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Genocídio e destruição

A destruição da educação durante a pandemia – Parte 1

Série especial do Diário da Causa Operária, em duas partes, denuncia o uso da pandemia na destruição da educação.

A pandemia já não é novidade alguma para o brasileiro. O País vive o seu pior momento e a tendência é de piora. Enquanto isso, a direita pressiona pelo retorno presencial através dos mais diversos artifícios. Porém, neste um ano de pandemia, o retorno das aulas presenciais não foi o único golpe aplicado sobre a educação brasileira. Uma das maiores fraudes da história recente do Brasil completou, no mês passado, seu primeiro ano. Trata-se do farsesco ensino remoto, enfiado goela abaixo dos trabalhadores da educação e da juventude brasileira.

Não bastassem os diversos cortes na educação, desde o golpe de 2016, a pandemia criou o subterfúgio perfeito para o governo golpista aprofundar o seu ataque à educação pública. O objetivo é, sem sombra alguma de dúvidas, o sucateamento e a privatização de todo ensino brasileiro.

A professora da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e dirigente da CUT Bahia, Celi Taffarel, afirmou ao Diário Causa Operária que “nas mãos da burguesia, dos ricos, o ensino remoto está gerando lucros às grandes corporações, que detêm as tecnologias informacionais, comunicacionais, as tecnologias que possibilitam a conectividade. O ensino remoto não serve à classe trabalhadora. Não pode ser permanente. É emergencial até termos o controle do vírus e conseguirmos testagem em massa, quebra de patentes e vacinação para todos pelo SUS, medidas de biossegurança, proteção dos e das trabalhadores/as e auxilio emergencial para que os/as trabalhadores/as não morram de fome. Precisamos mais e mais serviços públicos. E isto é o contrário do que o governo genocida de Bolsonaro, Mourão e Guedes estão fazendo.”

A professora Celi Taffarel em plenária do ANDES realizada na UNEB, em Salvador. Foto: Reprodução.

Enquanto governo ilegítimo entrega o País aos capitalistas estrangeiros e não combate o Coronavírus, os governos estaduais e municipais, chefiados por pseudocientistas, empurram à população um ensino remoto sem dar condições materiais mínimas a professores e alunos.

É desumano o que a SEC [Secretaria de Educação] e seus superintendentes estão fazendo com a categoria. Tudo isso que impuseram a gente, veio de última hora. Eles não nos prepararam. Muitos professores estão, de última hora, estudante, pesquisando, assistindo a tutoriais para dar suas aulas. Muitos professores estão psicologicamente abatidos, e isso vai comprometer em muito a qualidade da educação pública”, denuncia o professor da rede estadual da Bahia, Luiz Parente.

A professora do IFBA – campus Salvador, da rede municipal de São Félix (BA) e da rede particular, Simony Pinheiro, sobre as condições dadas aos professores, diz que “foram apenas ministrados minicursos, também por pessoas que não tinham tanto conhecimento. Fomos todos surpreendidos com ‘novidades tecnológicas’, com uma realidade, para a maioria, completamente nova e nada nos foi oferecido.”

“Dificuldades aparecem todos os dias, já que tudo é feito na base da tentativa e erro. Eu tive que adquirir instrumentos para facilitar meu trabalho, como mesa digitalizadora, por exemplo, entre outros aparelhos, com uma boa qualidade, já que as instituições nada disponibilizaram”, conclui.

Pelo Brasil inteiro, somam-se casos e mais casos de evasão escolar, baixo rendimento e métodos pedagógicos farsescos. Fruto da total incompetência dos governos federal, estaduais e municipais, que, desde o golpe, tratam a educação do povo em último plano.

Os mais prejudicados obviamente foram os mais pobres, que não tiveram acesso ao ensino remoto.

A professora do IF Baiano – campus Senhor do Bonfim, Ilma Cabral, faz uma rápida, porém precisa análise de como o ensino remoto aumenta as desigualdades no país.

“A escola privada, especialmente as redes maiores, tem um público que dispõe de condições objetivas privilegiadas, com bons aparelhos digitais como computador, notebooks, tablets, celulares. Já a classe trabalhadora, que frequenta a escola pública, não dispõe de tantas condições ou muitas vezes não tem essas. Se pensarmos nas estruturas das casas, cômodos, alimentação, pessoas de apoio para as aulas remotas e colaboração no aprendizado de crianças e jovens, essa situação será mais agravada”, analisa Ilma.

Aluna do Curso Técnico de Informática no IF Baiano em Senhor do Bonfim, Lucimara Santos, falou sobre a burocracia institucional para que fosse recebido algum auxílio para as atividades remotas.

“Quanto as condições mínimas infelizmente não tivemos. Visto que alguns benefícios foram ofertados aos estudantes mas devido a burocracia muitos ficaram de fora”, denuncia ela.

Para os alunos educação especial, o cenário foi de total exclusão. A pobreza, aliada a falta de condições de trabalho dadas aos profissionais do Atendimento Educacional Especializado (AEE), fez com que alunos especiais decidissem parar de estudar. O que deveria ser inclusivo, não passou de mais uma forma de excluir.

O transcritor Braille, também do IF Baiano – campus Senhor do Bonfim, Dayvid Queiroz, destacou que a questão econômica é um dos pontos principais para falta de inclusão dos alunos especiais durante a pandemia.

“Muitos de nossos alunos encontram-se em situação de vulnerabilidade econômica e social, sem acesso à internet ou com conexão precária, sem equipamentos ou equipamentos inadequados, etc.”, diz Dayvid ao Diário da Causa Operária.

Durante a pandemia, os educadores foram perseguidos quando se opuseram às mentiras impostas pelos governos e burocracias institucionais autoritárias. Em diversas cidades, professores tiveram salários cortados, foram demitidos ou enfrentaram processos disciplinares.

Marinaldo Silva, professor da rede pública no Amapá, diz:

“Para a secretaria de educação do Amapá o professor é tratado como vagabundo, sem compromisso com a educação, muitas cobranças, muito assédio moral e muita incompetência da parte deles fazem com que o conflito entre educadores e gestores públicos da educação sejam constantes.”

Na mesma medida que cobram os professores, os governos não deram assistência alguma aos mesmos. Na quase totalidade das instituições de ensino, os docentes tiveram que custear os próprios equipamentos para dar suas aulas.

Thelma da Silva, professora do Distrito Federal denuncia “que os professores estão arcando com os custos tanto da aquisição de equipamentos como notebook quanto de internet.”

Lucimara Santos, professora da rede municipal de Campo Formoso (BA) e, como dito, estudante do IF Baiano, denunciou também a falta de apoio aos professores. Segundo ela, “no inicio da pandemia sentimos muito dificuldade pois como no mundo inteiro, fomos pegos de supetão. Não recebemos formação alguma para conduzir o ano letivo 2020, não tínhamos aparato algum, nem tão pouco apoio. Cada professor de forma insolada foi trabalhando a sua maneira.”

Lucimara ainda mostra como, perante a falta de vontade do governo em gerir a educação, os professores de Brejo Grande, povoado em Campo Formoso, onde mora e trabalha, tomaram o controle de fato da educação.

“Aqui no povoado em que trabalho têm duas escolas pequenas, uma de Educação Infantil e outra de Ensino Fundamental I. Então, em comum acordo, nós, professoras, com recursos próprios resolvemos tomar as rédeas da educação de nossos educandos. Comprando aparelhos novos, aumentando a internet de nossas residências, buscando na internet as melhores maneiras de desenvolver a aprendizagem de nossas crianças, logo no final de março e desta forma trabalhamos até dezembro. A jornada foi árdua e as vezes desesperadora, mas vencemos”, afirma Lucimara.

O que Lucimara diz é a prova definitiva e definitória que a gestão da sociedade é melhor feita quando na mão dos trabalhadores e trabalhadoras. As professoras do povoado de Brejo Grande mostraram que a organização dos trabalhadores é a melhor maneira de superar as enormes contradições do capitalismo. Estas iniciativas devem não apenas ser divulgadas, mas apoiadas pelas organizações dos trabalhadores como partidos de esquerda, sindicatos e movimentos sociais. É necessário que estas iniciativas tornem-se o padrão e não casos isolados.

Simony Pinheiro também salientou a capacidade de união dos educadores neste momento.

“Os mesmos [professores] se uniram muito desde o início da pandemia a fim de promover algo produtivo aos alunos. Me senti acolhida pelos colegas, por ser uma situação comum a todos e com dificuldades semelhantes”, diz Simony.

Sobre o IFBA, Simony afirma que “nunca houve perseguição, pelo contrário, nos aproximamos muito mais, já que, o medo do desconhecido nos apavorou muito e nos fez darmos as mãos, nos despindo de vaidades e egos.”

As falas de Lucimara e Simony são a prova viva de que a solidariedade é uma característica própria da classe trabalhadora, que junta sobrevive aos mandos e desmandos da classe dominante e dos burocratas que a servem.

Após um ano do ensino remoto, a situação da pandemia piora a cada dia. O País já atingiu mais de 4 mil mortos em um único dia e, neste cenário, os governos fazem uma pressão violenta pelo retorno das aulas presenciais. O objeto é dar dinheiro aos capitalistas da educação, ao mesmo tempo em que os mais oprimidos são colocados para morrer.

Nesta série especial, em duas partes, vamos denunciar uma série de abusos cometidos pela direita e pelos capitalistas contra educadores e a juventude brasileira. Na primeira parte, vamos abordar a educação durante o golpe de estado permanente que o Brasil vive, os interesses dos capitalistas, como os alunos mais pobres, as mulheres e a educação especial são atacados durante a pandemia e como Bolsonaro e os prefeitos e governadores executam um plano de genocídio da população brasileira ao retomar as aulas presenciais sem a devida imunização de todos.

A precarização e a privatização do ensino

A destruição do ensino público e as diversas tentativas de sua privatização pelos golpistas não começaram na pandemia, mas antes dela. Em abril de 2019, o governo já havia cortado mais de 2 bilhões de reais do ensino superior.

Já em dezembro do mesmo ano, enquanto educadores e estudantes estavam preocupados em finalizar o ano letivo, Jair Bolsonaro publicou um decreto que diminuía a autonomia universitária, permitindo que o fascista-chefe nomeasse livremente interventores em universidades e institutos federais.

A nomeação destes interventores tornou-se algo corriqueiro e legitimou institucionalmente uma série de ataques contra os estudantes. No IFSC, o interventor bolsonarista, André Dala Possa, estabeleceu uma Instrução Normativa (IN) que permitiu retirar a vaga dos alunos que não pudessem acessar as aulas remotas. Este é um ataque até pequeno perto de todas as barbaridades que o governo golpista vem realizando contra a população.

Para poder retirar ainda mais dinheiro da educação e entregar tanto a educação quanto o orçamento federal aos capitalistas, o antigo inimigo, digo, ministro da Educação, Abraham Weintraub, chegou a propor a criação de universidade e instituto federal “digital”.

Em dezembro de 2019, Weintraub editou a Portaria nº 1438, que permitiu às instituições de ensino superior, públicas e privadas, aumentarem a carga horária do Ensino à Distância (EAD) para até 40% da carga horária total dos cursos. Isto serviu principalmente para as instituições privadas, que precarizaram ainda mais a educação fornecida pelas mesmas.

O mesmo Weintraub chegou a oferecer “prêmios” às instituições federais de ensino superior para que aceitassem substituir o ensino presencial pelo privatista programa Future-se e o EAD. Cabe lembrar que diversas instituições tiveram seu orçamento cortado em 75% desde o golpe e, se levada em conta a inflação, pode chegar a quase 90%. Segundo nota técnica da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) junto a Campanha Nacional pelo Direito à Educação estima que para o biênio 2020/2021 o corte na educação chegará à R$52,4 bilhões.

O ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, durante depoimento na comissão de educação da câmara. Foto:Lula Marques

Weintraub teve, como ato mais destrutivo durante sua época à frente do MEC, o criminoso contingenciamento de verbas discricionárias, que apesar de pequena, era o que garantia às Universidades e Institutos Federais pagarem suas contas.

O contingenciamento acabou colocando em risco o funcionamento de diversas instituições como, por exemplo, o IF Sertão Pernambucano, que ficou sob risco de fechamento, por não ter verbas para pagar suas contas e manter suas atividades.

A reitora do IFPE, Anália Ribeiro denunciou a situação de precarização do ensino federal pelas ações do governo em audiência pública logo após o anúncio do contingenciamento.

“Nós já fizemos conta para todos os lados e a conta, simplesmente, não fecha. A gente já vem tendo perdas significativas desde 2015 e não temos mais gordura para queimar. A nossa estrutura óssea está calcificando. Estamos desidratando e sabemos que a desidratação leva a morte. É isso que está em jogo”, denunciou Anália.

A declaração da reitora do IFPE deixa bem claro que os ataques à educação começaram com o avanço do golpe de Estado. Desde 2015, quando assumiu para o seu segundo mandato, Dilma Rousseff não conseguiu governar devido, em grande parte, aos ataques e sabotagens dos golpistas. O que já estava ficando ruim sob o governo de Dilma, ficou muito pior após o golpe consolidado.

O coordenador do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (SINASEFE), Carlos Magno Sampaio, em sua declaração ao Diário Causa Operária, concorda que o golpe estabeleceu o cenário favorável para os ataques à educação. Segundo ele, “desde o Golpe de 2016, o governo Temer e agora, Bolsonaro passaram a promover uma política sistemática de fortes ataques aos Institutos Federais e à Universidade, através de cortes orçamentários que na verdade, inviabilizam o funcionamento destas instituições educacionais públicas. Estes cortes financeiros vem se avolumando e como temos agora a LOA [Lei Orçamentária Anual] para 2021, os recursos para manutenção e funcionamento, bem como investimentos na educação, ciência e tecnologia, foram duramente diminuídos ao ponto de não haver condições mínimas para a manutenção e funcionamento com qualidade destas instituições, muito menos para a oferta de vagas e permanência dos estudantes nas instituições, uma vez que um dos setores saqueados, assaltados pelo governo federal é o da Assistência estudantil.”

Carlos Magno, coordenador do SINASEFE nacional. Foto: Reprodução.

Isso representa um crime contra a juventude e contra qualquer projeto de transformação deste País. Principalmente o povo pobre e filhos da classe trabalhadora, que, nos governos anteriores eram incluídos nestes espaços de formação e vivência digna que são os Institutos Federais e Universidades”, continua.

Uma coisa costumo afirmar: ao término dos quatro anos de governo Bolsonaro, ou sobrevivem os Institutos Federais e Universidade, ou o inominável presidente. Os dois (governo e escola pública federal) não chegarão juntos. Será um ou outro: governo ou escola. Dado o tamanho dos ataques à estas instituições de educação pública”, conclui.

A atuação desastrosa de Weintraub à frente do MEC fez com que o mesmo tivesse de entregar o cargo e fosse substituído, após alguma confusão, pelo ultraconservador Milton Ribeiro, vinculado às igrejas. Weintraub, pelos seus serviços prestados à burguesia, ganhou um cargo no Banco Mundial.

Por isso, os golpistas aprofundam os ataques a educadores e às instituições públicas de ensino. Sobre o futuro da educação, a professora Celi Taffarel é bastante assertiva:

Não tem futuro. Estará tudo destruído, tudo colapsado, barbárie avançando. Obscurantismo avançando. Estamos reconstruindo diuturnamente as condições para barrar esta tendência da extrema direita, ultra neoliberal e construir uma alternativa socialista. Isto passa necessariamente pelo fim do governo genocida de Bolsonaro, Mourão e Guedes, pela condenação da Lava Jato, o Juiz Sergio Moro e seus vassalos, a anulação dos processos contra Luís Inácio Lula da Silva. Passa pelo levante da classe trabalhadora brasileira trazendo em seus braços um outro projeto de nação de base socialista, com seu povo feliz”, diz a professora da UFBA.

Perguntada sobre a precarização da educação brasileira, Lucimara Santos concorda com o ponto de vista dos demais entrevistados. Segundo ela, “povo instruído é sinônimo de resistência. E qual é o governo que deseja isso? Mas querem levar a educação brasileira é a um fracasso total. E infelizmente a população não percebe e deixa-se levar por discursos fantasiosos e lutas partidárias, vendando assim os olhos para essa realidade nua e crua. Povo sem conhecimento é muito mais fácil de ludibriar. O que infelizmente vejo, até mesmo em muito formadores de opiniões, é um discurso hipócrita e fantasioso.”

“Quantos aos impactos para educadores teremos salários baixos, poucos investimentos na educação, trabalhadores desmotivados e juventude sem muitas opções de cursos gratuitos”, continua.

A educação brasileira vive um momento crítico, onde larápios e parasitas estão a saquear o que foi construído durante décadas por educadores e a juventude do país.

Os interesses privados no ensino remoto

Apesar das possibilidades que o uso de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) permitem, o EAD é uma modalidade de ensino que é utilizada pelas universidades particulares não com o intuito de permitir que a educação chegue a locais de difícil acesso, mas como maneira mais barata, para os capitalistas, de ofertar o “serviço da educação”, mesmo que isso signifique uma educação de baixíssima qualidade, feita para enganar tolos.

A prova disto foram os estudantes de uma das maiores universidades particulares de Salvador, a Unifacs, que enviaram, em março de 2020, e-mail reclamando da plataforma da instituição e pedindo a suspensão imediata do semestre, visto a falta de qualidade das aulas à distância propostas pela instituição. Os capitalistas, é claro, ignoraram os protestos e disse que a plataforma utilizada era a melhor do mundo e que não suspenderia o semestre ou alteraria o valor das abusivas mensalidades (Metro1).

O Conselho Nacional de Educação (CNE), em abril de 2020, enviou uma “proposta de parecer sobre reorganização dos calendários escolares” às instituições de ensino para que estas começassem a se “preparar” para o retorno das aulas presenciais ou que implementem o “ensino remoto emergencial”. Ao invés de se preocupar com as condições de ensino, os burocratas do CNE estavam preocupados em cumprir calendário.

As propostas do CNE incluíam, até mesmo, implementar o ensino remoto na educação infantil. Em outras palavras, jogavam para os pais a responsabilidade pelo ensino formal de seus filhos.

O documento do CNE, ao invés de basear-se em estudos científicos na área da pedagogia, utilizava um estudo de teor muito duvidoso elaborado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para pautar sua política. Neste “estudo”, a OCDE diz que o período sem aulas acarretá a perda de conhecimento dos estudantes.

Entretanto, qual a legitimidade, a competência e os interesses da OCDE em definir políticas e fazer estudos sobre a educação? Claramente trata-se de lobby dos grandes conglomerados da educação tanto para o retorno às aulas presenciais (quando politicamente e economicamente viável) quanto pelo ensino de forma remota.

Já em 17 de junho de 2020, o Ministério da Educação (MEC) publicou uma portaria que pressionou as instituições de ensino superior a decidirem se implementariam ou não o ensino remoto, em apenas 15 dias, para que não fosse possível consultar a comunidade acadêmica .

Além das universidades particulares, quem está a ganhar muito dinheiro com o ensino remoto são as grandes empresas de tecnologia, nacional e internacional, a exemplo da Microsoft, que fechou contratos vultuosos com todo Estado brasileiro, garantindo seu produto, o Microsoft Teams, como monopólio de tecnologia para execução de aulas remotas em diversas instituições de ensino federais, estaduais e municipais. O interessante é que a comunidade acadêmica não foi, em momento algum, consultada sobre qual ferramenta gostaria de utilizar para as atividade remotas.

Em São Paulo, a Amazon “deu” para o governo do golpista João Doria acesso à sua plataforma de infraestrutura na nuvem, Amazon Web Services (AWS). Porém, é mais do que sabido que os capitalistas nunca dão coisa alguma a alguém. Deste modo, fica a dúvida o que eles ganharão com isto.

Torna-se claro que o ensino remoto não passou de grande lobby dos capitalistas. Neste jogo, todos eles lucraram. As universidades particulares demitiram professores, ao mesmo passo que mantiveram os valores das mensalidades. Já as empresas de tecnologia ganharam, além de muito dinheiro, informações preciosas sobre o comportamento de alunos e professores.

Questionada sobre quem ganha com o sucateamento da educação, Celi Taffarel deixou claro que trata-se de um movimento de longo prazo e longo alcance dos capitalistas, com participação do imperialismo, que visa destruir as forças produtivas e atacar a classe trabalhadora.

Em entrevista a este Diário, Celi Taffarel citou diversas reformas aprovadas no legislativo, que permitem constatar os efeitos do golpe de 2016 não apenas sobre a educação, mas sobre os direitos da população.

Dentre as reformas citadas por Taffarel, pode-se destacar: Emenda Constitucional n. 95/2016, que congelou os investimentos públicos por 20 anos; reforma do ensino médio (lei n. 13.415/2017); a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), através das resoluções CNE/CP n. 2/2019 (BNC – formação inicial) e CNE/CP n. 1/2020 (BNC- formação continuada), que instrumentalizam e padronizam o currículo de formação de professores; os já aqui citados à autonomia universitária; a terceirização e privatização da gestão escolar, mediante entrega à organizações sociais e outros entes privados; e a militarização das escolas públicas.

Taffarel também denuncia o debate ocorrido, no dia 12 de abril de 2021, no Anexo II da Câmara Federal dos Deputados, sobre o Projeto de Lei 3.197/2012, que discorre sobre a educação domiciliar, onde os pais, e não a escola, são os responsáveis única e exclusivamente pela educação das crianças. Nesta reunião estiveram reunidas entidades favoráveis aos setores privatistas, ao setor ligado às ideias obscurantistas de que é possível repassar recursos públicos para iniciativa privada e para os pais manterem a educação, não mais escolar, mas nas casas, nas residências das pessoas.

Estamos retrocedendo no mínimo cinco séculos na história. Isto não serve à classe trabalhadora, mas sim aos ricos, burgueses que detêm meios de produção e o setor especulativo , parasitário da economia”, alerta Celi Taffarel.

Há diversos interesses por trás da implementação deste ensino remoto de araque e dos ataques à educação superior. Os principais agentes são os conglomerados da educação privada, que buscam colocar seu produto mais lucrativo, o EAD, em evidência. Para isso, contam com auxílio do próprio ministro da economia, Paulo Guedes.

A irmã de Paulo Guedes, Elizabeth Guedes, é vice-presidente da ANUP (Associação Nacional das Universidades Particulares). Assim como seu irmão, Elizabeth também é uma “criada” dos capitalistas, agindo unicamente pelos interesses dos grandes conglomerados da educação, que infestaram o país a partir da expansão de crédito e das bolsas ofertadas durante os governos do PT.

Apesar dos grandes investimentos, as universidades particulares estão, desde antes da pandemia, em plena queda. A crise econômica fez com que a população deixasse de frequentar buscar seus “serviços”. Assim, os tubarões do ensino superior privado miram o público que hoje faz as faculdades públicas. Como em toda crise, os capitalistas buscam um novo “mercado”, mesmo que isso signifique a destruição de instituições centenárias e que são as grandes produtoras de algum conhecimento científico no País.

A iniciativa privada avança sobre a educação pública com toda voracidade. Os capitalistas atacam todos os setores da economia, destruindo, como podem, as forças produtivas e embolsando lucros exorbitantes, mesmo que isso signifique a miséria das massas.

Os alunos mais pobres são os mais afetados

A famosa frase de que o “papel aceita tudo” fez-se a mais pura verdade durante a pandemia. Os governos federal, estaduais e municipais se limitaram a canetadas para implementação do ensino remoto, sem dar as condições materiais mínimas para que os alunos acompanhassem as atividades.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua revelou que, em 2018, 20%, ou seja, uma em cada cinco residências não tinha acesso à internet. No nordeste, região mais pobre do país, a proporção chega a 30%.

O mesmo estudo ainda mostra que o acesso a internet aumenta proporcionalmente de acordo com a renda. A proporção de pessoas que utilizam a internet é tem renda entre um salário mínimo (R$940, na época) e R$1.769 é o dobro das que possuem renda de um salário mínimo.

Dentre os que não possuem instrução formal alguma, apenas 12,1% utilizavam a internet. O número sobe drasticamente conforme a escolaridade da pessoas, chegando a 98,3% entre os que tem nível superior incompleto.

O Censo Escolar 2021 apontou números semelhantes. Segundo o estudo, quase 40% dos estudantes não possuem computador em casa. Com relação à internet, 55% dos estudantes com acesso à internet móvel a utilizavam com planos pré-pagos, que são bastante limitados. Isto mostra que o ensino remoto salienta ainda mais as desigualdades social e econômica.

Estudantes utilizam celulares minúsculos para acompanhar as aulas. Foto: reprodução.

Um caso bastante singular é os alunos adultos da alfabetização em São Paulo. O governo do Estado publicou um aplicativo para celular com o intuito que os alunos recebam os conteúdos e tenham contato com o professor. Entretanto, para alunos analfabetos, é impossível que utilizassem o aplicativo. Deste modo, os professores foram ainda mais sobrecarregados, tendo, além de preparar as aulas e ministrá-las, auxiliar os estudantes a usarem as ferramentas.

No Paraná, em maio de 2020, apenas 402 mil dos mais de um milhão de estudantes da rede estadual não haviam sequer se cadastrado na plataforma on-line escolhida pelo governo do Estado. Se, num estado como o Paraná, que possui recursos, mais de 60% dos estudantes foram excluídos do ensino remoto, a situação em estados mais pobres, como Alagoas, Maranhão e Amapá tende a ser pior ainda.

Em Porto Alegre, o prefeito anterior, Nelson Marchezan Júnior (PSDB), implementou, de maneira completamente autoritária e sem consulta alguma à comunidade escolar uma plataforma on-line em que os alunos mais pobres tiveram muita dificuldade em acessar. Na Escola Municipal de Ensino Fundamental José Loureiro da Silva apenas 300 dos mais de 2 mil alunos da escola conseguiram cadastrar-se na plataforma.

Nos Institutos Federais (IFs), as burocracias institucionais propuseram editais ainda mais farsescos que o próprio ensino remoto. Nestes editais para recursos tecnológicos, além dos valores individuais não servirem para coisa alguma, exigiam um sem número de documentos e não contemplavam todos os alunos necessitados. Em alguns cursos, especialmente os cursos técnicos subsequentes ao ensino médio, evasão superou 75%. Culpa da falta de planejamento e organização tanto do MEC controlado pelos golpistas quanto pelas burocráticas reitorias.

Sobre a burocracia institucional, Carlos Magno, professor do IF Baiano – campus Santa Inês, denuncia que “apesar de ter sido aprovado no CONSUP [Conselho Superior, órgão máximo de cada IF], foi um atropelo, um debate frágil e açodado. Infelizmente já sabíamos, mas fecharam os olhos para a realidade. Muitos dos nossos alunos foram excluídos, e ainda estão. Pela origem da nossa instituição e seus cursos serem ligados na sua maioria pela sua natureza institucional, que é a agrotécnica, nossos estudantes são das cidades pequenas e das zonas rurais, povo do campo, logo, sabemos como é, não há internet e nem conexão. A marca desse ensino é a exclusão. O pior é que agora, o que seria temporário, parece que veio pra ficar, pois, aparentemente, a granada já tá no bolso e a boiada tá passando. Infelizmente!”

Para os alunos que não foram contemplados pelo edital, adotou-se a entrega de materiais impressos aos discentes sem conectividade. A situação chega a beirar o escatológico, pois acaba reduzindo algumas das melhores instituições de ensino do país a cursos por correspondência nos mesmos moldes dos propagandeados em revistas em quadrinhos nos anos 90.

Aluna de Camaragibe, Pernambuco, estudando através de material impresso entregue pelo próprio professor. Foto: Leo Malafaia/AFP

Cabe lembrar que a destruição dos IFs é, na verdade, um ataque à população do interior do Brasil, pois os IFs, em muitos lugares, são a única oportunidade de formação profissional.

“Me arrisco em afirmar que não precisaremos nem mensurar os resultados a longo prazo, pois a curto e médio prazo já teremos com certeza esse diagnóstico. Nossas aulas estão sendo dadas e não há como haver acompanhamento dos alunos”, disse Carlos Magno quando questionado sobre os impactos da falta de políticas de inclusão digital e do ensino remoto.

“Lamento imensamente e insisto: temos colegas coniventes e saberemos responsabilizá-los, pois transformar com as próprias mãos, como servidores que deveriam proteger essa história e consolidá-la, um projeto de excelência que a rede federal se notabilizou no decorrer do tempo, basicamente de 2008 pra cá quando surgiram os Institutos Federais, é a demonstração de que alguns servidores não tem o devido compromisso com seu ofício e responsabilidade como servidor público”, continua ele.

No Distrito Federal, onde também foi adotado o envio de material impresso para os estudantes sem acesso à internet, famílias relataram que não houve envio algum dos materiais impressos e nem fornecidos equipamentos para o ensino remoto pelo governo do Distrito Federal.

A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo divulgou, no fim de 2020, que 15% dos alunos da rede estadual não entregaram atividade alguma durante o período do ensino remoto. Conhecendo os estudos acerca da falta de acesso à internet, é possível especular que destes 15%, a esmagadora maioria compõe a parcela mais pobre da população.

Lucimara Valadares, trancista e mãe de alunos da escola pública em Belo Horizonte (MG), afirma, em entrevista ao jornal golpista de Minas Gerais, O Tempo, que não tem computador, mas apenas um celular, que serve tanto para ela trabalhar quanto para as crianças acessarem as atividades enviadas pela escola.

“Diz que tem um tal de estudo remoto agora, mas ninguém me avisou. Você que está me contando. Não temos computador, o único celular é o meu, que eu uso para trabalhar. A gente até queria uma atividade para as crianças, elas precisam, sentem falta, mas assim no improviso, depois de tanto tempo? […] Meu filho mais velho é da rede estadual, ele teve que fazer recuperação, porque eu não conseguir comprar crédito no celular para ele enviar as atividades à tempo. Agora vou ter rebolar para ter internet para todos eles, e todos usando o meu celular”, denuncia a mãe.

Thelma da Silva, disse ao Diário da Causa Operária, que “têm relatos que os alunos e pais vão para a esquina, perto de vizinhos com internet, para baixar as atividades. Na escola do meu filho de 12 anos teve alunos com celular roubado fazendo isso.”

No Mato Grosso, a situação é bastante semelhante. Perguntada sobre a participação dos estudantes nas aulas remotas, a professora da rede estadual do Mato Grosso, Mônica Silva, disse que, segundo sua percepção, “a participação dos alunos está atrelada à condição financeira de suas famílias. Os alunos que possuem conexão e dispositivos bons, geralmente acessam as aulas remotas. Os demais, que não possuem wi-fi em suas residências ou que não têm nem mesmo aparelho de celular, ficam às margens do aprendizado, tendo como recuso didático as apostilas impressas cedidas pelas escolas. Há também pais e mães que perderam seus empregos e o aluno também não consegue focar nas aulas online porque durante a pandemia está fazendo pequenos serviços para auxiliar em casa.”

Mônica continua ao dizer que que “nenhum plano de ação governamental foi pensado pelo governo de Mauro Mendes [governador do MT] para possibilitar a participação real de todos os estudantes às aulas remotas. Ao contrário, o governo que vive fora da realidade dos alunos, os quais pessoas vindas de famílias trabalhadoras, dificultou ao máximo o acesso dos estudantes ao ensino on-line. […] O resultado foi catastrófico: índices de abstenções como nunca vistos antes. […] acessam os que possuem dispositivos, que não estão passando necessidades em casa. Os demais, ficam às margens pois nada foi pensado pelo governador para evitar esse tipo de exclusão. “

Se algum aluno carente conseguiu estudar durante a pandemia, isso foi graças ao esforço descomunal dos educadores.

“Os menos favorecidos sempre vão ser um caso que mereça muita atenção. Em 2020, eles foram os alunos que receberam a nossa máxima atenção, muitos não tem acesso à internet, um smartphone de qualidade, nem dinheiro para recarga, usavam celulares de terceiros para entrar em contato conosco, o sucesso dos menos favorecidos depende muito do empenho dos governos em fazer um kit tecnológico educacional para esse público”, disse o professor da rede estadual do Amapá, Marinaldo Silva.

Ele continua, falando da batalha travada por educadores para garantir alguma qualidade ao ensino para os alunos:

A educação, que deveria ser um direito universal, na pandemia, ficou mais restrita ainda aos com mais condições materiais. Os mais pobres foram, mais uma vez, excluídos.

Seria um contrassenso que o governo conseguisse dar internet e computadores aos alunos, pois nem as escolas públicas possuem estes equipamentos.

A professora Thelma da Silva denunciou que “a estrutura das escolas é péssima, tem escola sem telefone imagina internet. Esse ano ficamos mais de 20 dias com a rede telefônica da secretaria de educação (do DF) cortada em plena época de renovação de matrícula.”

Questionado sobe a participação dos alunos nas aulas remotas, o professor baiano, Luiz Parente, é taxativo ao dizer que a “participação dos alunos está muito aquém do eu desejo […] a prioridade deles, é ter o que comer, é sobreviver, é chegar no fim desta pandemia vivos, com suas famílias livre do vírus. O governo estadual não deu apoio técnico e financeiro, a comunidade escolar, então, como eles vão ter acesso as aulas remotas com tantas dificuldades para contratar serviços de internet, com celulares antigos e pouca capacidade? A situação está muito complicada. Mesmo com alguns programas sociais direcionados (paliativos) aos estudantes da rede estadual, implantados pelo governo baiano, há uma grande exclusão dos mais pobres, até de outros que menos pobres, já que não há o que apoio a aquisição de equipamentos e internet gratuita.”

Se o governo não dá nem condições mínimas de vida, como espera que as crianças estudem? Foto: ABr

Além das dificuldades de acesso, também há a questão da crise econômica que assola o capitalismo desde 2008. Um levantamento do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) apontou que 56% dos universitários não puderam participar das aulas remotas se deu por questão de precisarem de emprego para sustentarem suas famílias.

Apesar deste dado importante, é necessário frisar que 34% dos entrevistados relataram baixa qualidade de conexão e 32% a falta de equipamentos.

O presidente ilegítimo, Jair Bolsonaro, vetou dois Projetos de Lei (PLs) que auxiliariam a inclusão digital de milhares de estudantes. Em 2020, o fascista-chefe vetou um PL que daria mais recursos à ampliação ao acesso de meios de comunicação em regiões rurais e internet banda larga nas escolas.

Em 2021, Bolsonaro vetou integralmente PL que previa o repasse de recursos para promoção do acesso à internet dos alunos da rede pública. Em um cenário de avanço da pandemia, Bolsonaro e seus comparsas implementam um ataque completo e total à população.

Além da falta de equipamentos, também há a crise econômica. Em Dourados, interior do Mato Grosso do Sul, a prefeitura deixou de repassar a merenda aos alunos. Desta maneira, muitos estudantes de baixa renda, que dependiam da merenda para se alimentar, se viram em situação famélica.

Bolsonaro fez a mesma coisa que a prefeitura de Dourados, ao vetar a transferência de recursos financeiros do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) às famílias das redes públicas de ensino.

Para completar, o “democrático” Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu, em 1º de setembro de 2020, uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TR-RJ) que obrigava o governo do Estado a oferecer a merenda aos alunos mesmo durante às atividades remotas. Fica óbvio que há um acordo “com o Supremo, com tudo” para matar a população de fome.

O resultado da incapacidade e até mesmo sabotagem do governo no combate a crise econômica e a pandemia, além das mais diversas reformas se caracteriza, de fato, como um ataque à juventude. É importante salientar que a juventude não é apenas o abstrato “futuro do país”, mas também a parcela mais revolucionária da população no presente. Portanto, as reformas, que retiram direitos dos trabalhadores, a crise econômica, o ensino remoto, a precarização e a privatização da educação são uma medida de extrema violência para conter qualquer força de mudança na pútrida sociedade capitalista.

A opressão sobre a mulher aumentou

A situação das mulheres também ficou pior na pandemia. Além dos serviços domésticos e de serem a maioria dentre as pessoas demitidas durante o período, elas também acabam fazendo o papel de professoras. No Rio Grande do Sul, uma mãe foi denunciada ao Ministério Público pelo fato dos seus filhos não terem atendido às aulas remotas ou entregue as atividades passadas pela escola.

Mãe de duas crianças e professora da educação infantil, Thelma da Silva, diz que “o ensino remoto, da maneira como está sendo implementado, está sobrecarregando demais os educadores principalmente as mulheres com filhos. Eu, por exemplo, tenho dois filhos, de 5 e 12 anos, na rede pública com aulas remotas e que usam o mesmo equipamento que eu.”

Eu acabo sendo professora 24h por dia”, completou Thelma.

Mãe ensina suas duas filhas durante a pandemia. Foto: reprodução

Também mãe e professora, Lucimara Santos diz que se a pandemia e o ensino remoto estão aumentando a cobrança da própria família sobre ela. Ela diz que é “muito complicado, pois se antes havia uma cobrança da família reclamando atenção, com a chegada da pandemia, mesmo eu estando em casa a cobrança é maior ainda. Ouço muitas vezes os filhos e esposo dizendo ‘esta mulher agora não tem tempo pra nada é só fazendo coisas desta escola’. As vezes quando vejo que está demais jogo tudo para o alto”.

“Não é fácil separar minha vida pessoal do trabalho. Dedico muito mais tempo ao trabalho do que a família, há momentos em que o nível de estresse e da ansiedade estão lá em cima. E infelizmente o que restou pra vida de estudante do curso de informática foi quase nada. Não consegui conciliar o meu tempo de Educadora, dona de casa e estudante”, lamenta ela, que além de mãe e professora, ainda é estudante do Curso Técnico em Informática no IF Baiano em Senhor do Bonfim, cidade vizinha a sua.

Ilma Cabral, professora do IF Baiano, afirma que a situação das mulheres, especialmente pretas e pobres é completamente desumana. Segundo ela, “para as mulheres pretas, pardas, pobres, a situação é desumana, gerando outros problemas para além da falta de condições objetivas para acompanhar as aulas remotas da escola dos/as filhos/as, como violência doméstica, fome, abandono de companheiros e falta de tempo e preparo para apoiar os/as filhos/as nas tarefas da escola, dividindo-se entre precários salários (quando tem alguma renda) e essas novas demandas.”

O ataque à educação e à juventude acabam também se tornando ataques às mulheres. Isto significa que o ensino remoto, como implementado, é, na verdade, mais um ataque a todos os oprimidos.

Os alunos especiais são excluídos

Se a situação entre os alunos regulares já é bastante precária, os alunos especiais são os que mais sofrem com o ensino remoto. Não que precariedade da educação lhes seja algo novo, pelo contrário, já é histórica.

Especialmente no interior do Brasil, são incontáveis os casos de alunos especiais que estão na escola apenas de maneira protocolar. Surdos, cegos, com dislexia ou discalculia e outras tantas condições que necessitam de Atendimento Educacional Especializado (AEE), são excluídos pro processo de ensino-aprendizagem.

Nas escolas públicas, sem profissionais e recursos necessários para atender a esta demanda, os alunos especiais apenas vão às aulas, mas nada aprendem. São aprovados de maneira automática, sob justificativa da escola não ter-lhes dado o atendimento pedagógico mínimo necessário. Em seus lares, muitas vezes, os alunos especiais são os com maior grau de instrução e, por isso, necessitam da escola como ponto de apoio para seu desenvolvimento, já que, em casa, não poderão tê-lo.

O tradutor Braille, Dayvid Queiroz, tem análise semelhante:

“A vulnerabilidade social e econômica também afeta o apoio que esses alunos tem em casa, seus familiares tem que trabalhar, e muitas vezes esses alunos ficam sem assistência em casa ou com pessoas que, por falta de oportunidades de estudo, também não podem dar a assistência adequada.”

A comunidade surda, em especial, é vítima dessa realidade. Em regiões rurais, é comum ver surdos que nem Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) dominam, quiçá a língua portuguesa.

“Português, pro surdo é uma língua estrangeira, é uma segunda língua. E o Brasil não alfabetiza os surdos com qualidade para eles aprenderem a ler em português. […] Existem surdos que leem no Brasil, mas eles são minoria, uma porcentagem muito pequena de surdos que leem em português e escrevem em português fluente ou até falam português fluente […] mas a maioria, na realidade do [Território de Identidade do] Piemonte [Norte do Itapicuru] é de que os surdos não são alfabetizados em língua portuguesa”, diz o intérprete e tradutor de LIBRAS do IF Baiano – campus Senhor do Bonfim, Márcio Araújo

A falta de educação de qualidade faz desse público, que chega a casa de milhares de pessoas no Brasil, alvo fácil de políticas demagógicas, como a do presidente ilegítimo e fascista, Jair Bolsonaro.

Bolsonaro tem ao seu lado, desde o início de sua ilegítima gestão, sempre um intérprete-tradutor de LIBRAS para traduzir à comunidade surda suas absurdas falas. Ao mesmo tempo que “inclui” os surdos, Bolsonaro é responsável por vultuosos cortes na educação, que retira dos surdos a possibilidade de terem acesso à mesma.

Durante a pandemia, o ensino remoto foi motivo da evasão não apenas dos alunos regulares, mas também dos alunos especiais. Para a comunidade surda, em específico, as plataformas virtuais adotadas pelas escolas não lhes permite acompanhar as aulas de maneira correta.

“Um problema que a gente ‘tá tendo é com a tela do intérprete. A plataforma que foi escolhida, que foi o Microsoft Teams, que não é uma plataforma acessível. A maioria delas não são acessíveis, mas é uma plataforma que é muito complexo manter a tela do intérprete maior. Então, por exemplo, pra um aluno que só tem o celular pra assistir, ele tem que optar em me ver ou ver o slide. Porque se não, se ele optar por ver o slide, eu desapareço da tela ou eu fico microscópico e não tem condições de alguém entender alguma coisa em LIBRAS com a tela microscópica porque a pessoas precisa ver a expressão facial e as mãos”, denunciou Márcio Araújo.

Entretanto, as dificuldades não são apenas para os alunos, mas para os intérpretes também.

Márcio reclama das plataformas virtuais, que não permitem que execute seu trabalho da melhor maneira. Segundo ele, “pra gente que é tradutor e intérprete, tem sido uma batalha porque a gente também tem que optar entre ver o aluno ou ver o slide […] Qualquer intérprete, de qualquer idioma, […] quando ele está numa conferência ou numa palestra ou em sala de aula, ele precisa ter acesso a todos os recursos porque todos esses recursos vão facilitar na interpretação, na tradução e no entendimento da mensagem. Então, o intérprete precisa, sim, ver o slide, principalmente em matérias em que o conteúdo é visual e principalmente em professores que falam mais do que o que está no slide […] Mas a gente também precisa ter acesso à nossa própria tela e à tela do aluno. A gente precisa se ver. Pra ver se a nossa transmissão tá adequada, se a gente tá enquadrado, pra não estar cortando a mão da gente na hora da interpretação. E a gente também precisa ver o aluno porque esse feedback do surdo de estar compreendendo ou não […] tudo isso é acesso pro aluno. Assim como os outros alunos tem o direito de dizer […] ‘olha, professor! Eu não compreendi’ […] o surdo tem esse mesmo direito.”

A fala de Márcio Araújo é prova de que as grandes corporações não possuem vontade alguma de promover a acessibilidade, apenas de parasitarem o orçamento público através de contratos vultuosos.

Muitos alunos especiais são, como a grande maioria dos estudantes, bastante pobres e, portanto, não possuem os equipamentos necessários para acompanhar as aulas. Apesar de algumas escolas e instituições de ensino terem editais de auxílio para ajudar na aquisição de equipamentos e internet, os valores são muito baixos devido aos cortes orçamentários promovidos pelos golpistas.

Márcio Araújo afirma que “teve um edital do auxílio pra dados móveis, pra wi-fi e pra aquisição ou conserto de equipamentos, mas o valor pra aquisição ou conserto foi só R$600,00 e a gente sabe, que no atual mercado da área de tecnologia e da área da tecnologia da informação, os produtos vendidos nos sites são caros, relativamente altos. Os preços baixaram muito, mas ainda não são a realidade de R$600,00… Só serve para reparo, mas para aquisição de um tablet simples, você não adquire com R$600,00 hoje em dia. É de R$800 pra cima e tablets que vão travar, não vão funcionar direito. Pra você ter um produto bom, de qualidade hoje, computador, notebook, tablet, é pra faixa de acima R$1.500,00 a R$2.000,00.

Deste modo, os alunos especiais, assim como os demais, não conseguem equipamentos para assistir as aulas. Assim, não possuem escolha e são forçados a largar os estudos. No Brasil, especialmente os alunos especiais, não podem escolher estudar, pois são impedidos por uma política excludente que aprofundou-se com o golpe.

Os IFs são vistos pelos alunos especiais do interior como a única maneira de terem alguma educação profissionalizante. Entretanto, a rede federal vem sofrendo inúmeros ataques desde o golpe. Um caso crônico é o da falta de intérpretes e tradutores de LIBRAS. Em diversos campi, não há a quantidade mínima de intérpretes para atender os alunos surdos. Mesmo assim, os poucos intérpretes trabalham com todo afinco, fazendo longas jornadas diárias.

Perguntado se sente-se sobrecarregado, Márcio Araújo respondeu que “sim. E não só eu, como todos os intérpretes do IF Baiano, em geral, reclamam muito […] da sobrecarga de de trabalho, não só pela quantidade de disciplinas que nós interpretamos. Também pelo número de intérpretes, que ainda é limitado. O IF Baiano fez uma contratação no fim do ano passado. Isso foi muito positivo […] Mas ainda não é a realidade do IF Baiano […] A gente não tem como revesar, porque o número de intérpretes não é o suficiente para isso.”

“No trabalho virtual a gente cansa os braços. As pessoas não pensam que o tradutor-intérprete [de LIBRAS] não é como um tradutor-intérprete de língua espanhola, alemã, árabe ou russo. O intérprete de língua oral, falada, só cansa a garganta. A gente cansa a mente e o corpo também, porque a gente tem que fazer expressão facial e usar os braços e o corpo todo o tempo todo. […] Fora a situação em inglês e espanhol, que forçam a gente a pensar num terceiro idioma ainda. Então, isso tudo gera um excesso de sobrecarga. E nós temos ainda, o IF Baiano que, óbvio que trabalha com pesquisa e extensão e precisa realizar eventos e cursos, e nós somos requisitados. Além de reuniões também com os alunos, reuniões administrativas, onde a gente é requisitado a trabalhar como ouvinte ou como tradutor-intérprete. Então, esses trabalhos todos, ninguém enxerga”, diz Márcio.

Dentre os ataques à educação está o fim dos concursos para intérprete-tradutor de LIBRAS com ensino médio. Mesmo que o profissional tenha proficiência na língua comprovada através do Pro-LIBRAS (prova que certifica a capacidade do profissional em LIBRAS), fica impedido de fazer o concurso. Assim, os concursos são cada vez mais esvaziados.

Mas não são apenas os tradutores e intérpretes de LIBRAS que sofrem com os ataques aos trabalhadores da educação especial e o ensino remoto sem condições materiais. Dayvid Queiroz analisa que “essa condição de trabalho remoto, transfere muito da responsabilidade do empregador para o empregado, como despesas extras de energia elétrica, por exemplo. Muitos tiveram que rever seus planos de dados de internet, ampliando seus contratos, principalmente os profissionais da Libras que necessitam de muitas videochamadas, videoconferências, ou seja, necessidade movimentar muitos dados e com uma boa velocidade. A postura desses profissionais deve ser louvada, pois transformaram parte de suas residências em estúdio de vídeo, tiveram e estão tendo, custos para aquisição de bons equipamentos de filmagem (seja câmera ou celular) e iluminação adequada.”

Sobre a situação dos alunos especiais na rede estadual do Mato Grosso, a professora Mônica Silva relata que com exceção de alunos surdos, que recebem acompanhamento em libras, a prática geral no estado tem sido direcionar todos os alunos com necessidades especiais para o material apostilado.”

O que está sendo feito no Mato Grosso é uma ação criminosa do governo bolsonarista de Mauro Mendes. Não trata-se apenas uma simples discriminação, mas de uma política eugenista. O estado do Mato Grosso está sendo chefiado por um verdadeiro nazista.

O governador nazista do Mato Grosso, Mauro Mendes (PSDB). Foto: SECOM-MT

Em um total contraste, tem-se a prática dos profissionais do IF Baiano. Daniela Santos, professora de Atendimento Educacional Especializado do IF Baiano – campus Senhor do Bonfim citou as diversas ações que os professores da educação especial estão fazendo no seu campus para driblar os problemas, mesmo em condições longe do ideal.

“Nesse contexto, organizamos um horário para o planejamento das ações e para a oferta do Atendimento Educacional Especializado no ensino remoto. Construímos um fluxograma com algumas reflexões sobre o ensino colaborativo, com o objetivo de auxiliar os colegas docentes do ensino comum, disponibilizamos WhatsApp e e-mail institucional para troca de ideias, dúvidas e reflexões,” diz Daniela.

Devido a este trabalho todo realizado pelos profissionais da educação especial, Dayvid Queiroz entende que não há valorização do trabalho destes profissionais pela população em geral. Segundo ele, “a população (alunos, pais e muitas vezes colegas de trabalho) não reconhece esse esforço hercúleo, apenas cobram e reclamam da qualidade da transmissão da pessoa. Isso é horrível.”

A impressão de Dayvid, apesar de legítima, não é precisa. Apesar da maneira como as pessoas expõem suas insatisfações, excluídos casos pontuais, ela não é para o com o educador, mas com a precariedade que se encontra o sistema educacional brasileiro. Como mostrado nesta matéria, os ataques à educação são tamanhos que, para as massas, pode ser difícil compreender a fonte dos problemas com a educação.

O retorno presencial

Apesar da implementação do fraudulento ensino remoto, tanto o governo federal quanto os governos estaduais e municipais sempre se mobilizaram pelo retorno às aulas presenciais mesmo sem a vacina.

São inúmeros os casos pelo Brasil inteiro. A começar pelo governador fascista do DF, Ibaneis Rocha, que mal passadas duas semanas de suspensão das aulas, ameaçou professores e alunos com o retorno presencial. Dada à resistência de toda comunidade acadêmica, ele utilizou o ensino remoto como despiste. Entretanto, como foi deixado claro, o ensino remoto foi mal implementado em todo Brasil, pois seu objetivo era, no ensino básico, apenas esperar a pandemia “esfriar” e fazer as aulas presenciais retornarem. Ibaneis havia, por exemplo, prometido coisas como teleaulas pela televisão ou internet, mas, até agosto de 2020, nem isso havia feito.

Neste mesmo agosto, a juíza Adriana Zveiter, sócia de uma empresa que aluga prédios a escolas e filha de um ex-presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (Sinepe/DF), organização controlada por donos de escolas particulares, chegou a autorizar o retorno às aulas presenciais na rede privada.

O governador fascista do DF, Ibaneis Rocha (MDB). Foto: Paulo Henrique Carvalho

Um mês após, mais de 100 escolas de ensino infantil retornaram às atividades presenciais no DF. O número significou aproximadamente 25% destas escolas.

Em Manaus, após a primeiro colapso do sistema público de saúde, onde centenas de corpos foram enterrados em valas comuns, as aulas presenciais retornaram em julho/agosto de 2020. Em menos de um mês, 30% dos professores testados, tiveram resultado positivo para COVID-19. Apenas na Escola Estadual José Bernadino Lindoso foram 28 casos no mês de setembro de 2020. Fica claro que o segundo colapso da saúde no Amazonas era questão de tempo, o que ocorreu em janeiro deste ano.

Vista aérea do Cemitério Nossa Senhora Aparecida em Manaus em 20 de julho de 2020. Foto: Michael Dantas/AFP

Não tão longe de Manaus, no Pará, onde as aulas presenciais na rede pública retornaram ainda em 2020, em pouco tempo, o número de infectados chegou a 42. O governo do Estado e a quase totalidade das cidades do Estado suspenderam as aulas presenciais, exceto a capital, Belém, governada, na época, pelo tucano Zenaldo Coutinho (PSDB).

No outro extremo do país, no Rio Grande do Sul, as aulas presenciais retornaram na rede estadual em 20 de outubro, mas, dada a precariedade das escolas, a Justiça reiterou a necessidade de relatório técnico para a presença de alunos. Isto forçou a Secretaria de Educação (Seduc) a cancelar as aulas presenciais em 4 de novembro.

O Colégio Militar de Belo Horizonte, em sua ânsia genocida, chegou a ignorar decisão judicial e retornou às atividades presenciais em 21 de setembro de 2020. O infectologista Carlos Starling, diretor da Sociedade Mineira de Infectologia, declarou que “essa escola se esquece de que, antes de ser um ente federal, está inserida em uma comunidade. Se houver um surto de COVID-19 ali, todo o processo de flexibilização de BH pode ser derrubado e o sistema de saúde, seriamente comprometido”.

A pressão, todavia, não é apenas dos governos, mas dos capitalistas como um todo, em particular do imperialismo. Organização Mundial de Saúde (OMS), Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) e Unesco, entidades adoradas pela classe média e vistas como o baluarte da ciência durante a pandemia, vieram a público declarar como prioridade o retorno às aulas presenciais.

Florance Bauer, representante da Unicef e dos capitalistas no Brasil declarou:

“Precisamos pensar no impacto das escolas fechadas. Apesar da tentativa de manter as atividades de forma remota, muitos alunos não conseguiram acessá-las […] Precisamos enxergar como uma questão de urgência colocar as crianças na escola novamente. Manter as unidades fechadas deveria ser apenas em casos extremos.”

Florance Bauer, destaca pela Unicef no Brasil para o genocídio da juventude. Foto: UNICEF Agentina

Ao que parece, para Bauer e para a Unicef, o genocídio que está a ocorrer no Brasil não é um caso extremo. Fica, então, a dúvida do que seria um caso extremo.

A pandemia parece ter estraçalhado a máscara da Unicef. A declaração de Bauer deixa claro que antes de professores e estudantes, a Unicef atende os interesses dos capitalistas. Afinal, a paralisação das aulas fez com que parte da economia fosse também paralisada. O setor da educação é um negócio mundial de trilhões de dólares. Segundo levantamento da OCDE, a paralisação das aulas levou a uma retração do Produto Interno Bruto (PIB) mundial em 1,5%.

A mesma posição foi a de Denis Minze, diretor-executivo da Fundação Lemann em entrevista à golpista Folha de São Paulo. No seu entendimento, é “difícil compreender por que o último setor para que iremos discutir protocolos de reabertura seja o setor educacional. Quando a gente já vê as cidades autorizando o funcionamento de restaurantes, bares, shoppings, todo tipo de comércio, me parece uma resposta excessivamente pautada na pressão de alguns grupos”.

A Fundação Lemann é mais uma dessas fundações dos grandes capitalistas com objetivo de enganar as pessoas. Enquanto fazem ações de caridade para si mesmas, estas fundações se apoderam de grandes parcelas de setores como educação e saúde no país.

No Acre, as escolas particulares foram autorizadas a funcionar com até 30% da sua capacidade. Já no outro extremo do país, no Rio Grande do Sul, desde setembro de 2020 as escolas particulares estavam autorizadas a utilizar o ensino híbrido.

O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), autorizou, também em setembro de 2020, as escolas particulares do ensino básico (fundamental e médio) a retornarem às atividades presenciais segundo o absurdo Plano de Retomada das Aulas Presenciais. Neste plano, até mesmo a morte de alunos estava prevista, como diz o seguinte trecho (pag. 65):

Havendo óbitos de alunos ou de profissionais da escola, e se for algo desejado pela comunidade escolar, o grupo pode organizar ritos de despedida, homenagens, memoriais, formas de expressão dos sentimentos acerca da situação e em relação à pessoa que faleceu, e ainda atentar para a construção de uma rede socioafetiva para os enlutados.”

O documento continua destilando seu sangue de barata:

“Simbolizar a dor de alguma forma contribui para o processo de luto, lembrando sempre que cada um vive esse momento de uma maneira, como uma experiência pessoal e única e que, por isso, precisa ser respeitado.”

Em outras palavras, o tal Plano diz que desde que continuem indo às aulas e pagando mensalidades, alunos e professores podem até ficar em luto.

O governador Renato Casagrande (PSB) abriu escolas, mesmo sabendo que alunos e trabalhadores morreriam. Foto: SECOM-ES

No fim de 2020, a Secretaria de Saúde do Espírito Santo (Sesa-ES) fez um estudo sobre a prevalência do Coronavírus entre estudantes e trabalhadores da educação. O estudo, desenvolvido ainda durante o processo de reabertura, detectou 11,1% (560) dos estudantes e 7,8% (440) dos profissionais de 99 escolas públicas e particulares do Estado tinham anticorpos contra o vírus. Nas escolas municipais, geralmente com crianças menores, a taxa de infecção foi maior. Outro ponto levantado é que a doença apresentou maior prevalência entre os pretos e pardos.

Em novembro de 2020, na capital paulista, um grupo de pais e responsáveis por alunos de escolas de elite organizou um movimento pedindo à justiça o imediato retorno às aulas presenciais nas redes particular e públicas. Ao que parece as dondocas da burguesia paulistana estavam (e ainda devem estar) sem aturar seus filhos dentro de casa e clamavam pelo retorno às aulas presenciais, de modo que possam “depositar” suas proles nas caríssimas escolas.

Na cidade do Rio de Janeiro, entretanto, a situação foi muito mais complicada. A Secretaria Municipal de Educação (SME) retomou as aulas presenciais em 17 de novembro de 2020. Em uma semana de retorno presencial, mais de 100 escolas foram fechadas na capital fluminense devido a casos de COVID-19.

Além dos casos de contaminação e fechamento de escolas, apenas 5% dos alunos da rede municipal aderiram às aulas presenciais. Isto deixa saliente que o retorno às aulas presenciais é um movimento das escolas particulares e não da classe trabalhadora, que tem a consciência do risco de levar seus filhos à escola.

Virada a folha do calendário de 2020 para 2021, diversos estados anunciaram o retorno das aulas presenciais na rede pública, mesmo que ninguém tivesse sido vacinado. Das 27 unidades da federação, 15 haviam datas confirmadas para o retorno presencial. O avanço da pandemia, entretanto, impediu o retorno em diversos locais. Entretanto, em outros, como São Paulo, o retorno presencial ainda assim ocorreu.

Mapa do Brasil que mostra os estados que previram o retorno às aulas presenciais. Foto: Revista Crescer

Em alguns estados, o retorno presencial assumiu o nome de ensino híbrido, que, na verdade, significa uma grande malandragem dos governadores e prefeitos – “civilizados”, porém tão bárbaros quanto Bolsonaro – para matar educadores e estudantes. Entretanto, nesta modalidade “híbrida”, os alunos realizarão parte das atividades presencialmente e parte à distância.

O ensino híbrido é o primeiro passo para precarização total do sistema de ensino no país. Pelo lado dos trabalhadores da educação, significa abrir margem para redução de salários, pois as atividades remotas não contarão para carga horária de trabalho do professor (que gastará mais tempo preparando e corrigindo atividades). Para as escolas públicas permite a redução nos repasses do governo, afinal, se o aluno passa menos tempo dentro da escola, então o valor de repasse de recursos por matrícula também cairá. E, por fim, do ponto de vista pedagógico, será mais um passo para a desvinculação do estudante à escola.

No Mato Grosso, o governador bolsonarista, Mauro Mendes (DEM), ordenou o retorno às atividades presenciais mesmo com o aumento no número de infecções e a situação estrutural precária das escolas. Na Escola Estadual Professora Hermelinda de Figueiredo funcionários foram diagnosticados com COVID-19 e a escola teve de suspender qualquer atendimento.

Mendes além de impor o ensino híbrido, inventou junto ao secretário de Educação, Alan Porto, um engenheiro que nada sabe sobre educação, um “plantão tira-dúvidas”, onde o professor atenderia presencialmente até cinco alunos por dia. Tanto o governador quanto o secretário de Educação parecem desconhecer o fato de que alunos e professores utilizam os já abarrotados transportes coletivos para ir à escola. Em tempos de pandemia, isto significa não incompetência, mas uma total falta de humanidade.

Escola Estadual Professora Hermelinda de Figueiredo. Foto: reprodução

Devido à forte pressão de trabalhadores da educação e estudantes, Mauro Mendes e seus lacaios foram obrigados a recuar, retornando ao ensino remoto.

O Ministério Público do Distrito Federal (MP-DF), em 1º de março de 2021, enviou uma petição à Vara da Infância e da Juventude do DF pedindo o retorno às aulas presenciais na rede pública. Apesar do avanço da pandemia, as escolas particulares do DF já haviam sido autorizadas a retornar.

Isto mostra que o MP-DF funciona como um braço do fascista Ibaneis e está pronto a jogar educadores e a juventude para morte.

Apenas uma semana após o retorno presencial, o Colégio São Francisco de Sales, popularmente conhecido como Colégio Diocesano, em Teresina, capital do Piauí, foi obrigado a suspender as aulas de uma turma em que alunos apresentaram suspeita de COVID-19. Todavia, as demais turmas foram mantidas, apesar da escola não ter como garantir que os alunos de uma turma não tiveram contato alunos de outras.

Em Maringá, no noroeste do Paraná, a política de genocida do governador bolsonarista Ratinho Jr. (PSD) começou a dar “frutos” antes mesmo da reabertura. Após a semana pedagógica, onde os professores foram obrigados a irem presencialmente às escolas, 9 escolas foram obrigadas a fechar devido à contaminação de professores e funcionários pela COVID-19.

“O governador e o secretário parecem desconhecer a realidade das escolas públicas e do que é a dinâmica de uma escola repleta de estudantes. As aulas presenciais, neste momento onde a vacinação não chegou à grande maioria da população, é um atentado à vida. O governo do Paraná está levando nossos professores, funcionários e estudantes para um caminho que pode resultar em inúmeras mortes. Isso é grave, é desumano”, disse o presidente da APP – Sindicato, professor Hermes Leão.

O prefeito de Curitiba, Rafael Greca, e o governador do Paraná, Ratinho Jr., ambos fascistas. Foto: Arnaldo Alves / ANPr.

Se para professores e funcionários, todos adultos, os ditos protocolos não conseguiram impedir a disseminação do vírus, o que espera Ratinho Jr. que aconteça com as milhares de crianças do Paraná?

No município de São Paulo, apenas em fevereiro de 2021, 166 escolas municipais de São Paulo haviam registrado casos de COVID-19 segundo levantamento do Sindicado dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindep). Foram contabilizados, na rede municipal, 386 novos casos e três óbitos pela doença.

A desorganização da Prefeitura de São Paulo, liderada pelo golpista Bruno Covas (PSDB), é tanta que o secretário dos trabalhadores da educação do Sindep denunciou, ao golpista G1, que “não há uma diretriz e orientação central sobre o que fazer em casos de contaminação, resultando em que cada Diretoria Regional de Educação aja de uma forma”.

Na Bahia até então não houve o retorno às aulas presenciais, nem mesmo de maneira “híbrida”. Questionado sobre a possibilidade de retorno presencial mesmo sem vacinação, Luiz Parente diz:

“Não vejo retorno às aulas, tanto no formato híbrido, tão pouco presencial, sem uma vacinação de todos da comunidade escolar. Não concordo e não aceito. Nós vivemos socialmente. Não estamos em uma bolha.

No âmbito federal, o atual ministro da Educação e pastor Milton Ribeiro determinou que universidades e institutos federais deveriam retornas às aulas presenciais a partir de 4 de janeiro. A determinação, entretanto, tem valor nenhum. As universidades e institutos federais são autarquias e têm total autonomia sobre seus calendários. Portanto, a ação de Ribeiro não passa de uma tentativa de intimidação contra educadores e estudantes.

A UnB reagiu à determinação através de nota em que “(…) chama a atenção um normativo como esse, específico para as instituições federais em um momento de aumento nas taxas de contaminação pelo coronavírus em todos os estados e no Distrito Federal” e que “a portaria ignora o princípio da autonomia universitária, previsto na Constituição Federal”.

O Conif, conselho que integra os gestores dos IFs, afirmou, também em nota, que a portaria foi publicada “sem nenhuma espécie de diálogo com as Instituições Federais de ensino, especialmente em meio a um novo crescimento dos casos da doença no Brasil”. Também classificou a determinação ato “arbitrário”, pois desrespeita a autonomia das universidades e institutos de ensino.

O vice-presidente, Hamilton Mourão, o “moderado”, disse que a posição dos educadores e estudantes é hipócrita.

“Isso é um assunto controverso, porque acho que até tem certa hipocrisia. As pessoa saem para a rua, vão para bares, restaurantes, mas não podem ir para aula […] A mesma turma que não quer voltar para aula, vai para balada, vai parar bar. Então, vamos ser coerente nas coisas”, disse o general da reserva.

A fala de Mourão mostra que no governo dos golpistas não há “sensatos” ou “civilizados”. Todos que lá estão são verdadeiros bárbaros, prontos para matar a população se isto for do interesse deus patrões capitalistas.

O próximo passo da direita genocida é a aprovação do PL 5595/2020, que estabelece a educação como serviço essencial. A medida, apesar de parecer positiva, é ruim para a educação, pois abrirá a possibilidade do retorno presencial às aulas, mesmo sem a vacinação. Também atacará o já quase inexistente direito de greve.

Os parlamentares financiados pela Fundação Lemann, a exemplo de Tábata Amaral (PDT-SP), votaram, nesta semana, a favor de colocar o PL em votação.

Fica claro que trata-se de um ataque total não apenas aos educadores e à juventude, mas a toda classe trabalhadora. Em nome do lucro dos capitalistas, governos federal, estaduais e municipais, sejam eles “científicos” ou não, estão preparados para colocar a população brasileira em um cenário de fome, pobreza e ignorância.

O que vem por aí

Na segunda parte deste especial, vamos falar sobre os ataques do governador fascista de SP, João Dória, contra a educação, os movimentos estudantis na luta contra o ensino remoto e o retorno às aulas presenciais, os ataques contra os educadores e o movimento sindical dos educadores durante a pandemia.

Esta série especial sobre o ensino durante a pandemia é uma homenagem dos companheiros do Diário da Causa Operária ao companheiro Antônio Eduardo, falecido em dezembro do ano passado. Antônio Eduardo era, além de militante do Partido da Causa Operária, colunista deste Diário. Manter o jornalismo combativo e operário, como é feito pelo Diário da Causa Operária, é continuar a luta de Antônio Eduardo e outros milhares de companheiros e companheiras que marcam a história da luta da classe trabalhadora contra o capitalismo.

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