Este Diário é acusado de fazer o jogo da direita por criticar politicamente a candidatura de Guilherme Boulos à prefeitura de São Paulo e, de maneira mais ampla e geral, por criticar as posições da esquerda pequeno-burguesa, seja qual for a sua legenda . “É tudo o que a direita quer”, dizem. É preciso examinar a questão.
Apesar da afirmação categórica, que dá a entender que nossos críticos sabem o que a direita quer, o argumento – extremamente superficial e despolitizado, diga-se de passagem – pressupõe duas coisas: a esquerda quer Boulos e a direita, não. Logo, a direita quer atacar Boulos para enfraquecer e derrotar a esquerda nas eleições.
Boulos faz parte de uma manobra política importante na eleição de São Paulo e na defesa e propaganda da política de frente ampla junto à esquerda. São questões fundamentais para o desenvolvimento da situação política, e não apenas das eleições.
Boulos não é uma ameaça para a direita. Sua crítica ao golpe de Estado e a oposição ao governo Bolsonaro se apegam a coisas secundárias. Ele é parte do coro em torno das chamadas fake news e professa o mesmo cretinismo parlamentar da esquerda pequeno-burguesa que quer resolver o problema no Congresso Nacional. Criticá-lo por isso não é facilitar o jogo da direita. Ele faz o jogo da direita. É um elemento de confusão utilizado por ela contra o movimento popular.
É algo que pode ser verificado, por exemplo, na recente participação – lado a lado – com ninguém menos que FHC e outros escroques da política de privatização e destruição da economia nacional e das condições de vida da classe trabalhadora. Essa coligação é feita em nome de que é preciso uma ampla aliança – a frente ampla – com todos os setores “de oposição” a Bolsonaro. Boulos tornou-se o avalista político de toda a manobra da direita para neutralizar e tentar frear as tendências de luta reais da população contra o governo do capitão fascista e dos militares. O candidato do PSOL à prefeitura de São Paulo não ocupa um papel secundário na situação política. É uma peça central das manobras da burguesia.
O papel do Boulos é fazer em São Paulo, a cidade mais importante do País, o que a burguesia quer fazer em escala nacional: sequestrar o eleitorado do PT. Toda a manobra política da burguesia para controlar de maneira mais adequada o Estado capitalista está voltada para colocar o PT em uma situação de completo isolamento. A candidatura do Boulos foi lançada com esse propósito: atrair, canalizar o eleitorado do PT, dividir o partido. O PT não tem uma candidatura forte, está sob constante ataque da burguesia, e Boulos é apresentado por todo o monopólio da opinião capitalista como um excelente candidato de esquerda – até Janaína Paschoal lhe rendeu homenagens neste final de semana, em publicação no Facebook. A manobra é clara: “o PT está fraco, vote no Boulos”.
Esse sequestro do eleitorado do PT significa que seus eleitores se deslocaram à esquerda? Não. É uma tentativa de fazer com que se desloquem à direita. Que outra função teria a manobra para obter seu voto para um elemento que é apoiado pelo sistema que domina a política em São Paulo?
Alguns no meio da esquerda dizem que não se deveria criticar Boulos porque ele faz oposição a Bolsonaro. Estaríamos prestando um desserviço à luta contra o golpe e o fascismo por sermos tão “duros” nas críticas – o que, na realidade, significa: por não apoiarmos a candidatura do homem do “não vai ter Copa”. Ocorre, no entanto, que o alvo da candidatura de Boulos é apenas o PT. Boulos não vai tirar votos de Bruno Covas (PSDB) ou Joice Hasselmann (PSL). Não vai derrotar o aparato monstruoso e a fraude eleitoral contumaz praticada pela burguesia em favor de seus candidatos.
Sua candidatura serve unicamente para fazer o que a burguesia está tentando fazer em escala nacional desde o escândalo do “mensalão”: quebrar o PT, substituí-lo por outra coisa, mais fácil de administrar, ainda mais amigável com o regime burguês e com menos contradições internas. Boulos, nesse sentido, é a versão municipal da operação que levantou o nome do coronel cearense Ciro Gomes (PDT) nas eleições de 2018. E, ao fazer o PT desaparecer de maneira indolor, toda a massa petista seria pacificamente levada para ser controlada pela direita. Não é uma operação simples. Não conseguiram colocar o PT na ilegalidade. São obrigados agora a fazê-lo de modo mais discreto, por meio de manobras políticas. O grande problema, verificado diversas vezes ao longo dos últimos anos todos, é que a burguesia precisa dividir e neutralizar o PT, anular Lula, para conseguir controlar o Estado sem romper o manto da legalidade e da democracia da Constituição de 1988. Mesmo que, para isso, tenham ido a extremos que não podem ser qualificados de outro modo que não como um golpe de Estado.
A eleição em si, para o PCO e os revolucionários em geral, não têm importância como um meio de conquistar algo para os trabalhadores. É um jogo de cartas marcadas dominado pela burguesia. Quando denunciamos essa manobra eleitoral, não acreditamos que sejam definitivas ou decisivas os desdobramentos que possam vir daí. A importância da divisão do eleitorado do PT é apenas relativa e circunstancial. Não é tão decisiva assim do ponto de vista mais amplo da mobilização popular, o único caminho para derrotar Bolsonaro e todos os golpistas. O que a burguesia quer? Confundir e desorientar esse movimento.