A primeira quinzena de agosto foi recheada de polêmicas declarações de vários dirigentes da esquerda adepta da constituição de uma “frente ampla” de “oposição” contra o governo fascista de Bolsonaro. Tivemos a declaração do deputado pelo Psol do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo, justicando o debate amigável que teve com a deputada estadual de extrema-direita por São Paulo, Janaína Paschoal do PSL, do partido de Jair Messias Bolsonaro, “a mulher da cobra” e uma das artífices do golpe de Estado, como uma necessidade do diálogo entre os diferentes em nome da defesa da democracia.
Tivemos, também, o elogio do ex-candidato pelo PT à presidência, Fernando Haddad, em seu artigo semanal na Folha de São Paulo, às “briosas Forças Armadas”, uma das instituições mais reacionárias do Estado brasileiro, responsável por golpes de Estado, pela ditadura sanguinária dos anos 60 e 70, absolutamente subordinadas aos interesses imperialistas no País, avalizadora do golpe de 2016, da perseguição e prisão do ex-presidente Lula e da eleição fraudulenta de Bolsonaro. Em outra oportunidade, agora na abertura da 21ª Conferência Nacional dos Bancários, o mesmo Haddad voltou a defender as eleições de 2022, como único caminho para derrotar Bolsonaro.
Não poderíamos deixar de mencionar o indefectível Guilherme Boulos, que, também em artigo da golpista Folha de São Paulo, voltou a defender contra o Fora Bolsonaro, argumentado “que não seremos um novo Aécio”, enfim, tivemos, ainda, artigos às dezenas, nos blogs e sítios de esquerda de jornalistas, dirigentes partidários, teóricos, parte deles, formalmente críticos da “frente ampla”, mas ao fim e ao cabo defensores do “fica Bolsonaro” e em últimas instância da inócua política de “resistência” e esperar que, em algum momento futuro, as condições “ideais”, para, aí sim, defender o fora Bolsonaro. Visto dessa forma, a política de grande parcela da esquerda é eleitoral, ganhar “corpo em 2020”, para uma grande virada em 2022.
Na mesma medida em que muitos desses esquerdistas estão embalados em devaneios que os levam ao Brasil democrático, alguns viajando no passado, nos tempos idos dos governos petistas, outros, ainda, na miragem de que a direita que deu o golpe, nem ela mesma aceita o governo bolosnarista e que diante disso haverá uma saída negociada, sem traumas, de recuo do golpe, a direita avança e avança na esteira das “aproximações sucessivas” preconizadas pelo então general Mourão e agora vice-presidente da República.
Poucos dias depois de elogiar o “carrasco de Dilma Rousseff”, Coronel Brilhante Ustra, pelas torturas e assassinatos de militantes da esquerda, em visita à cidade de Parnaíba no Piauí, Bolsonaro voltou a afirmar qual é o seu objetivo: “acabar com o comunismo no Brasil”, A esquerda em geral desconsidera esse objetivo. Sua cabeça está voltada para o “cocô”, para o ridículo personificado na figura de um político tão deplorável. Bolsonaro, de fato, é uma figura abjeta, tosca, idiota e quantos mais adjetivos que possam evidenciar a sua mediocridade. Mas o que a esquerda não considera é que isso é o fascismo. Hitler, Mussolini, as expressões maiores desse movimento, eram tão ou mais medíocres do que Bolsonaro. O problema é que eles tinham um objetivo. Não tergiversavam. Não criavam teorias mirabolantes. Tinham um objetivo definido.
O fascismo não é um movimento ideológico. A ideologia da extrema-direita é de ocasião. O cerne da sua política é ser um instrumento da burguesia para destruir a esquerda e com isso esmagar a classe operária e no caso do Brasil, todos os movimentos populares, como os sem-terras e os movimentos de moradias.
Contemporizar com o fascismo, com o governo Bolsonaro, com a ilusão que o mundo no século XXI “não permitiria retrocessos” como os que ocorreram nos anos 30 do século passado, além de um crime histórico contra os explorados do Brasil e por que não dizer do mundo, é de uma cegueira, de uma ilusão política imperdoáveis.
Enquanto a esquerda fica ruminando 2022, sem contar a destruição do país e o empobrecimento e a miséria de dezenas de milhões de trabalhadores por todas as regiões do Brasil, a extrema-direita e o golpe avançam em larga escala. O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, tem especial predileção por atirar na população dos morros e favelas de helicópteros, as milícias de extrema-direita já dominam as periferias de boa parte das grandes cidades do País associadas às polícias militares, entidades sindicais e reuniões partidárias são invadidas pela polícia. No campo, os exércitos de mercenários e jagunços estão em total ofensiva contra os sem-terra e a população indígena. Na mesma medida, só que de um ponto de vista “legal”, as prisões políticas arbitrárias e ilegais iniciadas contra dirigentes do PT se expandem para os sem-tetos e já atinge blogueiros, todos presos pelos mais escabrosos artifícios de um judiciário associado ao golpe, destruindo a pequena casca dos direitos democráticos conquistados pelas lutas de décadas dos trabalhadores.
Aí vem a esquerda e tem como única política respeitar as instituições, as mesmas instituições que deram o golpe e que abrem caminho para a barbarizarão fascista. “Tudo será resolvido em 2022”. Como assim? E até lá? Vamos pressionar o Congresso, o Judiciário? Essa mesma esquerda que acha que o discurso de Bolsonaro é uma mera retórica deveria sair do pedestal da sua ignorância e verificar o que aconteceu na própria história.
Para os que pensam que o problema são os comunistas, as operações de massacre levadas a cabo pelos fascistas na maior parte das vezes não começaram pelos comunistas, mas justamente pelos socialistas, pelos reformistas. Na Itália fascista, o desmonte da esquerda não começou pelo Partido Comunista, até porque era um partido muito insignificante, mas justamente pelos socialistas. É célebre o brilhante princípio formulado pelo dirigente e teórico do Partidos Socialista italiano, Filippo Turati, diante do avanço do fascismo: “É preciso ter a coragem de ser covarde”, mas nem por isso Turati foi perdoado por Mussolini. Poucos meses após essa declaração seu corpo foi encontrado com marcas de tortura em um terreno baldio na periferia de Roma.