O ano de 2019 vai se encerrando com um “presente” terrível dos governadores do Nordeste: a aprovação das famigeradas reformas da Previdência estaduais. Essa, no entanto, não é a única ofensiva organizada pela burguesia nos mais diversos estados brasileiros: pouco a pouco, a direita vem impondo as leis mais absurdas, como as que visam proibir que os fogos de fim de ano produzam algum barulho.
O motivo, como era de se esperar, é bastante nobre – a direita, afinal, sempre tem motivos muito nobres para aplicar todo tipo de ataque contra os trabalhadores. Dessa vez, não está em jogo o combate à corrupção, nem a segurança pública, nem a salvação das tartarugas marinhas entaladas com canudos de plástico: os grandes beneficiários dos fogos silenciosos seriam os animais domésticos.
Se alguém pretende levar a sério a defesa contra os indefesos cãezinhos, é preciso lembrar quem são os responsáveis pelas leis do silêncio. Os heróis dos animais são ninguém menos que os bandidos profissionais que matam diariamente o povo pobre e trabalhador e todo o país. Isso mesmo: por debaixo do terno engomado dos senhores prefeitos e governadores que correm para salvar os bichanos, está uma poça infinda de sangue daqueles para quem fingem governar.
De quem falamos? Ora, falamos de senhores como o atual governador de São Paulo, João Doria, e o prefeito da capital, Bruno (quase) Covas, que foram responsáveis pela recente chacina de Paraisópolis. Paraisópolis, na verdade, é só um caso: todos os dias os capangas do PSDB enxotam moradores de rua com jatos de água, agridem jovens na periferia e reprimem de maneira truculenta qualquer manifestação contrária ao governo.
Em Recife, os ecologistas Paulo Câmara e Geraldo Julio, que acabaram de aumentar ainda mais o roubo sobre a aposentadoria dos servidores pernambucanos, também diminuirão consideravelmente o barulho dos fogos. No Rio de Janeiro, o prefeito Marcelo Crivella, que é uma verdadeira besta-fera empregada pela Igreja Universal, também decidiu posar ao lado dos ursos pandas da WWF. Engraçado – porém previsível – é o PSOL da capital da Bahia apresentar um projeto que também proíbe fogos barulhentos…
A burguesia quer acabar com os fogos barulhentos – e, se conseguir, com todos os fogos existentes – por um motivo simples: a direita odeia festa. E, se é para ter festa, ela deve ser a mais sem graça, silenciosa, maçante e hipócrita possível. Quem gosta de fazer festa, quem efetivamente faz festa, põe milhões na rua nos carnavais pelo país afora e torna qualquer reunião de cinco pessoas em cima de uma laje uma explosão de animação são os trabalhadores, que não vivem no mundo artificial e cínico da classe dominante.
A proibição dos fogos barulhentos é, portanto, a proibição da festa em si – se o barulho dos fogos incomodam, daqui a pouco o barulho de um show vai incomodar e, por fim, qualquer festa será proibida. Não, a classe operária não anseia por uma festa cinzenta e sem graça, tal qual o expediente massacrante ao qual lhe é submetido diariamente na fábrica. Queremos festa, e não uma festa escondida, quase que clandestina…
Ao tramar um Réveillon sem barulho, a burguesia segue na esperança de que, finalmente, conseguirá um ano de 2020 também sem barulho. Espera que manterá o silêncio que, por causa de uma política errada das direções da esquerda nacional, tem sido dominante neste semestre. Mas, ao que tudo indica, o ano que vem não será nada silencioso, independentemente das leis que a burguesia aprovar.
Em 2020, a convulsão em que se encontra a América Latina vai continuar – afinal, não há outro prognóstico possível, uma vez que a crise do capitalismo empurra os povos para a revolta. E, quando chegar ao Brasil, que venha, com fogos, com carro de som, com gritos – venha, pois, com muito barulho para tirar o sono da burguesia. Não há, enfim, guerra silenciosa…