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100 anos da Reforma Universitária de Córdoba (Argentina)

 A luta dos estudantes da Universidade de Córdoba pela reforma universitária completou seu centenário em julho deste ano. Foi um marco na mobilização estudantil não somente na Argentina, mas em toda América Latina. O movimento estudantil na sua luta pela Reforma Universitária que teve como epicentro a tradicional Universidade de Córdoba. Em pauta questões fundamentais para o desenvolvimento da autonomia universitária e para o estabelecimento de uma efetiva democracia no funcionamento das instituições de ensino superior.

 

A Universidade de Córdoba era controlada com mãos de ferro pela oligarquia rural católica que impunha regras autoritárias e o ensino tradicional completamente desvinculado da realidade social e sem qualquer preocupação cientifica.  A universidade era uma das mais tradicionais da Argentina, fundada em 1613 pela Companhia de Jesus, sendo nacionalizada no século XIX, entretanto, o controle continuava com os setores mais reacionários da sociedade na época.

 

O estopim da revolta estudantil na Universidade de Córdoba foi a nomeação do reitor Antonio Nores pelo presidente argentino Yrigoyen, em 15 de junho. O novo reitor era jesuíta, portanto ligado aos grupos clericais que sempre controlavam a universidade, tinha sido “eleito” num processo eleitoral que não permitia a participação estudantil. Os estudantes realizaram a ocupação da universidade e fizeram um forte movimento que teve repercussão continental. Uma parte das reivindicações foi atendida, e o governo foi obrigado a cancelar a nomeação do reitor contestado pelo movimento.

 

 Através de uma mobilização formidável, os estudantes questionaram a estrutura arcaica e autoritária da universidade, pautaram a participação dos estudantes no governo da universidade, tanto nos seus aspectos acadêmicos quanto na própria gestão cotidiana da instituição.

A Reforma Universitária apontada pelo movimento estudantil colocou em destaque a autonomia universitária diante do Estado, exigindo o financiamento público sem interferência política e administrativa dos governos na gestão universitária. Além disso, colocava o direito de escolha e liberdade de pensamento como algo fundamental para o desenvolvimento do conhecimento, assim uma proposta apresentada era a liberdade de cátedra, associada à realização de concursos públicos para a contratação de docentes.

 

Uma questão relevante do movimento de Córdoba, que depois é apresentada como marco para o desenvolvimento da universidade contemporânea em todo mundo, é a concepção e a prática da interconexão entre ensino, pesquisa e extensão. Dessa forma, a realização de pesquisa científica como um dos eixos da universidade significava a busca pela produção de conhecimento, rompendo com a visão existente nas universidades tradicionais de cursos apenas reprodutores do que se considerava algo pré-estabelecido, que deveria ser apreendido de maneira acrítica.

 

Por outro lado, a luta estudantil questionou de maneira muito apropriada a visão de que a universidade seria algo inteiramente segregado do contexto social. O sentido da própria universidade na sua relação com a sociedade foi não somente salientado, mas ensejou uma reorientação prática, na medida em que a ação extensionista passou a ser  uma preocupação fundamental da constituição da própria universidade. Esta visão influenciou fortemente o movimento reformista universitário na América Latina, expresso na luta pela universidade popular ou universidade para o povo, em mobilizações no Chile, Uruguai e marcadamente no Peru.

 

Outro aspecto da abertura da universidade para o povo foi a proliferação de cursos livres (que por sinal foi uma prática recorrente na revolta estudantil em 1968 nas universidades francesas e americanas), em que a comunidade externa poderia participar livremente das aulas, bem como os estudantes foram para os bairros populares realizar cursos.

 

Os jovens estudantes da Universidade de Córdoba expressavam uma luta mais ampla pelo desenvolvimento nacional e pela democratização do acesso aos cursos superiores para a população. A composição social dos estudantes já demostrava as modificações significativas que passava a Argentina no início do século XX, uma vez que uma parte considerável dos jovens era das classes médias emergentes, em contraste com a formação tradicional dos universitários como membros da elite. O movimento estudantil defendia a ampliação dos cursos e abertura dos cursos superiores para os trabalhadores.

 

Como já fizemos referência, as iniciativas de Universidades Populares foi um aspecto marcante no movimento, e incluía a realização de um amplo processo de educação popular junto ao povo. Cabe ressaltar que, influenciados pela situação revolucionária mundial (lembrando que a Revolução Russa foi apenas um ano antes), os jovens intelectuais de Córdoba buscavam a constituição como algo estratégico de uma aliança entre os estudantes e os trabalhadores. Destaca-se  Deodoro Roca (1890-1942), um dos participantes do movimento que se transformou em um importante militante anti-imperialista na Argentina, denunciando  os EUA pelo assassinato  dos anarquistas Sacco e Vanzetti em 1927; apoiando a Luta de Sandino na Nicarágua contra o imperialismo ianque.

 

Uma das reivindicações mais significativas do movimento presente no famoso Manifesto de Córdoba é a luta pela democracia no interior das universidades, através da exigência do co-governo, com a participação dos estudantes. Essa proposta colidiu frontalmente com a casta burocrática universitária, formada por professores.

 

Em 1918, ou seja, há cem anos atrás, não existia liberdade de expressão, e as universidades não permitiam nenhuma participação estudantil por menor que fosse nas decisões, inclusive em questões relacionados com o ensino,  como currículo e métodos de aprendizagem.  As lutas estudantis na América Latina pela Reforma Universitária desde então, bem como movimentos juvenis nos anos 60, colocaram em relevo o caráter autoritário do funcionamento das instituições universitárias. Um dos fundamentos justificadores da exclusão dos estudantes, ou pelo menos como acontece hoje na sua total insignificância efetiva nas decisões, é a crença mística que são os professores, mais especificamente os que têm o titulo de Doutor, os únicos detentores do conhecimento ou mesmo da capacidade necessária para gerir a universidade.

 

No Brasil, a luta pela Reforma Universitária foi  marcante nos anos 60, com a UNE realizando seminários nacionais e inclusive greves nacionais para garantir a participação estudantil nos conselhos e órgãos colegiados nas universidades. Esse movimento foi bruscamente abortado pela violenta repressão da ditadura militar.

 

A luta pelo co-governo na universidade é, neste sentido, uma mobilização contra os resquícios do passado autoritário das instituições universitárias. Não por acaso, são os estudantes os representantes das propostas mais avançadas quando discutirmos como deve ser a universidade e seu papel social. Isso acontece pelo fato que os estudantes são os mais oprimidos no interior da própria estrutura universitária.

 

 Outro fator que explica porque a  luta pelo co-governo (hoje expresso na bandeira do governo tripartite, com maioria estudantil) é, na verdade, a única proposta efetiva de luta pela autonomia e democracia nas universidades, é o fato que a figura do Reitor (diretores de centro, de faculdades etc) é extremamente autoritária na medida em que se coloca acima da própria comunidade universitária, apoiando-se na casta burocrática, na sua quase totalidade formada por docentes.

 

Na atualidade, as “eleições” nas universidades são apenas um simulacro de democracia, a comunidade universitária, e especial os estudantes, apenas são chamados para referendar um processo viciado, e mesmos os “reitores ou diretores democráticos” reproduzem as mesmas práticas de controle no interior das estruturas universitárias.

 

No Brasil dominado pelos golpistas, mesmo a democracia incompleta e insuficiente que existe nas universidades está fortemente ameaçada. Processos de consultas são completamente insuficientes para fazer frente aos ataques. É preciso neste centenário da Reforma Universitária de Córdoba entender que somente a mobilização efetiva em torno do co-governo e da aliança da comunidade universitária com o povo pode construir uma alternativa real em defesa da universidade pública, contra os golpistas reacionários.

 

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