Sayid Tenório

Historiador, especialista em Relações Internacionais e vice-presidente do Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal). Autor do livro Palestina: do mito da terra prometida à terra da resistência (Anita Garibaldi/Ibraspal). Twitter/X: @soupalestina

Coluna

Dilúvio de Al-Aqsa: dois anos de firmeza e vontade de libertação

Dilúvio de Al-Aqsa confirma a lei histórica fundamental de que não há solução colonial “humanizada”

O documento Our Narrative… Al-Aqsa Flood: Two Years of Steadfastness and the Will for Liberation (Nossa narrativa… Dilúvio de Al-Aqsa: Dois anos de firmeza e a vontade de libertação), divulgado pelo Birô Político do Hamas em 24 de dezembro de 2025, formula uma interpretação que rompe definitivamente com leituras episódicas ou calcadas na lógica da segurança da Operação Dilúvio de Al-Aqsa.

O 7 de outubro de 2023 é compreendido como expressão necessária de uma contradição estrutural, produzida por um regime de colonialismo de assentamento cuja lógica fundante não é a coexistência, mas a eliminação do povo originário palestino.

Desde a Nakba de 1948, o projeto sionista se organiza em torno da negação material, política e simbólica da existência palestina, por meio da expulsão, do confinamento, da fragmentação territorial e da violência permanente.

Nesse marco, o Dilúvio de Al-Aqsa não inaugura a violência, mas interrompe a normalização da violência colonial, deslocando a guerra do plano da administração cotidiana da morte palestina para o terreno da crise estratégica do regime sionista.

Trata-se de uma ruptura histórica que expõe o fracasso do projeto colonial sionista em produzir submissão durável. A resistência armada emerge não como escolha ideológica abstrata, mas como função objetiva da existência da ocupação. Onde há colonialismo de assentamento, a resistência não é opção moral, é necessidade histórica.

A resposta de “Israel” ao Dilúvio de Al-Aqsa confirma de maneira inequívoca essa estrutura. O que se abateu sobre a Faixa de Gaza não foi uma “guerra convencional”, tampouco uma operação de retaliação, mas uma guerra de genocídio, conduzida em uma área geográfica extremamente limitada, densamente povoada e submetida a cerco absoluto.

Gaza tornou-se o laboratório extremo da violência colonial contemporânea, com bombardeio indiscriminado, destruição sistemática da infraestrutura civil, fome como arma de guerra, aniquilação do sistema de saúde, assassinato em massa de crianças, mulheres e idosos, eliminação deliberada de jornalistas e trabalhadores humanitários.

Nesse sentido, o documento do Hamas sustenta que o que está em curso em Gaza configura um novo Holocausto, não como metáfora retórica, mas como categoria histórica comparativa de um processo de extermínio planejado, racionalizado, justificado por uma ideologia supremacista e executado com os meios mais avançados de destruição disponíveis, sob proteção política e militar dos Estados Unidos.

É precisamente nesse contexto que se revela o caráter irrealista, cínico e estruturalmente falido das exigências internacionais pelo desarmamento da resistência palestina. O documento afirma, de maneira implícita e explícita, que não existe desarmamento possível sob ocupação.

Exigir que o povo palestino abandone suas armas enquanto permanece sitiado, colonizado e submetido ao genocídio equivale a exigir sua rendição histórica e sua morte política. As armas da resistência não são um fator externo ao conflito, elas são produto direto da ocupação e desaparecerão apenas com o fim dela.

O Hamas rejeita, portanto, a lógica colonial que busca transformar o colonizado armado em “problema” e o colonizador armado até os dentes em “Estado legítimo”. Desarmar a resistência palestina sem desmantelar o regime colonial não é apenas injusta, é historicamente impossível.

O desarmamento da resistência, longe de representar paz, significaria a consolidação definitiva do projeto colonial, a institucionalização da Nakba contínua e a abertura de caminho para uma nova limpeza étnica, desta vez irreversível. A história palestina demonstra que toda vez que a resistência foi desarticulada, a violência colonial avançou sem obstáculos.

Ao longo dos dois anos analisados, o documento evidencia que a guerra total imposta a Gaza não quebrou a sociedade palestina, mas reafirmou sua coesão política e moral. Não houve colapso interno, guerra civil, abandono da resistência ou dissociação

No plano global, o Dilúvio de Al-Aqsa produziu uma fissura profunda na hegemonia discursiva do sionismo.

O genocídio em Gaza expôs o esgotamento moral do Ocidente, a falência do direito internacional seletivo e a cumplicidade estrutural das potências imperiais.

A Palestina converteu-se em critério histórico de verdade, obrigando o mundo a escolher entre a normalização do genocídio ou a ruptura com a ordem colonial vigente.

Em síntese, o Dilúvio de Al-Aqsa confirma a lei histórica fundamental de que não há solução colonial “humanizada”. Enquanto existir ocupação, existirão armas de resistência. Enquanto houver genocídio, haverá insurgência!

O documento do Hamas encerra, assim, uma afirmação estratégica central: o povo palestino não negocia sua própria extinção, e a resistência permanecerá enquanto a ocupação persistir.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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