O iludido artigo Geopolítica, extrema direita e a crise da ordem internacional, do Brasil 247, revive a ideia, cada vez mais absurda, de que o mundo estaria caminhando para a “multipolaridade”. O texto de Maria Luiza Falcão Silva se perde em um diagnóstico de “enfraquecimento” institucional que ignora a política mais elementar da sobrevivência do grande capital: a agressividade reacionária diante da crise.
A tese central da autora, de que o mundo encerra 2025 em um estado de “suspensão permanente” e que a hegemonia norte-americana sofre um “declínio qualitativo”, mascara o fato de que o imperialismo não está se retirando, mas se reorganizando para uma contraofensiva muito agressiva. Ao afirmar que o imperialismo “já não respeita as regras que criou”, a autora comete a ingenuidade de acreditar que o imperialismo se importa com regras. O que ela chama de “poder sem liderança” é, na verdade, a transição para o uso da força bruta.
O poderio militar e econômico do imperialismo foi desafiado e contestado em pontos vitais como a Palestina, onde a resistência impôs um custo político e militar inédito; no Leste Europeu, onde o cerco da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi travado; e no Norte da África. A fraqueza do imperialismo faz com que ele reaja com uma disciplina de guerra para sufocar qualquer dissidência interna e externa.
O erro de análise de Maria Luiza se torna ainda mais grave quando ela trata a ascensão da extrema direita como um fenômeno de “corrosão deliberada da democracia” que “explora frustrações reais”. Esta leitura moralizante esconde que a extrema direita não é um desvio, mas a ferramenta de choque necessária para impor a disciplina que o capital financeiro exige em tempos de crise sistêmica. Os casos do Chile e da Argentina mostram isso claramente: diante da revolta contra a política neoliberal, o grande capital impôs governos de força contra a população.
Quando a autora menciona que a extrema direita “oferece como resposta o autoritarismo e a submissão irrestrita ao mercado financeiro”, ela falha ao não perceber que essa é a única resposta possível do sistema para manter as taxas de lucro diante da contestação global. Se o imperialismo está em crise, ele não aceitará o declínio pacificamente em prol de uma “multipolaridade sem árbitro”; ele irá reagir impondo ditaduras abertas, censura e regimes de exceção, preparadas com pelo próprio Judiciário e pelas instituições que a autora considera “enfraquecidas”. O “caos” que ela descreve é, na verdade, a destruição deliberada da ordem democrática liberal por aqueles que a criaram, pois ela não serve mais para conter a luta de classes.
A idealização da China como uma “potência previsível num mundo imprevisível” que avança de forma “silenciosa, planejada e estratégica” serve apenas para alimentar a ilusão de que a sucessão de hegemonias ocorrerá por um processo de transição administrativa. A história do século XX ensina que nenhuma potência abdica do controle do mundo sem lançar mão da barbárie. A agressividade que emana dos Estados Unidos, da OTAN e de “Israel” — setores que, no Brasil, são apoiados entusiasticamente pela grande imprensa e pelo aparato judicial — é a prova de que o cerco está se fechando. Se não houver uma luta política dura e implacável contra essas tendências ditatoriais, elas se imporão como a nova “normalidade” global.



