Uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, publicada na terça-feira (25) no mesmo despacho em que o Supremo Tribunal Federal (STF) oficializou as condenações do chamado “núcleo central” da acusação de “tentativa de golpe”, determinou que a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados casse o mandato do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), impondo ao parlamento um procedimento que, pela Constituição, cabe ao plenário.
No documento que consolida as penas — incluindo ordens de prisão contra diversos réus, entre eles Jair Bolsonaro — Moraes incorpora a cassação do mandato como parte da sentença, transformando sua determinação em instrução direta à Mesa Diretora.
O item 27 traz a ordem na íntegra:
“27. PERDA DO MANDATO PARLAMENTAR DO RÉU ALEXANDRE RAMAGEM RODRIGUES. Condenação do réu à pena privativa de liberdade superior ao período de 120 dias. Incompatibilidade entre o cumprimento da pena em regime fechado e o comparecimento do sentenciado a, no mínimo, 1/3 das sessões legislativas ordinárias. A perda do mandato deverá ser declarada pela Mesa da Câmara dos Deputados, nos termos do artigo 55, III, e § 3º, da Constituição Federal. Precedentes.”
A justificativa apresentada pelo ministro é a de que o cumprimento da pena impediria a presença mínima exigida, deslocando o caso para o inciso III do Artigo 55 — que trata da perda do mandato por faltas.
O que diz a Constituição — e o que Moraes tenta contornar
A Constituição Federal estabelece regras distintas para cada tipo de perda de mandato. A cassação decorrente de condenação criminal transitada em julgado está prevista no inciso VI:
Art. 55, VI — “Perderá o mandato o Deputado ou Senador que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.”
E determina, de forma categórica, o procedimento aplicável:
2º — “Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados, por maioria absoluta […] assegurada ampla defesa.”
Ou seja: não cabe à Mesa Diretora cassar o mandato — a decisão deve ser submetida ao plenário.
A cassação automática pela Mesa só ocorre nos casos previstos no §3º, que se refere aos incisos III a V:
3º — “Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa […]”.
O inciso III trata de faltas às sessões; o inciso IV trata de perda de direitos políticos; o inciso V, de decisão da Justiça Eleitoral.
Nenhum desses dispositivos se refere a condenação criminal definitiva.
A manobra do despacho consiste em enquadrar a pena de prisão como causa automática de faltas — deslocando o caso do inciso VI para o inciso III — anulando, na prática, o rito constitucional previsto.
Repetição da tese derrotada pelo Congresso
A imposição de cassação automática já havia sido tentada pelo STF durante o julgamento da Ação Penal 470. À época, parte da Corte sustentou que a decisão do Judiciário deveria ser “imediatamente executada” pelas Casas Legislativas. O Congresso rejeitou essa interpretação e reafirmou a prerrogativa constitucional do plenário.
O despacho de Moraes recupera essa orientação, impondo à Câmara um procedimento que o Legislativo não reconhece como válido.
Câmara já recusou ordem semelhante no caso Zambelli
No caso da deputada Carla Zambelli (PL-SP), também condenada, Moraes determinou a cassação direta pela Mesa. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), recusou a ordem e aplicou o procedimento previsto na Constituição: envio à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e deliberação do plenário.
Os dois ritos são mencionados como possíveis por setores da Casa, mas apenas um deles é expressamente constitucional para condenações criminais: o rito político, com votação aberta.
A definição sobre o destino do mandato de Ramagem voltará a recair sobre Motta, que terá de escolher entre obedecer ao texto constitucional ou seguir a determinação individual do ministro.
Judiciário avança sobre o Legislativo
Ao incluir a cassação no próprio despacho condenatório, Moraes não apenas determina a pena, mas define também o procedimento político da Câmara. A iniciativa reforça o papel assumido pelo STF como órgão que atua acima das prerrogativas do Legislativo, emitindo ordens diretas sobre mandatos parlamentares.
A disputa agora se dá no interior da Câmara — entre cumprir a Constituição ou seguir a ordem de Moraes.





