O Estado brasileiro demonstrou ter recursos e disposição para perdoar uma dívida monumental de R$866 milhões de uma das maiores empresas privadas de planos de saúde, a Hapvida. Enquanto isso, a dirigente Natália Pimenta, um dos quadros mais importantes do Partido da Causa Operária (PCO), foi condenada à morte pela Justiça e pela burocracia do Ministério da Saúde, que negaram e protelaram o acesso a um medicamento vital de custo infinitamente menor, na casa dos R$3 milhões.
Ambos os casos mostram como o lucro de gigantes corporativos é blindado e priorizado em detrimento do direito fundamental à vida, garantido na Constituição e na Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (SUS). O assassinato de Natália Pimenta é um símbolo da política neoliberal que, sob o disfarce de tecnicalidades e falta de recursos, na verdade, drena os cofres públicos para beneficiar o capital privado.
Natália Pimenta, mulher de 40 anos, mãe de dois filhos, travava uma batalha incansável contra o câncer. Após superar um câncer de mama e um câncer cerebral, ela foi diagnosticada com uma forma rara de leucemia. Em outubro de 2025, esgotadas as opções de tratamento convencionais, foi identificada uma medicação específica para seu caso, já aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos, a agência responsável por atestar a segurança e eficácia de medicamentos no mercado global. O médico prescreveu o fármaco com urgência, afirmando que a vida de Natália dependia dele.
O obstáculo não era a inexistência do tratamento, mas seu custo: cerca de R$2 a 3 milhões, e a falta de disponibilidade imediata no Brasil, exigindo a importação através do serviço público. A família acionou a Justiça, amparada pela Lei nº 8.080/1990, que estabelece a universalidade, integralidade e igualdade na assistência à saúde. O que se seguiu foi uma demonstração chocante de como o Poder Judiciário e a máquina estatal podem se tornar obstáculos fatais. A juíza Anita Villani negou o pedido de forma célere e cruel. Em um processo que já contava com mais de 100 páginas, incluindo a prescrição médica e a aprovação pela FDA, a juíza levou cerca de 20 minutos para analisar e indeferir a solicitação. O argumento usado para negar a medicação foi o de que o seu alto custo “iria afetar a coletividade” e o orçamento público.
Após intensa mobilização do Partido da Causa Operária (PCO), a decisão foi revertida por um desembargador, que reconheceu a urgência e a necessidade vital do tratamento. No entanto, a burocracia do Ministério da Saúde agiu como um segundo obstáculo mortal. A protelação, em um caso de vida ou morte, selou o destino de Natália.
Sua saúde, já fragilizada, deteriorou-se rapidamente. Entubada e inconsciente, Natália Pimenta faleceu em 22 de novembro de 2025. Em um toque final de ironia e escárnio, duas horas após sua morte, o irmão de Natália, João Pimenta, recebeu uma ligação do Ministério da Saúde informando que o medicamento seria finalmente adquirido “em um futuro breve”.
O valor negado a Natália Pimenta torna-se infinitesimal quando comparado à dívida que o Estado brasileiro, através de manobras políticas, optou por perdoar a um gigante do setor privado.
A empresa de planos de saúde Hapvida, uma das maiores do país, anunciou em seu balanço do ano de 2024 que teria conseguido o perdão de uma dívida de R$866 milhões com o SUS. Esse débito é referente ao ressarcimento obrigatório que os planos de saúde devem fazer ao Sistema Único de Saúde sempre que seus usuários utilizam a rede pública, conforme previsto na Lei nº 9.656/98. É, portanto, um dinheiro que foi gasto pelo SUS para atender pacientes que já pagavam por um serviço privado, e que deveria ser devolvido ao sistema público.
O perdão dessa dívida colossal foi supostamente articulado por meio do programa Desenrola Brasil, originalmente concebido para renegociar dívidas de pessoas físicas de baixa e média renda. A ideia de que um programa emergencial para o cidadão comum possa ser utilizado por uma corporação que reportou lucro de R$10 bilhões em 2024 é inacreditável
O valor perdoado à Hapvida é aproximadamente 300 vezes maior do que o custo do medicamento que salvaria Natália. Se o Judiciário estava tão preocupado em “não afetar a coletividade”, por que não impediu o perdão dessa dívida bilionária? A “coletividade” é apenas uma desculpa usada para justificar a negativa de direitos aos mais necessitados, enquanto os interesses dos tubarões dos planos de saúde são sistematicamente protegidos pelo aparato estatal.
Esse montante de R$866 milhões, se fosse pago ao SUS, poderia equipar dezenas de hospitais, custear milhares de cirurgias e, de fato, salvar inúmeras vidas, cumprindo o papel social do sistema. Ao ser perdoado, esse dinheiro se transforma em subsídio indireto do Estado ao lucro privado, evidenciando que a crise do SUS não é de falta de dinheiro.
O martírio de Natália Pimenta expõe que o inimigo da saúde é o sistema capitalista, que prioriza o pagamento da “dívida eterna” aos bancos e o perdão de dívidas bilionárias a empresários, enquanto a vida de uma cidadã vale apenas a frieza de uma análise judicial de 20 minutos e a protelação de um processo de licitação.





