O Partido dos Trabalhadores (PT), seguindo uma tendência expressa por vários setores da esquerda nacional, decidiu solicitar ao Poder Judiciário que impusesse o lockdown ao estado de São Paulo, atualmente comandado pelo fascista João Doria (PSDB). A iniciativa, encabeçada pelo vereador Antonio Donato, pelos deputados estaduais Paulo Fiorilo e José Américo e pelo deputado federal Carlos Zarattini, salta aos olhos, sobretudo, por duas questões: o apelo à burocracia judiciária, inimiga do povo e da esquerda, e o apoio a uma medida de repressão à população.
Os motivos pelos quais a esquerda não deveria confiar no Judiciário não remetem a tempos remotos. Em 2016 — isto é, há apenas quatro anos —, toda a burocracia judiciária se meteu em uma operação de traição escancarada a todo o povo brasileiro: o golpe de Estado de 2016. Em 2018 — ou seja, há dois anos —, todos os setores do Judiciário participaram da prisão e da cassação dos direitos políticos do ex-presidente Lula.
O Judiciário não merece um só pingo de confiança, e isso se dá por motivos óbvios. Como em qualquer burocracia, os juízes estão totalmente desvinculados de qualquer controle popular, de modo que a manutenção de seus privilégios se torna o único imperativo para a sua atuação. E, como a manutenção dos seus privilégios não depende do controle popular, os funcionários do Pode Judiciário acabam se tornando, inevitavelmente, marionetes da classe dominante, a burguesia.
Entre a corrupção, as chantagens, as ameaças de morte — e até mesmo de um golpe militar, como se viu em 2018 por parte do general Villas Bôas —, entre todos os demais recurso que a burguesia dispõe, e levar adiante a defesa dos interesses reais do povo, é óbvio o que os membros da burocracia judiciária irão preferir. Por uma questão de classe, irão sempre defender os interesses de quem os mantém nos seus cargos — ou seja, a burguesia.
Seria, de fato, uma ilusão bastante grosseira conceber o Judiciário como um último refúgio para salvar o povo da monstruosidade dos capitalistas. No entanto, o que chama mais atenção neste caso é que, apesar de ser desmoralizante que a esquerda se ajoelhe perante seus inimigos, é possível que o pedido seja atendido. O que nos leva, inevitavelmente, à seguinte conclusão: o lockdown não é uma demanda da população, mas sim uma palavra de ordem dos capitalistas.
Sim, isso mesmo. Aparte de todas as declarações de que seria necessário um isolamento forçado e intensivo para combater o coronavírus, o único combate que a burguesia pretende dar é ao próprio povo. Por que, afinal de contas, uma classe asquerosa e genocida, que até agora não construiu um único hospital, não realizou testes, não distribuiu medicamentos e sequer ousou tocar na máfia dos planos de saúde, iria estar tão preocupada com a população a ponto de defender com unhas e dentes do lockdown? O motivo é bastante simples: o objetivo não é isolar a população do vírus, mas sim isolar os trabalhadores de si mesmos. O coronavírus, que está matando pobres e negros em todo o mundo, não é uma ameaça suficiente para tirar o sono da burguesia, embora a covardia seja um de seus traços inconfundíveis. No entanto, a possibilidade de os trabalhadores se organizarem para pôr abaixo o regime de exploração ao qual estão submetidos é uma preocupação real dos capitalistas.
Nunca na história, o povo se conformou e morrer aos montes, em ter toda a sua vida e seu patrimônio sugado para o sustento de uma corja parasita. Não será agora, portanto, que isso irá acontecer. Com o aprofundamento da crise econômica e com os números macabros da crise sanitária provocada pelo coronavírus, os trabalhadores irão, mais dia ou menos dia, se levantar de maneira implacável contra seus governantes. E isso, na verdade, já está acontecendo. Várias manifestações, por enquanto pequenas e isoladas, já foram registradas em todas as regiões do país. Será questão de tempo para que isso dê lugar a uma revolta generalizada contra a dominação dos capitalistas.
O lockdown é a reação a essa tendência. É permitir que os patrões possam usar da força bruta para retirar as pessoas das ruas. Antes, o direito de greve já era impedido criminosamente pela ditadura do Judiciário. Amanhã, com o lockdown, uma reunião de dez trabalhadores em uma praça poderá ser tipificada como uma ameaça à segurança do país. O lockdown não prevê o combate ao vírus por meio da educação, do saneamento, da distribuição de alimentos, da infraestrutura ou da medicina. Prevê o suposto combate por meio da polícia. E a polícia, sabemos bem, é inimiga declarada do povo.
Clamar pelo lockdown não é um apelo à ciência. É um apelo à repressão. As ruas não ficarão vazias, pois os capitalistas estão exigindo que cada vez mais setores sejam considerados serviços essenciais. Os trabalhadores dos correios, do telemarketing, de metalurgia, entre tantos outros, continuarão expostos à doença. Mas o uso das ruas para se manifestar contra a tirania dos golpistas será punida da maneira mais brutal possível.