─ Por Eduardo Vasco, com Rui Costa Pimenta e João Caproni Pimenta
Em novembro de 2020, sete meses após deixar o Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro, Sergio Moro almoçou com o empresário Walfrido Warde. O assunto? O contrato para que o ex-juiz, símbolo máximo da Operação Lava Jato, fizesse o parecer de uma disputa judicial entre Benjamin Steinmetz e a Vale.
“Warde Advogados, devidamente autorizado por seu cliente, informa que contratou, a pedido do empresário israelense Benjamin Steinmetz, parecer do ex-ministro Sergio Moro em um litígio transnacional, que se estabelece prioritariamente em Londres”, publicou o escritório pouco depois.
Nos dias seguintes à revelação, numerosas reportagens foram publicadas pela imprensa progressista denunciando o trabalho de Moro para o bilionário israelense, “investigado por suspeitas de corromper governantes, lavar dinheiro, sonegar impostos e violar direitos humanos e leis ambientais ─ e que já foi preso a mando das autoridades da Suíça e de Israel”, destacou The Intercept. “O contrato que inclui a encomenda de Steinmetz vai render R$750 mil a Moro.”
Dois meses depois, Steinmetz seria condenado a cinco anos de prisão e uma multa de mais de R$300 milhões pela justiça suíça, acusado de corromper funcionários públicos estrangeiros e falsificar documentos.
Em resumo: Moro atuou a favor de um bilionário criminoso, estrangeiro, contra uma das mais importantes empresas brasileiras. E foi muito bem remunerado por isso.
Foi, sem dúvida, um episódio de grande coerência do magistrado paranaense, que adquiriu importante know-how nos anos em que comandou a destruição da economia nacional em benefício do capital estrangeiro através da Lava Jato.
Moro, como está vastamente documentado, fez tudo isso após treino e em coordenação com o governo dos Estados Unidos. Para muitos, na prática, não resta dúvida de que Moro não passa de um agente da CIA, ou no mínimo um agente do governo americano.
A Warde Advogados, que contratou Moro, tem como sócios, além de Walfrido Warde, o ex-diretor da Polícia Federal Leandro Daiello e o filósofo Silvio Almeida, dentre outros.
Daiello é um velho conhecido de Moro. Ele foi chefe da PF entre 2011 e 2017 e trabalhou lado a lado com Moro desde 2014, com o início da Lava Jato. Desde o final da ditadura, foi o diretor que mais tempo ficou no cargo dentro da Polícia Federal. Por que será?
O jornalista Bob Fernandes revelou, em uma série de oito reportagens entre 1999 e 2004 na Carta Capital, que os serviços de inteligência do governo dos EUA (CIA, FBI e DEA) controlam a Polícia Federal, com seus agentes trabalhando dentro da organização. Os recursos dessas agências foram fundamentais para transformar a PF de um órgão totalmente sucateado a uma máquina de operações “anticrime” e “anticorrupção”.
Reportagem de setembro de 2013 publicada na Folha de S.Paulo mostrou que, um ano antes de Daiello assumir o cargo máximo da PF, o órgão havia firmado um acordo de cooperação com a embaixada dos EUA, representada pela CIA. Ainda segundo a reportagem, os agentes da CIA se reuniam ao menos uma vez por semana com membros da PF, em Brasília. As fontes ouvidas pelo jornal afirmam que os funcionários norte-americanos “dão a linha em investigações e apontam quem deve ser o alvo dos policiais federais”.
O mais notório desses alvos foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que sofreu condução coercitiva em 4 de março de 2016, quando a PF era comandada por Daiello (e também pela CIA). Dois anos depois, Lula era preso pela PF, por ordem de Moro. Nas eleições daquele mesmo ano (2018), o petista, portanto, foi impedido de concorrer, mesmo tendo 40% de intenções de voto. O caminho ficou livre para Jair Bolsonaro se eleger presidente da República. Pouco depois, Bolsonaro anunciaria Moro como seu ministro da Justiça e Segurança Pública.
“Responsável pela Direção da Polícia Federal do Brasil entre 2011 e 2017, quando foram desenvolvidas as maiores ações de combate à corrupção do país, incluindo a Operação Lava Jato”, ressalta o resumo de Daiello no sítio da Warde Advogados.
Como o Diário Causa Operária destacou em reportagens anteriores, Walfrido Warde, líder e sócio fundador do escritório de advocacia, é amigo íntimo de longa data e articulador político de Guilherme Boulos (PSOL). Warde emprega o psolista no Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE) como professor e colunista. Daiello, além de sócio de Warde, também atua no mesmo instituto como diretor. Silvio Almeida, outro sócio do escritório, está sendo sondado por Boulos como provável candidato a vice na chapa para o governo de São Paulo nas eleições de 2022.
Note-se que o IREE, conforme revelou o DCO, é parceiro do think tank norte-americano Global Americans, que é formado de cima a baixo por funcionários ou ex-funcionários do governo dos EUA ou órgãos relacionados a ele. Quem financia o Global Americans é o Fundo Nacional para a Democracia (NED, na sigla em inglês), agência do governo americano de fachada da CIA que atua para “mudanças de regime” (leia-se golpes de Estado) pelo mundo, sob os motes dos “direitos humanos”, “democracia” e “combate à corrupção”.
O IREE também tem, entre seus dirigentes, outros membros de destaque da direita nacional que tiveram papel ativo no processo golpista contra a ex-presidenta Dilma Rousseff e no governo de Michel Temer, como Sérgio Etchegoyen (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional) e Raul Jungmann (ex-ministro da Defesa).
Warde é considerado um advogado crítico da Lava Jato. No entanto, isso não o impediu de contratar o principal expoente da operação e lhe conceder uma fortuna, bem como não o impediu de se associar na Warde Advogados e de empregar no IREE o chefe da PF durante o início e fase mais dura da Lava Jato.
Boulos, por sua vez, respondendo aos questionamentos sobre seu trabalho em conjunto com alguns dos principais responsáveis pelo golpe de Estado, justificou a parceria dizendo que o IREE é um instituto “plural”. Isto é, não haveria nenhum problema em trabalhar e ser propagandista de um instituto que tem Etchegoyen, Jungmann e Daiello como dirigentes. Ele busca pintar seu empresário querido, Warde, como um defensor da democracia e crítico da Lava Jato, levantando seu livro “O Espetáculo da Corrupção” como uma justificativa. A redação se deu ao trabalho de ler a peça, e não há nenhuma condenação da Lava Jato em si, condena-se apenas ditos excessos e uma suposta rigidez da legislação que teria levado à catástrofe econômica de 2015, 2016 e 2017.
Aqui vemos que o que Boulos diz não se escreve. Menos ainda Warde, que nem escreveu essa crítica a Sergio Moro. A atuação da Warde Advogados neste caso é curiosa, no sentido de conseguir uma mala de dinheiro, ainda que figurada, para Sergio Moro. Moro tem notoriedade pela sua atuação na Lava Jato, mas não é, nem de longe, um grande jurista, algo demonstrado de forma pitoresca pela sua dificuldade em pronunciar a palavra “cônjuge”. O empresário não precisava de notoriedade ─ queria um parecer, uma opinião de especialista, de um especialista que praticamente não advogou na vida, sobre direito transnacional. Longe de nós, como redação, questionar as excentricidades de um bilionário israelense, mas que é estranho, é.
Boulos disse que o instituto seria plural, que não seria estranho trabalhar lá. O Instituto é financiado por Warde e seu escritório, como eles mesmos declararam. Este escritório emprega Daiello, emprega Sérgio Etchegoyen e empregou pontualmente Sergio Moro. Por que emprega Boulos? Por que ele insiste em defender este esquema claramente golpista? Tão pouco Boulos explica essa relação com o think tank imperialista Global Americans. O escândalo Boulos-Warde tem perguntas de sobra e, da parte dos acusados, nenhuma resposta direta. O silêncio, contudo, diz (e muito!) sobre as acusações.