair nas armadilhas e provocações do governo. As pautas devem continuar focadas na educação e na oposição a uma reforma da previdência que prejudique a população mais pobre. A presença de lideranças partidárias e políticas deveria ser cuidadosa, porque o objetivo não é agradar a militância dos partidos, mas atrair a grande massa desorganizada, inclusive (eu diria até: principalmente) uma parte daqueles que votaram em Bolsonaro, e que formam a maioria esmagadora da população brasileira.
Ou seja, ele quer manifestações desorganizadas, sem a esquerda para organizá-las. E as pautas devem ser extremamente reduzidas, pontuais. Dessa forma, existe grande possibilidade de, na realidade, diminuir e simplesmente acabar com a mobilização. O povo já demonstrou que está completamente insatisfeito e indignado com Bolsonaro. Nos atos do dia 15 a presença do lema Fora Bolsonaro foi muito forte. Portanto, a tendência do movimento popular é lutar pela derrubada de Bolsonaro, e resumir as pautas apenas à educação ou à previdência seria esvaziar todo esse movimento, favorecendo o governo e a direita de conjunto.
Bolsonaro hoje é presidente da república, eleito com 57 milhões de votos. E a economia vai mal, muito mal. O caminho mais inteligente para pressionar o governo, e mantê-lo suficientemente acuado, para que não consiga levar adiante suas pautas mais agressivamente antipopulares, é pôr em evidência as questões econômicas e sociais, e cobrar soluções e projetos.
Com essa frase, o blogueiro demonstra por que não quer atos minimamente radicais contra Bolsonaro e por que quer o fim da polarização. Com a desculpa absolutamente enganosa de que o presidente fascista é popular, ele tenta justificar que o melhor caminho é uma “oposição propositiva” ao governo de extrema-direita, ou seja, na prática uma sustentação para manter o governo golpista de pé.
As críticas de Rosário são, nominalmente, ao PT e à CUT, as duas principais organizações da esquerda brasileira. Mas o que está por trás dessa tentativa de argumentar pelo afastamento desses agrupamentos das manifestações? Ora, esse posicionamento de manter o governo de pé com uma oposição moderada, auxiliar, já indica a resposta: a defesa da mesma política que Ciro Gomes, que quer justamente substituir o PT na oposição e facilitar a manutenção do regime golpista.
Ele expressa nitidamente a política do abutre do PDT, de sustentar o governo Bolsonaro, e de agir pela via institucional para que a esquerda golpista chegue eventualmente ao poder como sucessora de Bolsonaro, para evitar o crescimento do movimento popular. Conclui:
Com alguma inteligência, além de muita estratégia, autocrítica e prudência, conseguiremos galvanizar uma massa crítica crescente, o que poderá resultar em vitórias políticas e eleitorais em 2020 e 2022 para o campo progressista, enterrando de vez esse capítulo negro da nossa história, que é o governo de Jair Bolsonaro.
Em resumo, mais uma vez O Cafezinho comprova que não passa de um folhetim de Ciro Gomes, propagando sua política para manter Bolsonaro no poder, desarticular o movimento popular e conquistar espaço na “oposição”.