A Frente Guasú, principal agrupamento político de esquerda do Paraguai, publicou ontem (05/08) nota denunciando o “pacto de impunidade” costurado pela direita golpista para salvar (por enquanto) o mandato do presidente Mario Abdo Benítez, cujo governo leva adiante uma política de “traição à pátria” e de “entrega de nosso soberania energética”, e “continua em pé […] sem nenhum legitimidade, autoridade e confiança para defender os interesses de nosso país”.
No mesmo dia, os partidos de oposição parlamentar confirmaram que um segundo pedido de impeachment será apresentado e incluirá não só o presidente, mas também o vice-presidente, Hugo Velázquez, e o ministro da Fazenda, Benigno López.
A crise política do governo de extrema-direita de Abdo Benítez estourou após a revelação do acordo (quase) secreto concluído com o governo brasileiro de Jair Bolsonaro para renegociar os termos da compra de energia elétrica de Itaipu. Assinado em maio e tornado público somente há duas semanas, o acordo previa elevar os custos para o Paraguai em mais de 200 milhões de dólares.
Com as revelações, o governo de Abdo Benítez mergulhou numa crise de grandes proporções. Acusado de “traição à pátria” pela oposição e de “entreguista” até mesmo por setores da burguesia local, o governo foi colocado em xeque, e os primeiros desdobramentos da crise foram a renúncia do Ministro das Relações Exteriores e do embaixador paraguaio no Brasil, além da demissão de vários funcionários do alto escalão do setor de energia do país.
A possibilidade da destituição do presidente, via impeachment, tornou-se algo real e só não prosperou porque o governo assinou um decreto cancelando o acordo com o Brasil. O cancelamento foi, em grande medida, uma saída construída pelos governos Bolsonaro e Trump, para quem a permanência do atual mandatário paraguaio é de interesse vital. O recuo fez com que a fração do Partido Colorado, liderada pelo ex-presidente Horácio Cartes, retirasse o apoio ao pedido de impeachment.
A crise política, no entanto, está longe de acabar. Na verdade, parece que dá os seus primeiros passos.
Mensagens de WhatsApp, vazadas e reveladas nesta terça-feira (06/08) pelo jornal paraguaio ABC Color, revelam que o presidente tinha pleno conhecimento dos termos do acordo firmado com Brasil sobre Itaipu e insistiu para que as negociações fossem concluídas o mais rápido possível.
Nas conversas, trocadas com Pedro Ferreira, então presidente da Ande (Administração Nacional de Eletricidade), o presidente Abdo Benítez, mesmo com os alertas de Ferreira sobre o caráter prejudicial do acordo, diz que “é preciso fazer isto passar”. Para tanto, seria necessário “guardar silêncio, não polemizar”, explicou ele.
Essas novas informações colocam ainda mais lenha na fogueira da crise paraguaia e, certamente, darão impulso ao novo pedido de impeachment contra o presidente.
A grave crise do regime político paraguaio, à frente do qual está um governo de extrema-direita, similar ao governo Bolsonaro, é uma espécie de prenúncio para os todos os países que hoje se encontram em situação parecida. Ela expõe com clareza as contradições agudas que a aplicação da política neoliberal, pró-imperialista, entreguista e antipopular geram nos países atrasados.
A ofensiva golpista do imperialismo, em especial do norte-americano, que promoveu governos com tendências fascistas no continente latino-americano, encontra inúmeras dificuldades para pôr seu programa em prática, uma vez que sua política se choca frontalmente com interesses das classes oprimidas, inclusive com os interesses de alguns setores da burguesia local. A crise no Paraguai, assim como a crise no Brasil, é mais uma expressão desse fato.