Poderíamos definir o período eleitoral como uma espécie de vale-tudo político. No afã de galgar um espaço na administração do decrépito Estado capitalista, misturam-se todos os elementos possíveis. Essa conduta, vindo da direita, não nos causa nenhum estranhamento; o problema é quando um partido de esquerda lança como candidato a prefeito um legítimo representante de um dos setores mais subordinados ao imperialismo: um latifundiário.
Ignorando qualquer contradição, o diretório do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) de Mato Grosso do Sul lançou João Alfredo como candidato a prefeito em Ribas do Rio Pardo, MS. O candidato cujos bens passam dos R$ 7,2 milhões. É dono de 500 hectares de terras, mais de 450 cabeças de gado, um escritório de advocacia etc. Embora a fortuna do abastado postulante a prefeito de Ribas do Rio Pardo seja algo a se considerar, é preciso fazer uma caracterização política do candidato do PSOL. Não é de hoje que João Alfredo é considerado um problema para um partido que se diz “socialista”, portanto, de esquerda. O candidato é contrario à descriminalização do aborto e das drogas – reivindicações elementares da esquerda. De praxe, considerando-se seus interesses materiais, se diz contra “invasões de terra”. Afinal, seus 500 hectares estão em um assentamento do INCRA.
Como regra geral, em política – o princípio da atração de polos opostos não segue o princípio da física; muito pelo contrário, aqui, como se trata dos interesses das classes sociais, o campo magnético forjado pela política direitista do PSOL atraiu a burguesia, e vice-versa; resultou numa coligação com partidos burgueses, como a REDE e o PV, ambos favoráveis à reforma da previdência e acoplados com a extrema-direita, em muitas cidades. Esse, no entanto, é o ABC da política: ao lançar um candidato latifundiário e conservador, invariavelmente, o partido atrai os setores mais conservadores e direitistas. Ao avalizar essa colaboração, fica evidente o caráter puramente retórico e oportunista da esquerda pequeno-burguesa.
Convenhamos, a política tem que ser analisada sobre uma base concreta, isto é – sobre o movimento real. Demais, se consideremos, pois, que o golpe de Estado de 2016 ainda está em curso e a única forma de reverter o quadro e modificar a correlação de forças é através da mobilização dos setores mais combatentes, mais à esquerda, o PSOL está atuando contra as necessidades candentes do movimento operário e popular. Postulante ao cargo de prefeito do município, João Alfredo fora lançado pelo PSOL nas eleições de 2016, justamente no ano em que Dilma Rousseff fora derrubada por um golpe que contou com ampla base dos latifundiários. Diante de tal contradição, um questionamento deve ser feito: por que o PSOL não expulsa e nem toma medidas contra esses elementos que não tem nada a ver com a esquerda? Recentemente, um candidato do PSOL recebeu dinheiro do tucano Armínio Fraga. Ora, o que um partido que se diz o arauto da moralidade política tem a dizer diante disso?
Desde que Bolsonaro assumiu o executivo, uma sequência de assassinatos ligados ao campo têm tomado os jornais. O aparato repressivo do Estado e os pistoleiros rurais nunca encontraram um terreno tão fértil para agir deliberadamente contra os movimentos do campo, como é o caso do MST e também a população autóctone, como os indígenas e os quilombolas. Abriu-se, portanto, uma guerra declarada contra a população do campo – com o objetivo de se fazer prevalecer as necessidades materiais dos latifundiários; tudo isso à custa do sangue dos camponeses, implementando-se um regime abertamente fascista contra as lideranças rurais. É no mínimo contraproducente estabelecer uma aliança com os setores ligados ao latifúndio. Não teria o PSOL um candidato que fosse ligado à luta no campo? Na luta pelas reivindicações dos trabalhadores do campo, lança-se o patrão? Com qual objetivo?
Esse fato, com tantos outros, demonstra, através da experiência prática, do que se trata quando o assunto é ocupar um cargo no Estado, custe o que custar. Nesse caso, princípios e programas se perdem dando lugar ao oportunismo e ao cretinismo parlamentar. Ao invés de utilizar as eleições como tribuna para denunciar o caráter antidemocrático do regime político, expor um programa que defenda os interesses dos trabalhadores e dos setores oprimidos, puxar o Fora Bolsonaro e lutar pelo restabelecimento dos direitos políticos arbitrariamente cassados do ex-presidente Lula, a campanha da esquerda pequeno-burguesa se resume em lançar candidatos da direita, como é o caso do latifundiário e reacionário João Alfredo. Quando se fala, porém, em eleições, não há limites para a política oportunista da esquerda pequeno-burguesa: somam-se comandantes da PM, latifundiários, delegados etc., tudo para atrair votos. No entanto, mimetizando a direita – o que se faz é servir como um verniz esquerdista para confundir a população e ilustrar a velha política reacionária da direita golpista.