Em artigo publicado no sítio Brasil 247 (“Israel, Palestina e minha resposta ao meu amigo não judeu“, 3/6/2021), o organizador do grupo “Resistência Democrática Judaica”, Mauro Nadvorny, defende a tese que sua organização, composta por judeus sionistas socialistas são “a linha de frente na luta por um Estado Palestino”, acrescentando que “a nossa voz é necessária, é o contraponto às ambições das facções fascistas da sociedade israelense”. Algo louvável, sem sombra de dúvidas. O problema é que o autor continua seu artigo com a seguinte colocação:
“Concordamos plenamente de que Bibi [Benjamin Netanyahu] e o Hamas são um obstáculo para a paz. De que se deve criticar as atitudes do governo israelense com relação à ocupação e ao tratamento desigual que dá aos árabes israelenses. Da mesma forma o tratamento que o Hamas e o mundo árabe em geral, dá aos LGBTs e tantas outras minorias.” O que Nadvorny não explica é como se dá essa equivalência entre o Netanyahu e o Hamas que permite colocar o segundo como “um obstáculo para a paz”? Ao afirmar que o governo de “Bibi” adota políticas que devem ser criticadas pelo “tratamento desigual que dá aos árabes israelenses”, o autor está tratando concretamente da dominação exercida por Israel sobre os povos palestinos originais. Contudo, ao criticar um “tratamento que o Hamas e o mundo árabe em geral, dá aos LGBTs e tantas outras minorias”, o Nadvorny já adota um argumento transcendental, que foge ao tema. Já não está mais falando-se da relação entre israelenses e palestinos mas de palestinos entre si, estendendo-as ainda ao “mundo árabe”. A coisa fica pior ainda por que concretamente, o autor está reproduzindo uma crítica comum feita pelo imperialismo ao povo árabe, sendo o argumento usado para justificar o injustificável.
Afinal, concorda então o autor com o imperialismo, quando sua máquina de propaganda relativiza a barbárie produzida pelos governos das nações desenvolvidas no resto do mundo atrasado, escudando-se pela bandeira do identitarismo? O fato das mulheres árabes não terem “lugar de fala” – como foi observado por Donald Trump na campanha presidencial de 2016 – justifica então banhos de sangue como a guerra do Iraque, da Síria e o massacre da população palestina?
Obviamente, em uma conversa entre pessoas minimamente civilizadas, ninguém concordaria com a opressão das mulheres e nem de minorias como a comunidade LGBT. Mas colocando em uma balança, pior ainda do que isso, é a carnificina promovida pelas burguesias imperialistas, que agindo como legítimos psicopatas, condenam milhões de árabes à morte, à pobreza e a mais brutal humilhação.
Não devemos esquecer que ao longo de 11 dias, 254 palestinos foram assassinados pela repressão máquina de guerra israelense, cuja superioridade tecnológica chamou atenção do mundo para a brutal disparidade entre Israel e o Hamas. Desse total de vítimas, 66 eram crianças. O governo israelense divulgou que 12 baixas foram sentidas do lado apoiado pelo imperialismo, nas retaliações do Hamas aos abusos cometidos por Israel, aos despejos de palestinos, às provocações durante o Ramadã, as quais incluíram invasões e ataques às mesquitas de Al Quds. Iguais?
O autor pode se considerar um socialista, mas seu posicionamento – ao defender que o Hamas constitui um dos obstáculos à paz – é o mesmo do imperialismo, sistema de opressão que condena milhões de seres humanos à morte por uma pandemia cuja vacina já existe, à fome, mesmo produzindo mais alimentos do que a população mundial precisa, às chacinas em larga escala amparadas pelo terror tecnológico das máquinas de guerra das nações desenvolvidas.
De maneira análoga, trata-se do mesmo posicionamento difundido pela propaganda da burguesia e aceito – de maneira acrítica – pelos setores mais conservadores da esquerda, por exemplo, em relação ao ex-presidente Lula. Segundo a imprensa burguesa, Bolsonaro e Lula seriam equivalentes no sentido de serem extremos, elementos de uma polarização supostamente nociva ao País. O que essa dicotomia não explica é como a polarização, por exemplo, entre o proprietário de escravos, interessado em manter seres humanos como sua propriedade, e a dos escravos, interessados em sua liberdade, pode ser ruim, especialmente para os elementos mais radicalizados do segundo grupo, mais ainda quando estes apresentam a tendência de lutar até o fim de suas forças por sua libertação, recorrendo à violência se necessário.
A contraposição entre a violência do explorado e a violência do explorador deve ser devidamente compreendida para não embarcamos na tese absurda de que ambos são obstáculos iguais à paz, como pretende o autor. Israel é uma força invasora apoiada pelo que de pior existe no mundo. O Hamas é organização da tendência do povo invadido, os palestinos, a reagir contra seu invasor e opressor.
O único obstáculo a paz aqui é o estado de Israel. As reações do Hamas e da população palestina encontram sua justificativa na necessidade, legítima, superar uma situação de opressão brutal. Mesmo os mais extremos esforços direcionados a este fim.
Nesse sentido, engana-se redondamente o autor ao dizer que “a dor da morte, da perda de entes queridos é a mesma dos dois lados da fronteira.” Da mesma forma que não é igual a dor das vítimas do massacre do Jacarezinho e as do único policial morto na chacina, no caso das vítimas do expansionismo imperialista sobre o território palestino, é absurdo estabelecer uma equivalência entre Israel e o Hamas, tanto quanto seria absurdo dizer que opressores e oprimidos são iguais por usarem a violência quando a opressão fica insuportável. Não são.