No dia 24 de dezembro de 2025, o portal Brasil 247 publicou o artigo É grave, é muito grave acusar um ministro do Supremo de atos imorais, assinado por Vivaldo Barbosa. No texto, o autor sai em defesa do ministro Alexandre de Moraes diante de denúncias publicadas pelo jornal O Globo, que sugerem uma atuação do magistrado junto ao Banco Central em favor de interesses privados. O tom de Barbosa é de profunda consternação, exigindo que jornalistas respeitem a “honra da República” e as “elevadas funções” das autoridades.
A argumentação de Barbosa repousa sobre um pilar profundamente autoritário. Ele evoca a “honra da República” como se o sistema político fosse uma entidade mística e sagrada, imune ao escrutínio mundano. Ora, a República não é uma pessoa; é um arranjo institucional, um conceito, um sistema. Como tal, a República não possui “honra” e não pode ser “ofendida”. O que existe são agentes públicos exercendo o poder em nome do povo. Tentar blindar um ministro sob o manto da “honra institucional” é uma tentativa de ressuscitar o crime de lesa-majestade, onde o questionamento ao soberano era visto como um ataque ao próprio Estado.
Essa visão inverte o fundamento básico de qualquer ideia de democracia moderna: o direito à crítica e ao questionamento da autoridade é a condição sine qua non para um regime que pretenda ser democrático. A preservação dos direitos do cidadão deve ser sempre superior à preservação da imagem ou da “compostura” das autoridades. Quando Barbosa afirma que aceitar a indignidade de um magistrado exige “elementos bem convincentes”, ele inverte o ônus da prova contra a sociedade. Na verdade, são os ocupantes de cargos vitalícios e poderosos que devem explicações constantes aos seus representados, e não o cidadão que deve pedir licença para desconfiar de quem detém o porrete do Estado.
Aqui, cabe fazer uma distinção. A acusação contra Moraes não é jurídica, é política. O que está sendo discutido é a capacidade moral de um magistrado responsável por julgar casos de extrema relevância para o País. Do ponto de vista jurídico, Moraes deve ser tratado como qualquer cidadão, com direito a ampla defesa e ao contraditório.
Do ponto de vista da prática jornalística, a exigência de Barbosa beira a desonestidade intelectual. Ele cobra dos jornalistas uma prova cabal e definitiva no nascedouro da denúncia, ignorando como se dão os grandes escândalos. O caso Watergate nos Estados Unidos, que resultou na queda de um presidente, começou justamente com suspeitas e denúncias que pareciam “inverossímeis” para muitos na época. O jornalismo de investigação não é um inquérito policial; sua função é lançar luz sobre indícios escandalosos para que o aparato de investigação oficial — este sim, detentor das armas do Estado — seja forçado a agir. O cidadão comum e mesmo a imprensa não possuem polícia ou serviços de inteligência; seu único instrumento de controle é a publicidade da suspeita.
Ao final, Vivaldo Barbosa revela uma contradição insustentável. Ele admite o “grave erro” de ver parentes de ministros atuando em escritórios que frequentam os mesmos tribunais, mas, no parágrafo seguinte, pede que acreditemos piamente na nota oficial dos mesmos ministros. Ora, se o autor reconhece o balcão de negócios instalado nas franjas da Corte, por que o escândalo com a denúncia de tráfico de influência? O artigo de Barbosa não é uma defesa da “República”, mas uma defesa da censura a serviço da ditadura de toga.




