Uma das contradições mais evidentes na situação política brasileira é o clamor popular pelo “Fora Bolsonaro” e pela “Liberdade de Lula” e a política da esquerda pequeno-burguesa e da “esquerda burguesa” em se posicionarem contra as duas palavras de ordem. Da esquerda-burguesa é natural esse posicionamento. Partidos como o PSB e o PDT não são mais do que extensões, verdadeiros puxadinhos, do “Centrão”, a direita brasileira. A posição desses partidos com relação ao impeachment de Dilma Rousseff, a perseguição e prisão de Lula e ao apoio velado em alguns casos, explícitos em outros, ao governo Bolsonaro, como na Reforma da Previdência, não deixam nenhuma margem de dúvidas.
A pergunta que deve ser feita, então, é por que a esquerda, excluindo os partidos que representariam uma “esquerda burguesa”, diante do repúdio popular ao governo Bolsonaro, diante das atrocidades que esse governo vem implementado contra a população em seu conjunto, sem exceção, em todos as áreas – saúde, educação, aposentadoria, meio-ambiente, desemprego, assassinato de pobres e negros na periferia, indígenas, sem-terra, privatizações e muito mais – ainda, seja capaz de ser contra o “Fora Bolsonaro”?
O mesmo vale para o ex-presidente Lula. O golpe para se viabilizar teve que prendê-lo baseado em uma farsa gigantesca, mais do que provada. O imperialismo, a burguesia, têm tanta consciência disso que o ex-presidente está encarcerado a quase 600 dias. No ato do último dia 27 de outubro em Curitiba, à exceção do PCO, de alguns poucos dirigentes do PT, como a presidenta do partido Gleisi Hohhman e toda uma base petista que está organizada nos comitês Lula Livre, quem mais estava lá? Onde estava o PCdoB? O Psol? As centenas e centenas de parlamentares do PT que em época de eleição usam e abusam do nome de Lula? Com certeza não estavam em Curitiba. A defesa de Lula, em todos esses casos, não passa de um discurso de ocasião. Isso dá voto. Lutar efetivamente pela sua liberdade já é muito mais complicado, porque isso coloca inevitavelmente em questão todo o regime político brasileiro podre, que se esconde sob o manto de uma fantasiosa “democracia”.
“Democracia”, essa é a grande questão. Em outras palavras significa sustentar o regime saído do golpe. Não é por outro motivo que os governadores do PT estão de braços dados com a direita e por extensão com o bolsonarismo em favor da “reforma” da Previdência; que o PCdoB acaba de se aliar com o que há de mais reacionário na política brasileira para entregar a Base de Âlcantara, para o imperialismo norte-americano; que o Psol, em nome de uma suposta “onda reacionária”, reafirmou em encontro da direção nacional que a “luta” tem de ser “defensiva”, miúda, portanto não está colocado o “Fora Bolsonaro”. Se isso ocorre com os partidos de esquerda, as suas lideranças, então, são ainda mais explícitas. Da defesa da Lava-jato, agora, “expurgada” dos seus excessos, até o “fica Bolsonaro” até 2022, são unânimes Fernando Haddad, Guilherme Boulos, Flávio Dino, Rui Costa, Jaques Wagner, entre muitos outros. Essa é a linha de frente da política de atrelar a esquerda à locomotiva golpista.
Em nome de uma suposta “democracia”, a esquerda atrelou seu vagão ao vagão da esquerda burguesa, que por sua vez está atrelado ao do “Centrão”, ao dos bolsonaristas e finalmente tem a locomotiva golpista guiada pelo imperialismo que dá todos os comandos. É verdadeiramente vergonhosa a política da esquerda brasileira. Já não se trata de um mero erro, mas da própria sustentação do regime golpista, isso quando esse regime faz água por todos os lados, não apenas no Brasil, onde o golpe foi incapaz de produzir quaisquer arremedos de crescimento que pudesse criar alguma ilusão de sua viabilidade, mas em todo o mundo. A América Latina arde de norte a sul contra o massacre neoliberal. Seria até cômico, não fosse trágico, ver alguns desses políticos e partidos defendendo o “Fora Piñera”, o “Fora Lenin Moreno”. Em que eles diferem de Bolsonaro?
Finalmente, os novos escândalos produzidos pelos bolsonaros, o envolvimento da família com o assassinato da vereadora Mariele Franco do Psol do Rio de Janeiro, fizeram com que setores da esquerda colocassem pela primeira vez Bolsonaro como o centro de uma manifestação, programada nacionalmente para o dia 05 de novembro. Mas essa decisão só confirma a política anterior. A palavra de ordem “Basta de Bolosnaro” é uma tentativa de responder aos anseios de uma grande base de militantes de esquerda e da população em geral que há muito já defende o “Fora Bolsonaro”. O “basta de Bolsonaro”, por outro lado, permite uma ação em comum com o trem ao qual a esquerda tem seu vagão atrelado. Setores da direita, da imprensa golpista, começam a ver a situação do presidente fascista como insustentável. Uma operação para a retirada de Bolsonaro para estancar a crise do golpe, pode ser uma alternativa dos próprios golpistas. Isso não significa que a direita esteja disposta a voltar a situação anterior ao golpe. Muito pelo contrário. A política do imperialismo não vai retroceder, até porque isso seria fatal. Desse ponto de vista, a direita se prepara mais uma vez para usar a esquerda contra o povo.
Os setores da esquerda que efetivamente tem a consciência que a luta contra o golpe está entrando em uma etapa decisiva, assim tem se demonstrado em diversos países na América Latina, devem se preparar para uma batalha decisiva em que o “Fora Bolsonaro” e a “Liberdade para Lula” serão a base sobre a qual deve se erguer um grande movimento independente da burguesia e de todos os golpistas.