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Para liberais, fome, miséria e extermínio em massa humaniza o ser humano

Em texto publicado no site dos mais retrógradas neoliberais, Mises Brasil, em que a teologia ilusionista de Ludwing Von Mises, que nunca se comprovou no mundo concreto, é reproduzida, encontramos uma tese no mínimo curiosa, para não dizer completamente absurda: é o capitalismo quem “humaniza” a nossa sociedade.

Não causa espanto que nestes textos do chamado liberalismo econômico, estejam presentes verdadeiras pérolas de falsificação histórica e conceitual, produzidas em um esforço quase heróico para esconder o óbvio mundo de superexploração em que vivemos, na inglória tarefa de nos fazer acreditar que habitamos em um verdadeiro paraíso capitalista.

Defendem os autores que não foram os sindicatos que levaram ao que chamam de “humanização do capitalismo”, seja lá o que isto quer dizer, mas sim justamente a acumulação de capital que teria sido o protagonista desta maravilha da natureza econômica em que vivemos hoje, um mundo fantástico e incrível, talvez um pouco injustiçado por nós não termos a acuidade necessária em reconhecer sua grandeza.

Dizem, os autores, que quem acredita que os sindicatos e a luta do movimento operário em geral foram os reais autores de algumas melhorias observadas em nossa sociedade, como a limitação de jornadas de trabalho, proibição de trabalho infantil etc, teriam “invertido as relações de causa e efeito”.

Não! Não foram os sindicatos a causa, a causa real é surpreendente. Para os liberais imaginativos do texto em questão, a acumulação de capital – que é produzida pela exploração de uma classe pela outra – é justamente o que reduz a exploração de uma classe pela outra.

Para dar a uma ideia tão ilógica e claramente contraditória ares de produção intelectual minimamente séria, evidentemente os autores não poderão deixar de lançar mão de ao menos dois tipos de falsificação: a falsificação conceitual e a histórica.

Ao cumprir esta tarefa, vem mesmo muito a propósito o pensamento de Von Mises, cuja construção sistemática de conceitos confusos são uma de suas maestrias e a intencional distorção do marxismo é sua especialidade.

E o ponto zero da construção do absurdo não poderia ser mais ridículo: confundir capital com meios de produção.

Assim diz o texto:

“Capital são todos os fatores de produção — como ferramentas, maquinários, edificações, meios de transporte etc. — que tornam o trabalho humano mais eficiente e produtivo.”

Uma definição bastante conveniente à classe exploradora, pois encobre justamente o que a burguesia precisa deixar encoberto: o valor produzido pelo trabalho humano.

Valor este que, uma vez produzido pelo trabalho e após acumulado nas mãos da burguesia, é exatamente a definição correta de capital.

Na definição de Mises, o trabalho humano não produz valor. O que produz valor é a máquina.

Ou seja, a ideia base do texto deixa claro o que todo operário sabe na prática: para o patrão, o trabalhador de fato não existe, é apenas um “apêndice” incômodo mas necessário para a máquina funcionar. Para a burguesia, a máquina produz sozinha o capital. O trabalho humano não tem nenhum valor. É só um obstáculo a ser vencido.

Outro aspecto que demonstra a confusão desta definição de Mises: se capital fosse igual a meios de produção, a humanidade sempre teria vivido dentro do capitalismo, já que, mais ou menos desenvolvidos, sempre houve meios de produção. Óbvio absurdo. Uma definição que não dá conta de demonstrar as evidentes diferenças históricas entre, por exemplo, o mundo do século XIX e o da Idade Média, não merece nenhuma consideração. É uma ferramenta inútil, improdutiva, para ser mais exato.

Mas a falsa noção de capital produz exatamente a falsificação que pretendem os liberais reacionários e direitistas: demonstrar que a acumulação de “capital” (confundido com meios de produção) geraria como consequência “trabalhar menos e produzir mais”.

Chega mesmo a ser engraçada esta conclusão de tão falsa e distanciada da realidade prática vivida por milhões de trabalhadores, que seguindo o exato caminho oposto, cada dia trabalham mais para ganhar menos. Basta ver o que ocorre na China, por exemplo, em que há meios de produção cada dia mais avançados, mas onde os trabalhadores são expostos a jornadas de trabalho brutais, não raro de mais de 10 horas diárias, recebendo salários extremamente baixos.

Por outro lado, nos EUA, cujas empresas imperialistas exportaram suas fábricas para países atrasados, o trabalhador recebe melhores salários, ainda que sua produtividade não se compare com um operário chinês ou seja muito próxima de um operário brasileiro, por exemplo, e que também recebe bem menos que seus colegas norte-americanos.

A fantasia de Mises, sua falsificação, não encontra a mínima comprovação no mundo real.

E a maior produtividade aliada a uma jornada de trabalho mais longa, não eleva os salários dos trabalhadores. Pelo contrário, determina um número menor de empregados, gera desemprego. O desemprego, por sua vez, faz cair os salários, por haver mais oferta do que demanda, de modo que a produtividade, no capitalismo, está na base da queda contínua dos salários, o que comprova na prática a teoria marxista do valor, como tempo socialmente necessário de trabalho humano para produzir mercadorias.

Marx, ao contrário de Mises, afirma que quanto maior a produtividade, menor o valor de cada mercadoria. E isto se reflete em salários menores – gerados por um desemprego crescente – e um menor mercado consumidor, que determina contínuas crises de superprodução e queda de preços, como a história dos últimos duzentos anos comprova claramente.

Além disto, a história também demonstra que brutalidade desta equação capitalista somente pôde ser atenuada, e por fim será vencida, com muita luta, e luta organizada.

Passando à falsificação histórica, ao contrário do que o texto afirma, os primeiros sindicatos surgiram praticamente cem anos antes que as reduções de jornada chegassem às legislações dos países capitalistas, e como consequência direta da enorme pressão gerada pela vitória da classe operária russa ao tomar o poder por meio da revolução de 1917.

A verdade história não deixa dúvidas: a burguesia somente cedeu alguma melhoria parcial à classe operária quando a pressão da luta de classes era tal que não havia outra saída, e a própria revolução operária era fato iminente.

Interessante notar, por exemplo, que quando Roosevelt assinou a “Fair Labor Standards Act”, na década de 30, no auge da crise gerada pela quebra da Bolsa de Nova Iorque de 1929, a classe operária dos EUA estava ativa a ponto de ser naquele país que então havia as mais amplas possibilidades de revolução operária.

Fica claro portanto a conversa mole dos autores liberais.

No aspecto conceitual, Mises é uma miscelânea de confusões teóricas. E no campo histórico, para provar os absurdos teóricos tem de simplesmente ignorar dois dos mais importantes acontecimentos do século XX: a Revolução Russa de 1917 e a queda da Bolsa de Nova Iorque, em 1929.

E não é para menos. Para concluir que a acumulação de capital – fator econômico que levou a humanidade a tal monta de mortes, guerras, fome e miséria da história, e que de quebra está nos levando ainda a um possível hecatombe ecológico – foi exatamente o fator de “humanização” de nossa sociedade, é realmente necessário não apenas ser um falsificador mal disfarçado para enganar trouxas, mas um verdadeiro prestidigitador, um ilusionista, construtor de uma realidade paralela, cujo brilho, como de toda mágica mal feita, some no ar assim que descobrimos o truque.

Imagina-se, na mente fértil de Mises e dos autores, que as legislações, por exemplo, são frutos que surgem do ar, pela decorrência direta de forças econômicas fantasmagóricas e não de luta renhida da classe operária, como aprendemos na dura prática do cotidiano.

No Brasil, por exemplo, muito antes de haver uma Consolidação de Leis Trabalhistas (CLT), que hoje está sendo destruída exatamente pelo fato de a luta da classe operária brasileira estar em pleno refluxo, houve movimentos operários de massa, inclusive violentos, com greves longas e intensas, muita das vezes parando praticamente toda a economia, e isto como consequência direta da inspiração que os avanços obtidos pelos russos em 1917 levaram ao mundo inteiro, para décadas após, num ato muito mais de desesperdo do que de eventual benevolência, Getúlio Vargas decretar a CLT, na marra, diga-se de passagem, como uma verdadeira engenharia político-econômico-social, capaz de trazer certa estabilidade social às enormes contradições de um país de superexploração, como é o Brasil.

E o cinismo desta superexploração, cujos intelectualóides vendidos para a burguesia têm a obrigação de mascarar de todas as formas, nos leva à necessidade de afirmar e reafirmar o óbvio mais visível do dia-a-dia cru de nossa realidade social: leis não surgem por geração espontânea como simples cristalização de condições propícias de temperatura e pressão econômica. Leis são sempre fruto de luta política, da luta de classes, onde a classe exploradora concede o mínimo necessário para continuar a explorar o máximo possível, e isto sempre a custa de enormes sacrifícios dos explorados.

Prova disto, se é que um fato óbvio precisa de provas, é que assim que os explorados diminuem um pouco a intensidade da luta, a burguesia vem a campo violentamente destruir direitos, como hoje acontece no Brasil e em todo o mundo.

Se o capitalismo levasse a uma progressiva humanização de nossa sociedade, não teríamos hoje a destruição de países inteiros como a Síria, Iraque e Palestina. Não teríamos a fome e violência social generalizada pelos continentes sul-americano e africano. Não teríamos um golpe atrás do outro, em países como a Honduras, Paraguai e Brasil, gerando mais e mais pobreza, inclusive com emigrações em massa e refugiados por todos os lados, como observamos hoje.

Como toda mentira tem vida curta, o que Mises e seus seguidores acabam por involuntariamente comprovar é justamente o oposto do que queriam.

Tentando confundir meios de produção com capital, Mises nos faz pensar que, se a única acumulação que existisse não fosse do capital mas sim dos meios de produção, realmente teríamos como consequência necessária aquilo que chamam de “humanização” de toda a sociedade.

E “acumular” meios de produção, sem a existência de capital, é a característica básica, não do capitalismo, mas sim do socialismo.

No socialismo, como é suprimida a acumulação de capital, toda a riqueza produzida não tem outro destino que não o de voltar diretamente para a sociedade, ou como incremento dos meios de produção ou diretamente através dos produtos gerados pela própria sociedade em seu benefício.

Nesta situação sim, ao contrário do que ocorre no capitalismo, os avanços de produtividade geram a necessidade de menores jornadas de trabalho ao mesmo tempo que levam a uma sociedade cada vez mais rica.

É justamente pela ocorrência da supressão do capital gerada pelo socialismo que passamos a um regime econômico onde a produtividade crescente leva a cada vez melhores níveis de vida da sociedade, gerando uma situação em que temos cada vez mais como cada vez menos esforços.

Há estudos que indicam que hoje, por exemplo, seriam necessários apenas seis minutos de trabalho diário se toda a humanidade economicamente produtiva estivesse em ação na produção material de nossa sociedade.

Se seis minutos de emprego diário representam uma catástrofe em uma sociedade de acumulação capitalista, com milhões de desempregados e uma pequena parcela de trabalhadores superexplorados, como vemos hoje, em uma sociedade onde a realidade material seja o que Mises tenta fazer os incautos acreditarem que ocorre no capitalismo, ou seja, uma sociedade em que de fato não exista o capital, mas tão só a “acumulação” de meios de produção, o pouco trabalho necessário representa uma verdadeira bênção.

É interessante notar como todo falsário acaba provando exatamente o contrário do que pretendia.

De fato, precisamos fazer na prática o que Mises fez conceitualmente: temos que suprimir a existência concreta do capital, para libertar os meios de produção da necessidade de gerar acumulação capitalista e assim, de fato, “humanizar” a nossa sociedade.

Em suma, precisamos da luta da classe revolucionária que é a classe operária para exterminar o capital e a burguesia parasitária da humanidade.

Precisamos do socialismo.

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