O economista Jair Souza, em artigo recente publicado pelo Brasil 247, procurou explicar de onde vem o fascismo. Sua explicação não é de todo errada; o maior problema está, no entanto, em seu caráter abstrato. Souza não aponta o que seria o fascismo nos dias de hoje, abrindo o caminho para uma interpretação oportunista sobre o fenômeno.
O articulista afirma que:
“As bases do fascismo estão profundamente assentadas no capitalismo em sua fase mais oligopolizada, ou seja, nos momentos em que o capitalismo ingressa em uma etapa de acentuada crise. Em condições de normalidade e pujança, as chances de o fascismo se impor são quase nulas. Como podemos constatar ao rever a história, em períodos em que o capitalismo não se sente ameaçado, as lideranças de tipo fascista costumam ser desprezadas e rejeitadas pelos próprios capitalistas, que as veem como grotescas e vulgares.”
O fascismo é, conforme o próprio autor indica, um recurso do grande capital, do imperialismo. O fascismo visa a destruição da democracia operária — um recurso violento, que sempre acaba causando uma grande crise política e que, justamente por isso, só é usado nos momentos em que o movimento operário se apresenta como ameaça à ordem capitalista.
Apesar de a consideração sobre a origem econômica do fascismo ser correta, a tese do autor já apresenta um problema quando vincula o fascismo a “lideranças” que seriam “grotescas e vulgares”. O fascismo, contudo, não tem a ver com traços de personalidade, mas sim com o sentido geral da política daqueles que o representam. O fascismo é o fechamento de sindicatos, é a violência policial, é a invasão de sedes partidárias etc.
Durante a histórica do século XX, esses episódios aconteceram tanto sob a liderança de pessoas grotescas, como sob a liderança de pessoas que a grande imprensa apresentaria como “civilizadas”. Dick Cheney, ex-vice-presidente dos Estados Unidos, que faleceu recentemente, nunca foi retratado como “grotesco” pelos jornais da burguesia. Ele, no entanto, foi o responsável pelo terror fascista no Iraque, que assassinou centenas de milhares de pessoas.
Não apenas não existe fascismo sem o apoio financeiro da burguesia, como também o fascismo só consegue se estabelecer se o Estado em si pavimentar o caminho para uma ditadura com essas características. E é aqui que reside o maior problema do texto: Souza ignora que, nos lugares onde o fascismo chegou ao poder, o Estado dito “democrático” preparou a sua chegada.
Durante todo o texto, Souza centra a sua preocupação nas ditas “lideranças” fascistas:
“Nos grandes expoentes do fascismo de quase todos os tempos e lugares, como Mussolini, na Itália, Hitler, na Alemanha, Milei, na Argentina, Bolsonaro, no Brasil, é comum que predominem as características que ressaltam sua pouca qualificação, sua incultura, sua grosseria, sua falta de fineza, ou seja, tudo aquilo que as elites sócio-econômicas considerariam repugnante para si própria em condições normais. É o preço que têm de pagar para que seus sagrados interesses de classe não sejam violados.”
Fernando Henrique Cardoso (FHC) era apresentado pela grande imprensa como um homem “culto”. Seu governo, no entanto, incorporou uma série de elementos fascistas. Ele foi responsável pela morte de milhares de crianças por fome e por impor violentas derrotas ao movimento sindical, cujos efeitos são sentidos até os dias de hoje. Da mesma forma, Michel Temer (MDB) não é apresentado como uma figura “grosseira”, mas, sob seu governo, o País quase foi submetido a uma ditadura militar.
Ao ignorar o papel da direita “civilizada” na ascensão do fascismo, o autor está endossando a principal campanha do imperialismo nos dias de hoje: a de que o mundo estaria dividido entre os “democratas” e os “fascistas”. Uma campanha que tem como objetivo convencer um setor da esquerda internacional a se submeter à direção política dos ditos “democratas” para impedir o avanço do fascismo.
Apoiar os “democratas”, no entanto, é acelerar a ascensão do fascismo. Como o próprio autor reconhece, o fascismo é um movimento de classe. Neste sentido, só pode ser derrotado por meio da mobilização e organização absolutamente independentes da classe trabalhadora, que não deve fazer qualquer tipo de concessão à direita “democrática” e suas medidas fascistas de fortalecimento da ditadura estatal.





