Nesta segunda-feira (1º), o Brasil 247 publicou o artigo Lula, eita cabra de sorte, de Oliveiros Marques. O título é uma crítica àqueles que sustentam que os primeiros mandatos de Lula (e até mesmo de Dilma Rousseff) contaram com a sorte do boom das commodities — isto é, que as realizações de Lula não seriam mérito próprio, mas fruto do acaso.
Mesmo que não se queira diminuir a capacidade Lula como presidente, é evidente que o atual mandato realizou muitíssimo menos, além de o governo estar refém da Supremo Tribunal Federal (STF) e de determinados acordos frágeis e até humilhantes.
Em seu primeiro parágrafo, lemos que:
“Na noite do último domingo, o presidente Lula, de forma acertada, fez um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV para falar sobre a sanção da lei que isenta de imposto de renda os brasileiros e brasileiras com renda de até R$ 5.000 e reduz o imposto para aqueles e aquelas que ganham entre R$ 5.000 e R$ 7.350. Serão mais de 15 milhões de beneficiados. Imagino que essa deva ser a pauta da luta política capaz de render ótimos frutos eleitorais para as candidaturas governistas no próximo ano. Afinal de contas, estamos falando da garantia, a partir do próximo ano, de algo equivalente a um décimo quarto salário para milhões de famílias. Convenhamos: não é pouca coisa [grifo nosso].”
Claro que qualquer benefício para a classe trabalhadora é bem-vindo. Ao mesmo tempo, porém, é preciso ter senso de realidade. Para que se tenha um ponto de comparação, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), a isenção cobria quem ganhava até oito salários mínimos. O reajuste atual não cobre sequer as perdas com a inflação do último período.
Oliveiros Marques sustenta que “não é pouca coisa”, mas será suficiente para uma reeleição? Pois é disso que se trata. A grande questão para a esquerda não é reconquistar a base perdida para o bolsonarismo, ou para a direita, mas ganhar votos e se eleger, conseguir os tais “ótimos frutos eleitorais”.
O autor do artigo, segundo a descrição de seu perfil, “realizou dezenas de campanhas no Brasil para prefeituras, governos estaduais, Senado e casas legislativas”. Sendo assim, não se deve achar estranho o “otimismo”, pois em seu ofício é sempre dizer que está tudo bem.
Em seu texto publicitário, Marques diz que:
“Para além da importância deste anúncio, outro detalhe me chamou a atenção na fala de 6 minutos e 3 segundos de Lula. O quanto esse cabra é sortudo. Nasceu com aquilo virado para a lua, não tem explicação. Comecemos pela fome no Brasil. Foi só ele voltar ao governo para o País sair – de novo – do mapa da fome. Não custa lembrar que ele já havia tido a sorte de encaminhar essa retirada lá em 2014. E agora, vejam só, depois dos governos Temer e Bolsonaro terem empurrado o Brasil de volta ao abismo da miséria e da insegurança alimentar, eis que, com Lula presidente, o País deixa novamente esse ranking vergonhoso. É a tal da coincidência celestial: basta o homem assumir que o anjo da boa fortuna desce de carona no Alvorada”.
Há, no parágrafo anterior, uma clara contradição. No primeiro parágrafo, o autor fala de “garantias”. Ocorre que as tais garantias não existem. Se o Brasil saiu “de novo” do mapa da fome, é porque tinha voltado. Como não foram feitas mudanças profundas, bastou a subida ao poder de dois governos para tudo ruir.
Se um próximo governo de direita não corrigir a tabela, não reajustar conforme a inflação, voltamos à estaca zero. Ou melhor, nem voltamos ao período FCH.
O mundo da fantasia
Seguindo com seu tom entre irônico e propagandístico, o articulista atesta que:
“Demonstrações da sorte de Lula em seu pronunciamento não param por aí”. Segundo ele, “com Lula presidente, o Brasil alcança as menores taxas de inflação e de desemprego dos últimos anos – e, em alguns recortes, de toda a série histórica recente. A inflação, essa danada que assombra a vida do povo, está rodando na casa de 4% acumulados em 12 meses, dentro da meta e entre as mais baixas do G20. Já o desemprego, aquele tormento que tira o sono, baixou para cerca de 5,4%, a menor taxa desde 2012, com mais de 3,8 milhões de empregos criados desde o início do governo. Mas, claro, nada disso tem a ver com política econômica, previsibilidade, recomposição do investimento público ou com a valorização real do salário-mínimo que voltou a existir depois de anos de congelamento. Nada disso. Tudo obra da sorte desse cabra”.
A inflação é um dado enganoso. Para o trabalhador, interessam os aumentos dos preços dos itens da cesta básica e dos aluguéis.
Quanto ao desemprego, existe uma gigantesca quantidade de pessoas terceirizadas, “pejotizadas”, “uberizadas”, e um outro tanto que simplesmente desistiu de procurar emprego. Não bastasse isso, quase 40% das famílias brasileiras encontram-se endividadas.
Mais fantasias
Para Oliveiros Marques,
“Se formos levar em conta a realidade (sic) – aquela que teima em estragar boas narrativas – teríamos que reconhecer fatores menos místicos: a retomada dos investimentos públicos, a volta da estabilidade institucional, a redução de ruídos diplomáticos, a reabertura de mercados externos, o reaquecimento do consumo popular, a ampliação do crédito produtivo e o clima de segurança jurídica que atraiu capital privado. Mas não, não caiamos nessa armadilha racional. O que realmente move a economia brasileira é a estrela de sorte que paira sobre a cabeça de Luiz Inácio”.
Retomadas dos investimentos públicos é uma fantasia, metade do orçamento do governo está sendo sugado pelos bancos, que embolsam algo como R$7 bilhões diariamente do dinheiro público.
O que seria exatamente a redução de ruídos diplomáticos? O Brasil está mudo e calado enquanto os EUA atacam a Venezuela, país vizinho. O governo não rompe com “Israel”, um Estado genocida, mas cria caso com o governo Maduro e com o governo Ortega, na Nicarágua.
Estabilidade institucional, pode arriscar, sem medo de errar, que se trata da prisão ilegal de Bolsonaro e o avanço do STF sobre o Legislativo.
A realidade
Embora o articulista se esforce para pintar um quadro positivo do governo, não adianta ficar pregando para convertidos. O problema são os trabalhadores que se desgarraram. Os programas do governo que Marques citou são insuficientes. O próprio Bolsa Família, quem deu um aumento substancial no auxílio foi Jair Bolsonaro (PL).
Até o momento, o governo Lula não promoveu uma reaproximação real com a classe trabalhadora. O PT tem está muito mais preocupado com os setores médios da sociedade, muito mais inclinados para a direita.
Para promover um verdadeiro avanço na economia seria preciso enfrentar os bancos. Expurgar o Banco Central dos vampiros, pois os juros estão colocando enormes obstáculos à retomada econômica.
Lula deveria aumentar o Bolsa Família, pois é um dinheiro utilizado para a compra de gêneros de primeira necessidade e movimenta a economia. É preciso ousadia e agressividade do governo, caso Lula esteja pensando em se reeleger. Textos otimistas não vão substituir a realidade, servem apenas para manter um clima de “já ganhou”, que não ajuda em nada, apenas atrapalha.





