O artigo Quem faz não manda: gênero e poder na segurança pública, de Jacqueline Muniz, publicado no Brasil247 nesta quinta-feira (18), é um retrato bem-acabado do identitarismo, uma doutrina liberal, cujo papel é confundir e desvirtuar a luta da esquerda.
Após vencer um linguajar abarrotado de jargões e trejeitos acadêmicos, o leitor vai descobrir que, para a autora, é preciso colocar mais mulheres no comando das polícias, pois isso, supostamente, melhoraria essa instituição e a segurança pública. O que é comprovadamente falso.
Muniz passa por cima da questão da luta de classes, não toca no principal, no papel da polícia para a manutenção do Estado. E este, como se sabe, serve para assegurar a dominação da burguesia sobre a classe trabalhadora. Colocar mulheres, ou o que seja, no comando das polícias, não vai fazer com que elas atuem em favor da população.
Jacqueline Muniz afirma que “a baixa presença feminina nos postos máximos da segurança pública não é casual nem decorre de déficit de qualificação. Ela é produto de uma arquitetura política que naturaliza a desigualdade de gênero e que, nesse campo específico, assume feições próprias e particularmente resistentes à mudança. Não se trata de uma oposição entre mulheres e homens, mas entre modelos de autoridade, formas de governar a força e projetos de poder que organizam quem decide, quem deve ser silenciado e quem é descartável dentro das organizações”.
A “baixa presença de feminina em postos máximos” não é exclusividade da segurança pública (nome bonito para os aparatos de repressão), é assim em todas as áreas, pois as mulheres são historicamente oprimidas. Não se trata de “uma arquitetura política que naturaliza a desigualdade de gênero”. Mulheres em “postos máximos” não vão diminuir a opressão feminina.
Podemos citar inúmeros casos de mulheres “em posições” de mando, como gostam de falar os identitários, que fazem exatamente o mesmo que qualquer homem faria. No STF, por exemplo, as ministras que votaram a prisão de Lula ou prenderam sem provas.
Margaret Thatcher, a “Dama de Ferro”, era a primeira-ministra britânica durante a invasão das Malvinas. Hillary Clinton, enquanto secretária de Estado, se notabilizou pelo ataque criminoso à Síria. Este Diário já mencionou a embaixadora negra americana na ONU, Linda Thomas-Greenfield, que votou contra os palestinos, ou melhor, a favor dos genocidas sionistas, no Conselho de Segurança.
Segundo Muniz, “a lógica do populismo policial-penal ocupa lugar central nesse bloqueio [de mulheres]. Ela constrói um modelo de autoridade fundado na força bruta exibicionista, na hipervirilidade performática e na figura publicitária individual do ‘guerreiro heroico’ solitário”. Mas a força bruta é uma necessidade do Estado opressor, não tem nada a ver com hipervirilidade performática, é apenas uma questão de força física mesmo.
Quanto ao “exibicionismo”, trata-se de um recurso de intimidação, sua função é manter a população assustada, o que não é nenhuma novidade. As soldados israelenses que fizeram seus depoimentos no sítio Breaking the Silence, descrevem como agem com os palestinos no policiamento em Gaza e na Cisjordânia. Uma delas, por exemplo, diz que em sua jaqueta havia a inscrição “morte aos árabes”.
“Guerras”
Jacqueline Muniz diz que “o que se valoriza não é o trabalho policial profissional em equipe, técnico e planejado, mas o combate espetacular.A guerra contra o bandido, mais do que contra o crime, e a guerra contra a droga, mais do que contra as facções criminais, passam a operar como promessa de ‘salvar a sociedade dela mesma’. O que, na prática, corresponde a conter os avanços de direitos civis, especialmente os relacionados a gênero e orientação sexual, percebidos como ameaças à ordem masculina heteronormativa tradicional, hoje sem a antiga hegemonia em casa e nas ruas”. – grifos nossos.
Notem que ela é adepta da “guerra” contra o crime e contra as facções”, a mesma política da direita, com a diferença de que a coisa deveria ser feita de maneira profissional, o que não muda nada. Uma polícia mais bem armada e treinada vai apenas oprimir com maior eficiência a população. Todos sabem que não existe de fato combate ao crime.
A única maneira de se combater a criminalidade é declarar guerra às desigualdades sociais. É preciso acabar com as polícias, não as modernizar; e também as substituir por milícias populares e por bairros.
Muniz defende a polícia, apenas confunde o leitor com frases do tipo “ordem masculina heteronormativa tradicional”, “performatização da musculatura e na hipervisibilização da força excessiva” etc.
Existem erros na avaliação de Jacqueline Muniz que, por exemplo, diz que “a militarização da segurança pública aprofunda esse cenário ao eleger o confronto como fim em si mesmo, privilegiando a performance individual do guerreiro”. Ocorre que o problema não é apenas a polícia militar, a civil também atua do mesmo jeito.
É um erro acreditar que “decisões complexas passam a ser tomadas de forma simplista e oportunista, ‘no grito e no músculo’, guiadas por impulsos e gestos desmedidos de força”. O Estado planeja suas ações. Na última chacina no Rio, a maior já registrada, houve a participação do Judiciário, havia uma centena de mandados de prisão que serviram para dar um ar legal ao massacre.
Confusão identitária
O identitarismo não quer mudanças de fato, quer apenas reformar, modernizar o aparato repressivo, o que, em última instância, apenas prejudica a classe trabalhadora.
No fundo, trata-se de uma ideologia reacionária que se esconde embaixo de um amontoado de expressões rebuscadas que visam confundir as pessoas.
Tentam vender a ideia de que mulheres em posições de mando solucionarão a opressão feminina, ou mesmo humanizar o aparato repressivo do Estado. Tudo isso tem que ser combatido e desmascarado pela classe trabalhadora.





