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Código aberto ou livre?

O software livre e o desenvolvimento das forças produtivas

Como os monopólios de tecnologia trabalham contra o seu desenvolvimento

O tema da coluna desta semana não se relaciona a nenhum acontecimento recente específico, mas conforme começo a escrever sobre tecnologia no DCO, achei que seria oportuno introduzir aos nossos leitores um debate antigo na área da computação. Qual seria a diferença entre um programa de computador com código aberto e um software livre?

Primeiro, permitam-me explicar o que queremos dizer com “código aberto”. Aplicações que usamos no dia-a-dia – como o navegador utilizado para exibir esse sítio – nada mais são do que uma sequência de instruções para o dispositivo que as executa. Busque o conteúdo dessa página pela internet, decodifique o texto recebido, faça o download das imagens associadas ao site, pinte este pixel desta ou daquela cor, e muito mais descrito num formato binário; sequências infindáveis de zeros e uns compreensíveis apenas pelas próprias máquinas – e por programadores de posse de muito tempo livre e das ferramentas corretas.

A tal abertura então, diz respeito ao código fonte das aplicações, que são as instruções originalmente escritas por um programador numa linguagem de programação menos abstrata, compreensível por seres humanos. Esse código fonte é então submetido a um programa especial denominado compilador que transforma aquilo que foi descrito pelo programador em algo que o computador possa executar, como descrevi anteriormente.

Podemos concluir, portanto, que, dado o código fonte, é possível, sem grande dificuldade, produzir o executável quantas vezes bem entendermos. Reproduzir o processo em diversos computadores é trivial. É por isso que não temos acesso ao código de diversas aplicações caríssimas, como o pacote Abode, tão adorado por designers e artistas. Seu produto não teria um bom preço no mercado se pudesse ser gratuitamente reproduzido ad infinitum.

Os próprios sistemas operacionais utilizados por um grande número de pessoas – Windows, macOS, iOS – são caixas-pretas. As leis de propriedade intelectual que protegem esses programas e tornam ilegal o próprio ato de tentar realizar a engenharia reversa de seus executáveis, procedimento complexo que buscar recuperar o código fonte a partir das instruções binárias.

Apesar dos programas caixa-preta, protegidos por patentes, serem bons para os negócios, são péssimos para a colaboração. Com o advento da internet, programadores de todo o mundo passaram a desenvolver sistemas e pedaços de software que podiam ser compartilhados entre todos e que evoluíam, em muitos casos, muito mais rápido do que o que uma empresa, com um número restrito de funcionários, conseguia desenvolver. Sítios como o GitHub e outros hospedam milhões de projetos prontos para serem estudados e utilizados pela sociedade.

Como ainda vivemos no modo de produção capitalista, é certo que essa liberdade existe apenas de forma limitada, ainda a serviço dos grandes monopólios. Um dos melhores exemplos disso é o WebKit, que, de uma forma ou de outra, serve de base para os principais navegadores de internet modernos (com exceção ao Firefox). O projeto, que tem sua origem no coletivo KDE, foi abraçado pela Apple e outros monopólios como uma tecnologia essencial para exibir conteúdo na internet.

Além de ser a base do Safari até hoje, podemos traçar as origens do Chromium no projeto que, por sua vez, mantido essencialmente pelo Google, serve de base para Google Chrome – navegador mais utilizado do mundo -, Microsoft Edge, Opera, Brave, Vivaldi e tantos outros navegadores quanto se possa imaginar. Além disso, muitas aplicações que utilizamos como se fossem “nativas” são, na realidade, navegadores disfarçados. É o caso, por exemplo do Discord, ferramenta popular de comunicação entre os jovens.

Peço desculpas pela digressão, mas queria destacar como esse projeto é fundamental para o dia-a-dia na sociedade moderna e como ele ainda beneficia, e muito, os monopólios mencionados. Além de todos poderem usar seus funcionários para contribuir e evoluir a tecnologia, as empresas ainda contam com a iniciativa de programadores avulsos que simplesmente querem corrigir ou notificar um problema de forma mais detalhada. É uma fórmula mágica para conseguir trabalho de graça! É óbvio que os capitalistas amariam essa ideia!

Além de tudo, nada os impede de usar essa base construída coletivamente, adicionar alguma funcionalidade especial, e ocultar isso dos concorrentes, e da sociedade. Apesar do Chromium ter seu código aberto, o Chrome não tem. Nem o Safari, nem o Edge. Os monopólios fazem uso gratuitamente da infraestrutura construída coletivamente, adicionam alguns adereços no topo de tudo e nos vendem, fazendo uma grande fortuna. Em alguns casos, não vendem, mas colocam ferramentas de vigilância que nos espionam a fim de coletar dados para fazer um marketing mais efetivo – e, naturalmente, para ajudar o Estado a vigiar se nenhum membro da sociedade vai sair da linha!

open source ou código aberto, apesar de ter encontrado uma resistência inicial das empresas nos anos 1980 e 1990, hoje em dia é praticamente abraçado. Ele reduz custos, evolui rapidamente e, de quebra, faz esses monopólios decrépitos parecerem amigáveis.

Existe porém uma ideia mais radical de código aberto: o software livre. Proposto de forma acabada por Richard Stallman em 1989, a Licença Pública Geral GNU garante que o código fonte por ela protegido “infecte” qualquer modificação feita sobre ele. Se o WebKit ou o Chromium estivessem cobertos pela GPL, como comumente é conhecida, Google, Microsoft e Apple, seriam obrigados a disponibilizar publicamente as alterações feitas no programa original por seus funcionários. Isso seria útil tanto para podermos fazer usos das melhorias e funcionalidades por eles desenvolvidas como para analisarmos se o programa tem comportamentos de caráter duvidoso, como espionar seus usuários.

Além disso, a Licença tem um outro caráter “infeccioso” e todo programa conectado a um software protegido pela GPL também deve utilizar a mesma licença. Essa parte é um pouco mais técnica… vou poupar os leitores provavelmente já cansados de uma explicação mais detalhada, mas saibam que essa é a razão central para muitos monopólios terem repulsa a software livre.

O Wordpress, que é a base do DCO e da grande maioria dos sítios da internet, é protegido pela GPL. Além dele, o sistema operacional Linux, que é peça central de infraestrutura na vasta maioria dos servidores que hospedam a grande maioria das aplicações disponíveis na internet, também o é. Ferramentas livres possibilitaram o desenvolvimento de muitas empresas, como a maior empresa da atualidade, a Amazon, que, ao contrário do se pensa, encontra a maior parte de seus lucros na hospedagem de aplicações em seus servidores (a famosa “nuvem”). Possibilitaram também que profissionais como eu pudessem estudar e aprender sua profissão sem ter que fazer um grande investimento em ferramentas caras e pagas. Possibilitam ainda que soluções e customizações desenvolvidas por uma pessoa ou grupo de pessoas sejam compartilhadas com a sociedade.

Na guerra contra as patentes de software e pela libertação das forças produtivas no âmbito da computação, o código aberto é uma manobra, uma forma dos monopólios de se apropriarem do trabalho coletivo. Podemos até considerá-lo uma privatização do software livre. O Linux, de certa forma, é uma anomalia que foi utilizada por certas empresas para furar o bloqueio de antigos monopólios, mas que todos os empresários do ramo da tecnologia desejam que não fosse software livre, mas simplesmente código aberto. 

O avanço da tecnologia da informação introduziu um grande problema aos capitalistas. A reprodução de seus produtos digitais é trivial. Com uma oferta infinita, o preço da mercadoria tende a zero. Os programas de computação, deveriam, portanto ser públicos, isto é, livres. Só não o são porque ainda somos escravos da lógica da acumulação infinita. O código aberto, assim, é um meio termo esquisito, uma forma encontrada pelo modo de produção atual de conviver com o desenvolvimento das forças produtivas que continua, independentemente e, nesta fase imperialista em que nos encontramos, contra a sua vontade.

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