No último dia 25 de março, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) celebrou os 99 anos da fundação do PCB, de 1922, como sendo seu próprio aniversário. Sem nenhuma referência à revolução, a ditadura do proletariado e o comunismo que se viram representados no PCB de outrora, dirigentes do PCdoB de hoje comemoraram a política de frente ampla, de aliança com os partidos burgueses “de esquerda” e de direita a pretexto da luta contra o fascismo.
O ato virtual contou com mensagens gravadas por dirigentes, militantes e simpatizantes do partido, mas o destaque político coube aos convidados. O evento rendeu uma cena grotesca: os golpistas elogiaram o PCdoB como partido necessário à democracia.
Como o próprio partido disse, o ato foi marcado pela “amplitude”. Essa flexibilidade política permitiu reunir os representantes da coalizão derrubada pelo golpe de 2016 com os emissários dos que deram o golpe. Desde o impeachment, o caráter ditatorial do regime golpista vem se revelando com cada vez menos disfarces.
“No tradicional esforço do PCdoB em busca da formação de uma frente ampla para derrotar Bolsonaro, a legenda recebeu mensagens de representantes de partidos do campo democrático, como da ex-ministra Marina Silva (Rede), do ex-ministro e atual vice-presidente do PDT, Ciro Gomes, da presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann, presidente do PSB, Guilherme Boulos, representando o Psol, e dos presidentes, José Luiz Penna, do PV, Carlos Siqueira, do PSB, do PSDB, Bruno Araújo, do MDB, Baleia Rossi e do ex-presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM)”, diz a reportagem oficial do ato no portal do PCdoB.
O que disseram?
A deputada Olívia Santana, do PCdoB da Bahia, que foi apresentadora do ato, ressaltou que “para o PCdoB somente uma frente ampla em defesa da vida e da democracia pode confrontar e derrotar Jair Bolsonaro. Por isso temos a honra de convidar lideranças que integram o movimento de frente ampla brasileiro: Rodrigo Maia (DEM), Baleia Rossi (MDB) e Bruno Araújo (PSDB)”.
“O PCdoB se constituiu como uma espécie de escola onde ensinou o valor da justiça social, da defesa da democracia e de viver por um ideal”, disse Marina Silva.
“Pelo passado, pelo presente e, acima de tudo, pelo futuro, viva o PCdoB”, disse Ciro Gomes, que se referiu à unidade contra o fascismo representado por Bolsonaro.
Rodrigo Maia ressaltou a oportunidade que tiveram de construir, juntos, caminhos em momentos difíceis, um bom diálogo e grandes projetos. “O PCdoB é imprescindível à democracia”, disse.
Baleia Rossi fez reverência à adesão do PCdoB ao MDB na época da ditadura militar, agradeceu o apoio à sua candidatura à presidência da Câmara dos Deputados e deixou seu “abraço democrático”.
Bruno Araújo, presidente do PSDB, disse que o PCdoB é a demonstração de que pluralidade de ideias fortalece a democracia e que aqueles que zelam pela democracia devem ter respeito pela história do partido.
O que significa?
Em si, os votos de felicidades e as reiteradas afirmações de que o PCdoB é imprescindível à democracia brasileira não são mais que formalidades trocadas entre políticos profissionais. O momento político, no entanto, torna bastante curiosa a homenagem protocolar a um PCdoB de lutas do passado (da época da ditadura militar, p. ex.).
A importância do ato está, em primeiro lugar, no fato de que é uma demonstração formal da plena capacidade de entendimento entre a esquerda pequeno-burguesa e os partidos da direita. Não que os limites e obstáculos tenham sido quebrados e superados nessa data, mas porque os cumprimentos vindos dos líderes do golpe de 2016 revelam que o entendimento entre os partidos vem de muito tempo, de toda convivência “democrática” no Congresso Nacional e à frente das instituições do Estado.
Em segundo lugar, o gesto que realmente chama a atenção não é o dos convidados que atenderam à solicitação e enviaram suas felicitações, mas o do Partido que fez questão de convidar os partidos que foram o tripé do governo FHC, da oposição aos governos do PT (dos quais o PCdoB participou) e da conspiração que levou à derrubada de Dilma Rousseff. A política de frente ampla encontra seu principal porta-voz no PCdoB que foi o primeiro a pregar que a esquerda, o chamado campo “democrático” e os movimentos sociais e populares devem se unir à direita para combater o “mal maior”, Bolsonaro.
Por que não convidaram Lula?
O gesto do anfitrião, e não o dos convidados, fala mais alto quando o que está em jogo nesse momento é a definição das forças que disputarão as urnas em 2022. Chama a atenção que o ex-presidente Lula não tenha sido instado a enviar suas congratulações pelo quase centenário do partido que apoiou suas candidaturas a presidente desde 1989, isto é, por quase um terço de sua existência.
A aliança com Lula está na contramão dos objetivos dos maiores interessados na política de frente ampla (os partidos burgueses em franca decadência) e de seu principal porta-voz (o próprio PCdoB). Para ser bem-sucedida, a frente ampla precisa neutralizar Lula, senão livrar-se dele por completo. Os golpistas que derrubaram o PT do governo, mas não conseguem subir ao poder por suas próprias forças, precisam parasitar a esquerda. Muito mais do que celebrar 99 anos de um partido, o ato virtual do último dia 25 celebrou a unidade da direita golpista com a ala mais oportunista da esquerda na tentativa de salvar o regime burguês do colapso.