Nos tempos em que o moralismo cristão controlava toda a produção da humanidade, os artistas tinham que esconder as “vergonhas” dos seus personagens nos quadros pintando uma pequenina folha na frente dos órgãos genitais dos próprios.
De fato, muito pouco podia ser escondido por aquele pequeno folículo, o que não impedia olhares escandalizados dos espectadores mais pudicos, mas pelo menos o artista podia se proteger de qualquer acusação de obscenidade.
Algo análogo acontece na política. Diante de uma crítica da falta de argumentos, o criticado tenta se defender lançando mão de qualquer coisa distracionista, para tentar fugir do debate. As “vergonhas” estão bem ali, para todo mundo ver, mas aquela folhinha de parreira serve para disfarçar a obscenidade.
A folha de parreira mais usada atualmente é o identitarismo. Critique politicamente uma mulher, um negro ou um LGBT que você será prontamente acusado de machista, misógino, racista e homofóbico. E assim, o criticado não precisa argumentar. O fundamental continua ali, mas a folha de parreira ─ como a da história de Adão e Eva ─ serve para distrair o debate.
A economista Juliane Furno acabou usando esse método para se defender das críticas que nem eram contra ela. O artigo publicado por este Diário “O empresário (e seus sócios imperialistas) por trás de Boulos”, uma reportagem que revela as relações de setores da esquerda, principalmente Guilherme Boulos, com empresários ligados ao imperialismo, cita Juliane Furno de passagem, apenas constatando o fato de que ela é Economista Chefe do Instituto IREE. Apenas isso, nada mais do que isso, um fato.
Mas Juliane Furno ficou profundamente incomodada com a constatação desse fato. Reagiu, mas não acusando a matéria de disseminar uma mentira ─ afinal, não é uma mentira ─, mas acusando a matéria de citá-la apenas porque ela é uma mulher. Em seu Twitter ela afirmou:
“Não vejo homens sendo associados às mulheres com quem eles tem e/ou tiveram relações amorosas. É muito duro ser mulher, economista, figura pública… não me resumam a associem a homens.”
Gente! Quando quiserem falar bem ou mal de mim exaltem os meus defeitos e/ou qualidades. Não vejo homens sendo associados às mulheres com quem eles tem e/ou tiveram relações amorosas. É muito duro ser mulher, economista, figura pública… não me resumam a associem a homens https://t.co/5HhpJ4fhQY
— Juliane Furno (@julianefurno) November 2, 2021
Eis a folha de parreira de Juliane Furno. A reportagem mostra todas as vergonhas de Guilherme Boulos e de uma esquerda associada diretamente a setores empresariais ligados ao golpe e ao imperialismo, mas o problema é que o PCO falou de suas “relações amorosas” e que é “duro ser mulher”.
Mas, e sobre o conteúdo central da reportagem, Juliane Furno, o que você teria a dizer? E sobre as relações de Guilherme Boulos com esses empresários, justo o líder do PSOL cujo discurso procura se apresentar como mais à esquerda que o PT e contra a política de conciliação de classes do PT?
Juliane Furno pode se acalmar, a reportagem não é contra ela. A não ser que ela concorde conosco que ser parte do Instituto IREE, controlado por empresários (e figuras como Etchegoyen, Raul Jungmann e Leandro Daiello) com ligações com o imperialismo, é vergonhoso para um esquerdista. E é mesmo. Mas o que incomoda Juliane não é a sua relação com esses empresários, mas algo que o PCO tenha dito apenas porque ela é mulher.
Mesmo assim, é preciso dizer outra coisa. Na pressa de insinuar que o PCO é machista, ela acabou invertendo as relações apontadas por ela na reportagem. Segundo ela, apenas por ela ser mulher a reportagem levanta suas relações amorosas com Jones Manoel. Mas isso não é verdade. É o contrário, a reportagem não acusa ela de ter essas relações com o blogueiro do PCB, mas insinua que o tal blogueiro do PCB pode também ter relações com o IREE por ter essas relações com ela. A acusação dela não vale, nem mesmo nesse caso.
Contra fatos, não há argumentos. E o identitarismo é o melhor “argumento” para quem não o tem.