Em recente entrevista concedida ao Programa Faixa Livre da Rádio Bandeirantes, o professor de história, Valério Arcary, expressou o profundo desnorteio político que atinge a esquerda pequeno burguesa, com relação ao governo de extrema-direita de Bolsonaro.
Ex-dirigente do PSTU e atualmente militante da corrente Resistência, grupo egresso do PSTU, que se incorporou ao PSOL, Arcary é daqueles políticos pequeno-burgueses, que não tem a mínima ideia para onde aponta a bússola.
Em uma entrevista de cerca de 40 minutos, o dirigente psolista falou de tudo. Recorreu a acontecimentos da revolução russa, da revolução francesa, falou do fora Collor, da política de conciliação de classes do PT, entre outras conjecturas políticas, mas só não falou do que realmente é o ponto nevrálgico da política no Brasil de hoje, que é a posição diante do governo Bolsonaro. Ou melhor, “Fora Bolsonaro” ou “Fica Bolsonaro”.
Em um dos momentos da entrevista, o professor de história depois de afirmar que as mobilizações dos dias 15 e 30 haviam mudado a conjuntura, apesar da situação da classe operária ainda estar no marco de uma situação “defensiva e reacionária”, apresentou como uma primeira opinião que “os desafios são grandes por que o que estamos vendo, na verdade, é um movimento de resistência contra a ofensiva do governo”.
O professor de história não entendeu nada sobre as mobilizações dos dias 15 e 30 de maio. Para ele foi um raio em céu azul. Em meio a uma situação “absolutamente reacionária”, um belo dia, professores e estudantes acordaram como de um feitiço, tomaram as ruas e a partir daí está se conformando um movimento de resistência.
Uma questão elementar da política é que toda ação efetiva de uma classe social contra outra, como um golpe de Estado, impõe, necessariamente, uma polarização política.
No caso brasileiro, essa polarização vem crescendo desde o golpe de 2016 e só não evoluiu de forma mais efetiva por conta da política da própria esquerda, que a todo momento procurou desviar o enfrentamento das amplas massas para o campo institucional (impeachment, perseguição e prisão de Lula e outros dirigentes petistas, fraude eleitoral, etc.)
Diante do bloqueio da própria esquerda, a revolta popular procurou brechas para romper a barreira de contenção e foi encontrá-la justamente na festa mais popular do país, o carnaval e a partir daí, o dia 15 representa o rompimento definitivo dessa crosta.
Na continuidade da entrevista, como que para dizer alguma coisa sem, na prática, se comprometer com nada, Arcary volta a se referir às mobilizações como movimentos “defensivos”, que os cidadãos não precisam comungar “historicamente com o socialismo” basta apenas ter “lucidez”, para entender que estamos diante de um governo que “precisa ser detido”, um governo que ameaça “direitos conquistados”, ameaça as “liberdades democráticas”, “as conquistas civilizatórias” da humanidade, enfim, “um dos governos mais reacionários e perigos do mundo”.
Toda essa salada de declarações leva a uma única conclusão: não fazer nada e esperar para ver como as coisas ficam. E o Fora Bolsonaro? O governo “precisa ser detido”, mas e aí? Como ele será detido? Por Mourão? Pela política “defensiva de resistência”? Pela “lucidez” da classe média não socialista e até bolsonarista?
O “lúcido” professor de História, que citou na entrevista vários acontecimentos históricos, quando se trata de “olho no olho, dente por dente” não sabe o que fazer.
Uma outra regra elementar da política é a de que toda luta defensiva tem por objetivo se transformar em uma luta ofensiva. Aliás, não só em política, você se defende para atacar, veja o futebol. Nesse momento de defesa contra os ataques do golpe e da extrema-direita, a política de contra-ataque, se se quer ganhar o jogo, só pode ser uma, que é a de lutar pela derrubada de Bolsonaro e todo o regime golpista. Não lutar pelo “fora Bolsonaro” é ir contra as manifestações dos dias 15 e 30 de maio.
Não levantar essa palavra de ordem é permitir que “um dos governos mais reacionários e perigos do mundo” se recomponha ou que os militares (tratados com benevolência na entrevista), tão ou piores do que Bolsonaro, imponham uma política bolsonarista sem Bolsonaro.
Outros aspectos da entrevista, como, por exemplo, a interpretação do movimento Fora Collor, apenas corroboram com as concepções ultraconservadoras do entrevistado. Vale salientar que, assim como as mobilizações dos dias 15 não foram um “raio em céu azul”, também não são a política capituladora da pequena burguesia, expressa de uma maneira tão fantasiosa por Valério Arcary.
Para não ir longe, o professor do Instituto Federal de São Paulo foi um das principais “profetas” no campo da esquerda pequeno-burguesa a defender que “não havia golpe no Brasil”. Chegou, inclusive, a ser agraciado com uma entrevista na Globonews para defender a sua fantasiosa tese, baseada de que esse não era o interesse do imperialismo e que tudo não passava “narrativa petista ou governista”. Foi ainda defensor dos golpes de extrema-direita na Ucrânia e no Egito, sob o argumento de que se tratavam de “revoluções populares”, entre outras bizarrices pelo mundo, como a Venezuela.
Diante de tamanha falta de senso político, o que significa não defender o Fora Bolsonaro? Talvez não seja por outro motivo que seu grupo foi rebatizado dentro do PSOL, com o sugestivo nome de “Resistência”.