Principal articulador do chamado “Centrão”, um eufemismo para a direita centrista, Rodrigo Maia (DEM) frequentemente é relacionado a um conjunto de políticos que atende a outro eufemismo, este, de uso mais comum dos esquerdistas adeptos da orgia da Frente Ampla: a direita “democrática”. Isto não é por acaso, nem devido a algum fator de ordem personalista. Sendo o Brasil uma nação atrasada no mundo capitalista, portanto, submetida aos caprichos do imperialismo, nada mais natural que esse domínio se reflita no centro político do país, o que garante uma aparência de legitimidade à prevalência dos interesses das potências estrangeiras, e dos setores da burguesia mais diretamente ligados a eles, caso clássico dos monopólios midiáticos.
Alçado à presidência da Câmara dos Deputados com ajuda da esquerda pequeno burguesa, que se dividiu entre o apoio despudorado do PCdoB e o velado de setores mais reacionários do PT, Maia costuma ser poupado pelas alas mais oportunistas da esquerda, em função do prestígio garantido pelo grupo de interesses que o parlamentar representa, e também (aqui sim graças a aspectos personalistas) em função de um maior traquejo diplomático, que nitidamente falta a Bolsonaro, mas tem garantido o sucesso dos mais ferozes ataques do bolsonarismo contra os trabalhadores e o conjunto da população. Desta forma, Maia tem se revelado um hábil apaziguador da temperatura política no país, na medida em que consegue manobrar a esquerda e conduzir um teatro (até o momento) competente o bastante para arrefecer os ânimos enquanto reforça entre os setores pequeno burgueses da esquerda a fé em um sistema político profundamente falido onde a única lei que impera, é a do mais forte.
Essa é uma novela que ganhou mais capítulos com a crise aberta pelo choque entre os setores imperialistas da direita (que buscam impor uma quarentena nacional) e os setores mais desesperados da pequena burguesia, que fatalmente irão à ruína com a política defendida pelo imperialismo. Dependentes da burguesia e muito sensíveis a propaganda desta classe, especialmente quando o aparato de domínio ideológico burguês é mobilizado em torno de uma cruzada moral qualquer, a esquerda pequeno burguesa (mais uma vez) se incendiou com a possibilidade de ver liquidado um governo que finalmente, é uma ameaça real a todos.
Percebendo um momento favorável com a fratura exposta do regime, a esquerda correu para fazer aquilo que mais gosta: uma boa suruba. Uma articulação de tipo Frente Ampla (de novo) foi formada no começo da semana, com PCB, Psol, PSB, PCdoB, PDT e PT, organizada por Guilherme Boulos (“não vai ter Copa”) e Tarso Genro (“autocrítica”), contando com figuras carimbadas nesse tipo bobagem, como Fernando Haddad e Manuela D’Ávila, até o famigerado Ciro “Lula-tá-preso-babaca” Gomes. Ao fim da festa, mais uma demagogia eleitoreira feita sob medida para encantar a pequena burguesia: um amontoado de palavras numa composição que se supõe um manifesto. Recheado de todo o sentimentalismo pequeno burguês, a carta foi endereçada à burocracia judicial e política na esperança de que a erudição doutoral da casta pudesse sensibilizar especialmente Rodrigo Maia e o conjunto da direita imperialista, referenciada de maneira mais direta em trechos como “É dever de governadores e prefeitos zelarem pela saúde pública (…) como muitos têm feito de forma louvável”, e mais indireta em trechos como “(…)um presidente que contraria as autoridades”.
Claro que, se para as pessoas normais já é difícil levar este tipo de bobagem a sério, um político profissional como Maia vai dar menos crédito ainda. Justificando a confiança recebida pelos setores da burguesia ligadas ao imperialismo, o político do DEM fez o óbvio: manobrou, esperou, deixou o clima esfriar até que finalmente, na última sexta-feira, 03 de abril, sepultou (mais uma vez) as esperanças de final de novela depositadas pela esquerda. Em evento organizado por destacados setores da burguesia imperialista, Valor Econômico (da Globo) e o banco Itaú, Rodrigo Maia declarou que um eventual impeachment de Bolsonaro “é um tema que nos divide e pode gerar um ambiente institucional gravíssimo.”
O caso nos faz lembrar da produção mexicana Chavez, sucesso na televisão brasileira ao longo de décadas, assistido por gerações e repetido com tanta exaustão que muitos já sabiam o que seria dito pelos personagens, em praticamente todos os episódios, e como seria o final. A diferença, é que Chavez e sua trupe eram intencionalmente cômicos. As palhaçadas feitas pela esquerda pequeno burguesa também tem um final conhecido mas esse, não tem nada de cômico. Ao longo da história, a sucessão de capitulações das vanguardas foi justamente o cimento sobre o qual se erigiu a construção do fascismo, da qual poucos escapam vivos. Torturas, assassinatos, desaparecimentos, ampliação de deveres, redução de direitos, medo,… As maquinações infernais do fascismo são apenas parcialmente documentadas pela história, e esse pouco já é o suficiente para aterrorizar uma ampla parcela da população.
Temos hoje, condições muito mais favoráveis para impedir que o fascismo se estabeleça do que nossos antepassados, mas para realizar essa tarefa, os setores mais conscientes do movimento operário e das vanguardas populares precisam se libertar dos preconceitos democráticos e da propaganda imperialista, abraçada com fervor pela esquerda pequeno burguesa (que provou ser incapaz de desenvolver uma política independente da burguesia), e trabalhar pela mobilização popular. A história, nesse sentido, é muito didática: só o povo mobilizado pode derrotar o fascismo.