Leia a seguir a transcrição da Análise Política, apresentada pelo companheiro e presidente nacional do partido, Rui Costa Pimenta, do dia 27 de julho de 2019:
“Bom companheiros, nós estamos no final das férias, no caso do Brasil, do inverno. Aqui na Europa é outro cenário, está fazendo o verão mais forte desde o século dezenove, alguns dizem, e alguns dizem que há vários séculos não tinha um verão tão forte como esse. Esse final de férias, ele é o final de um desses períodos de baixa da atividade política no Brasil que nós conhecemos bem, como é o final do ano, o comecinho do ano, o carnaval e tal, que são momentos todos que são utilizados para incentivar a desmobilização popular. No entanto, apesar disso, é difícil dizer que o período de férias foi um período de poucos acontecimentos, muito pelo contrário, nós tivemos aí vários acontecimentos importantes, durante todo esse período.
Aqui foram feitas as revelações das conversas do juiz Sérgio Moro e da equipe da Lava-Jato, mostrando com toda clareza que toda a operação Lava-Jato se tratava de um conluio contra o ex-presidente da república. É importante lembrar que a operação Lava-Jato não foi planejada apenas para atingir o ex-presidente da República. Na realidade, a operação Lava-Jato foi elaborada antes da eleição, com o objetivo de, na eventualidade da vitória da Dilma Rousseff, que efetivamente aconteceu, levar à derrubada do governo com denúncias de corrupção. Aí, simplesmente não conseguiram provar o envolvimento da Dilma de forma nenhuma, em nenhum tipo de corrupção da Petrobras, nem do próprio Lula. A operação Lava-Jato se transformou aí numa operação sobre assuntos que não tinham direta relevância para o problema da Petrobras e, finalmente, toda a enorme campanha publicitária que foi feita de denúncia contra a corrupção, resultou num processo por um apartamento no Guarujá e no processo por um sítio em Atibaia, e há outros processos, logicamente, porque isso não vai parar. A perseguição contra o Lula é uma perseguição planejada, intensa, organizada, então isso daí vai continuar.
Esse foi um dos acontecimentos que movimentaram o mês de julho, que tende a ser um mês de pouca atividade política. Essa última semana de julho, praticamente última semana, nós estamos no dia 27, no entanto nós tivemos um desenvolvimento que é muito importante e para o qual é preciso atrair a atenção porque é tanta coisa que acontece com o governo Bolsonaro, que as pessoas inclusive se desorientam sobre o significado real de determinadas coisas que estão acontecendo.
Nós vimos aí que o caso da Lava-Jato, as denúncias feitas pelo Glenn Greenwald, do Intercept. Elas abriram uma crise, aprofundaram de uma maneira espetacular a crise do governo. A dimensão da crise não fica aparente na superfície dos acontecimentos, porque existe todo um esforço coordenado de inúmeros setores para evitar o aprofundamento da crise do governo Bolsonaro. A verdade é que a burguesia não tem uma alternativa sólida ao Bolsonaro e, apesar de toda especulação de que estavam procurando substituir o Bolsonaro por Mourão, então nada disso se concretizou, na verdade, a política fundamental da burguesia manteve o Bolsonaro aí apesar de todas as coisas que acontecem e como foi, nós já explicamos mais de uma vez aqui, o eixo central da política da burguesia, quer dizer, da direita tradicional, do centrão é colocar o Bolsonaro na linha, no que nesses setores direitistas tem sido acompanhados pela esquerda. É a ideia de que “bom, está aí o governo, ele foi eleito”, alguns mais audaciosos chegam a dizer que ele foi eleito democraticamente, o que é uma coisa totalmente absurda, e com esse pretexto e mesmo aqueles que não têm tanta audácia assim, de dizer que esse é um governo legitimamente eleito, democraticamente eleito, acabam tendo a posição de que o governo foi eleito e ele está aí e esse desenvolvimento da situação política deveria ser respeitado. Então há uma defesa muito grande do governo, que aparece cercado de críticas secundárias, críticas de menor importância mas que no fundo, no fundo, é uma defesa sólida do governo Bolsonaro.
Em todos os acontecimentos importantes, a imprensa capitalista saiu em defesa do Bolsonaro. Um dos motivos pelos quais os capitalistas não têm intenção de se livrar do Bolsonaro é justamente o problema da economia, da reforma da previdência e de outras medidas econômicas que estão sendo planejadas aí, organizadas pelo ministério da economia do senhor Paulo Guedes.
Mas o fato é que as revelações sobre a Lava-Jato aprofundaram de uma maneira extremamente grande a crise do governo, tanto que o governo se viu forçado a agir de uma maneira enérgica procurando, a gente conhece como é que funcionam as instituições brasileiras, quando eles têm interesse em descobrir alguma coisa, eles acabam descobrindo essa coisa e, na maioria das vezes, como não há interesse, ninguém descobre coisa nenhuma. Descobriram aí um grupo de pessoas que são apontados na imprensa e são apontados pela polícia federal como hackers que invadiram os telefones de autoridades, dizem que foram mais de mil autoridades e na tentativa de desmoralizar as alterações que foram feitas, aí surgiram várias iniciativas, vamos dizer assim, de elementos do governo que tem que ser analisadas com muito cuidado.
A primeira delas é que setores do governo declararam que, como o celular do próprio presidente da República teria sido hackeado, o governo estava considerando em usar a Lei de Segurança Nacional, da época da ditadura militar, uma lei que tipificava, vamos dizer assim, que caracterizava a ditadura enquanto tal, para perseguir os culpados pelo hackeamento. Logicamente que a utilização de uma lei como essa introduz na situação política brasileira, vamos ver como que isso se desenvolve a situação, uma derivação clara no sentido do estabelecimento de um regime arbitrário, um tanto quanto sem disfarce, porque é uma lei persecutória, é uma lei ditatorial, ela dá um imenso poder para o presidente da república, para o executivo, e ela significaria um passo muito importante no sentido da constituição de uma ditadura escancarada, que é como nós temos alegado na nossa análise política, o destino do governo Bolsonaro. Não é uma coisa casual, não é uma coisa acidental, mas é um desenvolvimento lógico da situação política brasileira.
Na sequência, também nós tivemos um segundo acontecimento extremamente grave, que é o fato de que o ministro da justiça, o Mussolini de Maringá, Sérgio Moro, ele sendo uma pessoa que está denunciada no caso das revelações do Intercept, ele se pôs a investigar as pessoas que o denunciaram, que é uma atitude também caracteristicamente ditatorial. Quer dizer, você é governo, eu denuncio o governo, aí eu sou vítima de uma investigação do governo. É uma coisa que é típica de ditaduras. Você não pode denunciar o governo, você não pode falar nada do governo, se não você está arriscado. No meio dessa política de investigar os que denunciaram, surgiu aí a deliberação que foi tomada pelo Sérgio Moro de estabelecer um padrão, não por lei, mas por uma regulamentação do ministério da justiça para deportação de pessoas inconvenientes, que abriria caminho para a deportação do próprio Glenn Greenwald que, todo mundo sabe, é cidadão norte-americano residente no Brasil. Essa lei já não remete simplesmente à ditadura militar, até porque a ditadura militar não era muito de deportar ninguém. O modus operandi da ditadura era arrastar as pessoas para uns porões ai, torturá-las brutalmente e assassiná-las. Mas o sistema da deportação de cidadãos inconvenientes era típico de uma outra estrutura que existia no Brasil, e não se costuma dizer que era uma ditadura, mas era uma ditadura, que foi o regime da República Velha.
O regime da República Velha deportou inúmeros sindicalistas espanhóis, italianos, portugueses que faziam parte da luta sindical no Brasil considerados como cidadãos indesejados. Um estrangeiro indesejado é aquele que não agrada o governo ditatorial. Então, nesse caso, deportação é uma arma bastante contundente do regime arbitrário contra as pessoas de origem estrangeira que se levantem aí contra o regime.
Então nós temos aqui só nesse acontecimento dos hackers, três ameaças de grande porte contra todos os direitos da cidadania brasileira de um modo geral, a investigação contra as pessoas que denunciam, particularmente sendo pessoas da Imprensa, a Lei de Segurança Nacional e a deportação. Isso aqui é muito importante porque marca uma escalada do governo Bolsonaro. Muita gente, queria chamar atenção especialmente para esse fato, que seguia pelas aparências, pelo que está acontecendo naquele momento, têm subestimado o governo Bolsonaro, porque supostamente ele não teria atentado contra nenhuma lei fundamental do país etc e tal. Isso não é verdade, na realidade, é o mascaramento do que acontece no governo, mas fica claro agora que à medida que o governo se sinta ameaçado, à medida que a crise do governo se identifique, o governo vai tomar as medidas cabíveis, passando por cima de toda a legislação, de todos os direitos democráticos, para afirmar a sua política. É muito evidente que o Brasil está se transformando com muita rapidez numa ditadura aberta, porque ditadura já é.
Queria falar um minutinho sobre esse problema que muita gente não considera, a pessoa acha que ditadura é quando você não tem eleições por exemplo, se tiver eleições não é ditadura. Isso é logicamente uma bobagem, principalmente quando a gente vê a última eleição brasileira, onde foi removido, de uma maneira forçada, o principal concorrente da disputa eleitoral que era o Lula. Existem muitas ditaduras, existiram muitas ditaduras também que tinham exatamente a conformação que têm atualmente o governo Bolsonaro. O governo Bolsonaro é uma ditadura porque, na realidade, governa passando por cima de qualquer tipo de legislação. O fato de que o judiciário vem atrás das ações do governo, de que cubra as mazelas do governo e tudo mais não quer dizer nada. O judiciário no Brasil nunca foi um poder independente, é uma mistificação essa afirmação e, portanto, isso daí nem serviria como critério. Mas nós vimos que, no caso brasileiro, no atual processo político, o judiciário é uma das principais ferramentas da imposição de medidas autoritárias no Brasil.
A eleição para o Congresso Nacional é uma eleição que é totalmente controlada, mas sabemos aqui que a esquerda brasileira, no caso seria o PT, mais secundariamente o PSOL e os partidos que não têm deputados, nunca conseguiu chegar nem perto de fazer a maioria no Congresso Nacional. Isso daí deveria chamar atenção de todo mundo porque, ao mesmo tempo que a população supostamente elege um Congresso Nacional direitista, elegeu por 4 vezes os candidatos esquerdistas do PT. É evidente, nem precisaria ser cuidadosamente explicado, que o mecanismo de eleição do Congresso funciona de maneira totalmente diferente do mecanismo de eleição presidencial e que isso daí produza um resultado que não tem nada a ver com o resultado da eleição presidencial.
Alguém poderia dizer que em alguma eleição, como por exemplo a última eleição da Dilma, ela não chegou a ter 50% dos votos no primeiro turno, o PT talvez nunca tenha tido 50% dos votos, mas já chegou a ter 40 (%), um terço da votação, e isso nunca se refletiu no Congresso Nacional, menos ainda no senado. É porque a votação do Congresso Nacional Brasileiro, é uma espécie de votação distrital, onde as pessoas não são escolhidas por um voto Universal, ela é uma eleição desproporcional, muito parecida, sobre a alegação de que o Brasil é uma federação, se faz uma eleição desproporcional, onde a direita acaba conseguindo uma maioria, apesar de ela não ser efetivamente maioria no eleitorado como a gente vê nas repetidas derrotas da direita na eleição presidencial.
Também a gente vê que, no caso das eleições para governador, o resultado também dá sempre um resultado distinto da eleição presidencial. Então quer dizer, no Brasil nenhum dos poderes, digamos assim, e particularmente aquele que deveria ser uma instituição representativa, que seria a instituição democrática por excelência, que é o Congresso, é verdadeiramente democrático. Nenhum desses poderes é democrático e agora nós estamos vendo um aprofundamento, o escancaramento da dominação de um bloco político, que é formada pela direita, pelos partidos direitistas, pelos elementos direitistas, que está impondo a sua vontade ao conjunto da população e tudo isso daí é olhado como se fosse um assunto menor, como se no Brasil nós estivéssemos vivendo simplesmente uma etapa de anomalia, algo assim como uma coisa indesejável que todo mundo quer que vá embora e, mais cedo ou mais tarde, vai embora.
Por trás disso está aí a suposição de que a rotatividade na presidência da República funcionará a favor da esquerda numa próxima eleição, apesar de que todos os setores de esquerda atuam já pensando na eleição de 2022, que é muito longe, eles atuam já com a hipótese não que o Lula não será candidato, mas eles atuam com a hipótese de que o candidato apoiado pelo Lula ganhará as eleições. É meio que você supor que você vai jogar o campeonato brasileiro, você tá bem organizado como time, mas ninguém compra o juiz, ninguém organiza tinha para tratar você, nada, você tá jogando sozinho, só você pensa, só você tem cabeça e tudo mais. Isso é falso até medula e nós podemos ver, nós já assinalamos esse fato de que uma reforma política está em curso, antes de 2022 toda a legislação eleitoral brasileira vai ser modificada em pontos fundamentais, está aí discussão dos distritos eleitorais, uma forma profundamente antidemocrática de eleição, que vai aprofundar a situação eleitoral, provavelmente vai haver, se houver a possibilidade de que a esquerda ganhe a eleição vai haver modificações em relação à eleição presidencial e tudo mais. Então apontar essa alternativa, a alternância no poder na eleição presidencial, como a única coisa que poderia acontecer, é uma irresponsabilidade política, para dizer o mínimo, do mínimo, do mínimo possível.”
A Análise Política da Semana é um programa da COTV que é transmitido ao vivo todos os sábados, às 11h30.