No dia 30 de dezembro de 2025, o jornalista Miguel do Rosário publicou o artigo A democracia, os heróis e o bom jornalismo. O texto é uma peça primorosa de contorcionismo retórico, onde o autor tenta desqualificar as denúncias contra o ministro Alexandre de Moraes rotulando-as como “inverossímeis” e “sem pé nem cabeça”. Rosário assume abertamente o papel de relações-públicas do STF, pregando que a sociedade deve “gratidão” a um magistrado que, segundo ele, provou sua coragem com louvor.
O argumento central de Rosário é de uma ingenuidade calculada: ele questiona qual seria o poder de pressão de um ministro sobre um Banco Central “autônomo”. O autor parece ignorar propositalmente como funciona a engrenagem do poder em Brasília. A autonomia formal do Banco Central não anula o peso político de quem detém a caneta do inquérito e a chave da cela. Sugerir que Moraes não teria como influenciar Gabriel Galípolo é tratar o leitor como um idiota funcional que desconhece a rede de compadrio e pressões cruzadas que sustentam o Estado. Rosário tenta vender a imagem de um Moraes “prudente” que jamais trataria de temas escusos por telefone, esquecendo que o que está em jogo não é apenas uma conversa gravada, mas o fato material de um contrato milionário do escritório de sua esposa com o Banco Master.
A tentativa de Rosário de desqualificar a reportagem da imprensa corporativa chamando-a de “lavajatismo” é um estelionato intelectual. Há uma diferença oceânica entre a perseguição política sem provas contra Lula e a denúncia de um conflito de interesses financeiro envolvendo a família de um magistrado. Na Lava Jato, o alvo era um cidadão; aqui, o alvo é o escrutínio de um agente público poderosíssimo. Rosário admite que o contrato da esposa de Moraes “possa levantar questões éticas”, mas logo em seguida joga o fato para debaixo do tapete da “gratidão”. Para o autor, a ética é um detalhe menor diante do “serviço prestado” pelo ministro no 8 de janeiro. É a lógica perigosa do “rouba, mas faz” aplicada ao Judiciário: “é promíscuo com bancos, mas prendeu golpistas”.
O artigo de Miguel do Rosário termina de forma deplorável, afirmando que “gratidão faz parte da cultura política de uma democracia”. Ora, democracia não é fã-clube, nem o STF é um olimpo de deuses benevolentes. O papel do jornalismo é a desconfiança permanente, especialmente quando o poder se veste de “salvador”. Ao transformar Moraes em um herói que não pode ser questionado, Rosário presta um desserviço à inteligência nacional e se posiciona como um guarda-costas do regime. Um regime democrático não precisa de heróis ungidos pela imprensa; ela precisa de magistrados que não tenham contratos bancários em suas alcovas e de jornalistas que não tenham medo de morder a mão que os afaga.



