O artigo Em 132 países, a última palavra é da Suprema Corte, de Eduardo Guimarães, publicada no Brasil 247, é o retrato de uma esquerda que se rendeu às instituições do Estado e, principalmente, à política do imperialismo. O texto de Eduardo Guimarães é beira ao absolutismo, contrariando noções básicas de democracia e de republicanismo.
Já no primeiro parágrafo, o jornalista se entrega. Diz que:
“Em 132 países, a última palavra é da Suprema Corte. Em apenas oito nações as Supremas Cortes não podem anular leis do Parlamento. No Brasil, o artigo 102 da Constituição dá esse poder ao STF. A Constituição é a lei maior em todas as nações democráticas”.
Em uma democracia, por que deveria haver um órgão que dá a “última palavra”? Está aí revelada uma descompensação entre os poderes que deveriam se equivaler em uma república.
Por outro lado, qual é a vantagem de haver 132 países nos quais as Supremas Cortes têm tanta relevância? É verdade que quantidade, em se tratando de dialética, se transforma em uma qualidade. Qualidades, porém, podem ser positivas e negativas, e é este o caso.
O senhor Guimarães, é de se supor, deve se considerar uma pessoa de esquerda. Sendo assim, vivendo em um mundo predominantemente capitalista, e dominado pelo imperialismo, deveria ser crítico em relação à questão das supremas cortes.
Para quem é latino-americano, como o jornalista, a desconfiança no Judiciário deveria ter acendido todas as luzes vermelhas desde que deram um golpe em Honduras, em 2009. Lembrando que os golpes não pararam nesse país, passaram por Paraguai, Argentina, Peru, Bolívia etc.. e até mesmo no Brasil. Aquele “com Supremo, com tudo”.
As supremas cortes têm sido fundamentais para a instauração de uma verdadeira ditadura global. A liberdade de expressão, garantida na Constituição, está suprimida no Brasil. Mas não é apenas aqui. No mundo todo, pessoas estão sendo presas por emitirem suas opiniões nas redes sociais.
Absolutismo
Eduardo Guimarães comemora que “em 132 países do mundo — incluindo Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Japão, Coreia do Sul, Austrália, Uruguai, Costa Rica e quase toda a América Latina — a Suprema Corte ou Tribunal Constitucional tem o poder de anular qualquer lei aprovada pelo Congresso se ela violar a Constituição”. O problema, é impossível que o articulista não o saiba, é que as supremas cortes violam elas mesmas as Constituições.
Quem foi que violou a Constituição e prendeu Lula? Eduardo Guimarães com certeza sabe a resposta. E quem prendeu José Dirceu sem provas? Por que juízes recebem salários acima do teto constitucional? Por que uma suprema corte julga cidadãos sem foro privilegiado de modo que não consigam recorrer de decisões e possam exercer o amplo direito à defesa? Exemplos não faltam.
A lista de violações que o STF tem cometido contra a Constituição é inesgotável. Sustentar que 11 ministros, que não foram votados por ninguém, tenham o direito de suspender leis votadas por 513 deputados, que foram eleitos para isso, é uma verdadeira aberração.
Em sua rendição a essa instituição antidemocrática, Eduardo Guimarães concorda que o Supremo possa “processar e até cassar mandatos de parlamentares, magistrados, presidente, governadores, prefeitos, ministros de Estado e secretários dos governos estaduais e municipais”.
Alexandre de Moraes, ministro do STF, acaba de decretar a prisão de Rodrigo Bacellar, presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). Segundo a Constituição Federal, no que trata de imunidade parlamentar prevista no art. 53, §2º, que só admite a prisão de deputados em flagrante de crime inafiançável. E agora, Eduardo Guimarães, quem está violando a Constituição? A Constituição não permite prisão preventiva de deputados estaduais ou federais.
Apesar do completo absurdo, o jornalista escreve que “esse mecanismo chama-se controle de constitucionalidade e existe para impedir que maiorias passageiras destruam direitos fundamentais ou a própria democracia” – grifo nosso.
Notem que Guimarães, o democrata, fala em “maiorias passageiras”, ou seja, os parlamentares eleitos pelo povo, às quais ele contrapõem, defende, uma minoria perene. Onze ministros com cargo vitalício que são indicados para estarem ali.
Distorcendo a realidade
Guimarães escreve que “no Brasil, o artigo 102 da Constituição de 1988 é cristalino: ‘Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”, podendo julgar ações diretas de inconstitucionalidade e declarar leis inconstitucionais com efeito para todo o país’”.
Pelo jeito, o Supremo pode julgar que até a própria Constituição é inconstitucional? No caso de uma lei ser julgada inconstitucional, a matéria deveria ser devolvida para o Congresso, e não o STF legislar ele mesmo, trata-se de usurpação de poderes.
O Artigo 2º da Constituição estabelece a separação dos poderes da União. A separação é cláusula pétrea, o que significa que não pode ser abolida nem por emenda constitucional. Portanto, é mentira grosseira quando Guimarães afirma que “esse poder não é ‘ativismo’; é mandato expresso da Constituição”.
Justificando arbitrariedades
Assim como utiliza 132 para justificar o absolutismo judiciário, Guimarães recorre ao tempo para sustentar que “a Lei nº 1.079/1950, que regula o impeachment de ministros do STF, foi feita no governo Vargas, 38 anos antes da Constituição de 1988. Nunca foi revista à luz da atual Constituição”.
O jornalista poderia ter concluído que a lei nunca foi revista porque não houve necessidade. Pouco importa se a lei foi feita no governo Vargas, poderia ter sido durante o Império. O que está em jogo é a sua pertinência. Dizer que uma coisa antiga é automaticamente ruim é desonestidade intelectual.
Todo esse jogo retórico de Guimarães serve para justificar um verdadeiro crime contra qualquer ideia de democracia. Diz que:
“Por isso, em 3 de dezembro de 2025, o ministro Gilmar Mendes suspendeu trechos que permitiam a qualquer cidadão apresentar denúncia sem filtro, exatamente para evitar abusos políticos e proteger a independência do Judiciário — decisão alinhada ao que acontece na esmagadora maioria dos países”.
Traduzindo, o ministro Gilmar Mendes, de maneira monocrática, suspendeu trechos de uma lei que permitia que até mesmo os cidadãos comuns pudessem denunciar o Supremo, o que é totalmente democrático.
Eduardo Guimarães está justificando que o extremo abuso de Gilmar Mendes servirá para “evitar abusos”. É inacreditável.
O Supremo está se transformando em um monstro, e com apoio da maioria da esquerda.
Eduardo Guimarães, em seu texto, reclama que a extrema direita estaria tentando “capturar o Judiciário”. E que “dar esse poder ilimitado ao Parlamento é o oposto do que fazem 132 países, incluindo as maiores democracias do planeta”.
Trata-se de uma degradação política. Alguém que se reivindica de esquerda elogia Estados Unidos, Japão… as “maiores democracias”.
Como se pode ver, há setores da esquerda que já se renderam ao imperialismo. Defendem abertamente sua política. Resta saber se essas pessoas são mesmo de esquerda.





