No ato do último sábado (19) em São Paulo, um dirigente da União Brasileira dos Estudantes (UNE), entidade historicamente controlada pelo PCdoB, afirmou que “nós” — isto é, os manifestantes — deveriam “bater continência” para a bandeira do Brasil. A declaração, obviamente, não expressa uma opinião despropositada do dirigente estudantil ou uma mera frase de efeito em meio a um discurso acalorado: a UNE, com isso, está endossando uma campanha em torno da bandeira do Brasil nas manifestações da esquerda.
Não por coincidência, no mesmo ato em que o dirigente sugeriu “bater continência”, a burguesia organizou um esquema para a distribuição de bandeiras do Brasil. Conforme flagrado pela equipe deste diário, algumas pessoas estavam distribuindo gratuitamente bandeiras do Brasil aos manifestantes. E mais: conforme nossa equipe apurou, os vendedores que trouxeram as bandeiras para vender nas manifestações são todos empregados de um mesmo fornecedor. Não se trata, portanto, de qualquer “patriotismo” nos atos, é claramente um negócio. E um negócio que já foi feito antes, nas manifestações de 2013.
Quando pede que batam continência para a bandeira do Brasil, o dirigente da UNE está pedindo, na verdade, que o povo revoltado, que saiu às ruas porque não aguenta mais ser tratado feito animal, bata continência para a burguesia. Porque, finalmente, é isso o que a bandeira do Brasil representa nos atos: é a bandeira do partido da burguesia, que não tem partido.
A bandeira do Brasil é um símbolo nacional como qualquer outro, não é uma bandeira política. Levá-la para uma manifestação, a princípio, teria o mesmo significado de alguém ir fantasiado de Pikachu ou um cartaz elogiando o sabor do doce de leite. Não representa um programa, nem uma reivindicação concreta. Por que, então, aqueles que estão nas ruas deveriam reverenciar a bandeira nacional?
O fato é que a bandeira verde e amarela é muito pior do que simplesmente um símbolo desconectado dos interesses das massas. Justamente por não significar nada, a não ser um apelo abstrato ao “patriotismo”, a burguesia utiliza o verde e amarelo para descaracterizar as manifestações. É por isso que nos atos há um esquema explícito para levar o verde e amarelo para as ruas. A burguesia, como muito bem mostrou em 2013, não quer que os atos tenham um propósito definido — isto é, a derrubada do regime golpista —, mas sim que se transforme em uma farofada despolitizada.
Fernando Henrique Cardoso, Rodrigo Maia e Ciro Gomes não apareceriam nos atos de vermelho, pois já estão comprometidos com as cores do neoliberalismo. Sabem que o vermelho é a cor do PT, da CUT, do MST e do comunismo. Não só não são bem-vindos nesta cor, como, finalmente, se recusam a usar o vermelho para não ser liquidado por aqueles que de fato representam.
A bandeira do Brasil e as cores verde e amarela são um convite para que a manifestação seja sequestrada por esses oportunistas que em nada têm a ver com o movimento. No fim das contas, quando a UNE pede para bater continência para a bandeira do Brasil, está batendo continência para os “donos” da bandeira do Brasil: aqueles que, ardilosamente, se aproveitam da confusão para aparecerem como amigos do movimento.
E não é só a direita nacional quem se veste de verde e amarelo para se infiltrar nos movimentos. A extrema-direita bolsonarista foi o setor que mais utilizou a bandeira para se promover politicamente. E o motivo é óbvio: se a burguesia levanta a bandeira verde e amarela com o objetivo de baixar as bandeiras vermelhas, então a extrema-direita, cujo maior trunfo político é o ataque covarde à esquerda, é quem mais tem a ganhar.
A verdadeira campanha em torno da bandeira do Brasil não é “somos todos brasileiros e por isso vamos nos respeitar mutuamente”, como o dirigente da UNE faz crer. A verdadeira campanha é: “somos todos brasileiros e quem não for ‘patriota’ como nós deve ser eliminado”. A extrema-direita fala que “nossa bandeira jamais será vermelha”, o que, claramente, quer dizer: quem quiser colocar a luta dos trabalhadores e de todos os oprimidos como prioridade não é brasileiro e, portanto, é nosso inimigo. Deve ser tratado como um inimigo. O slogan bolsonarista “Brasil acima de tudo” vai no mesmo sentido.
A declaração da UNE sobre “bater continência” não só é clara acerca de seu conteúdo como é, até mesmo na forma, muito semelhante ao bolsonarismo. Quem bate continência é militar, que sempre bate continência para uma burocracia reacionária e golpista. Não bate para o “país”, mas para o general “fulano de tal” que diz: os capitalistas acima de tudo. Quando bate a continência, a UNE, por sua vez, diz: a bandeira do Brasil deve estar acima de tudo. O que, devidamente traduzido, quer dizer: as ruas não são da esquerda, nem da direita. Ou seja, da direita.