José Álvaro Cardoso

Graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal da Paraíba e Doutor em Ciências Humanas pela UFSC. Trabalha no DIEESE.

América Latina

A agressão à Venezuela, nos marcos da política de guerras eternas

A mobilização atual das forças armadas estadunidenses nas proximidades da Venezuela não é suficiente para tomar o poder na Venezuela, mas tem condições de causar muitos estragos

Observando a movimentação das tropas dos EUA no mar do Caribe, fica a dúvida se os EUA estão se preparando para uma ação militar mais efetiva, ou mesmo algum tipo de intervenção por procuração na Venezuela, visando derrubar o governo deste país. O governo dos EUA vem tentando derrubar a Administração da Venezuela desde quando Hugo Chávez foi eleito em 1998 e começou a nacionalizar os recursos do país e a colocá-los a serviço da população. Todas as ações com esse intento – sabotagens, mobilização e financiamento da oposição, atentados, o golpe de 2002 – deram errado.

Levando em conta este histórico e o agravamento da crise econômica de forma geral, é de se supor que o governo dos EUA está considerando seriamente a possibilidade de uma ação militar mais incisiva na Venezuela. Desde 1945 até agora, os EUA participaram de aproximadamente 80 operações de mudança de regime (golpes, tentativas de golpe, invasões com objetivo de derrubar governos) e mais de 250 intervenções militares entre 1991 e 2022 (incluindo operações menores). Além disso, interferiu em mais de 80 eleições entre 1946 e 2000. Seria muita imprudência por parte do governo de Caracas não considerar com muito cuidado a possibilidade de uma ação mais direta dos EUA contra o país.

As ações dos EUA na região até o momento já são extremamente graves. Desde setembro, quando começaram, até 16 de novembro, pelo menos 83 pessoas foram mortas em 21 ataques a 22 embarcações que os americanos classificaram de “suspeitas”. Além disso, o governo de Washington mantém patrulhas permanentes no mar do Caribe, supostamente para interceptar rotas de tráfico. Em novembro, o governo norte-americano dobrou a recompensa para US$ 50 milhões, por informações que levem à captura de Nicolás Maduro. O presidente eleito da Venezuela é acusado formalmente pelo governo Trump de chefiar o narcotráfico, praticar atos de corrupção e tráfico de drogas para os EUA.

O método de operação que está em marcha na região é um velho conhecido dos latino-americanos. A Venezuela, que detém a maior reserva de petróleo do mundo (cerca de 303 bilhões de barris comprovados), fica no “quintal” dos EUA, a 680 km da Flórida. O Oriente Médio, a maior reserva regional de petróleo, está a 10.000 km. O petróleo venezuelano oferece custos logísticos drasticamente menores, menor dependência energética de uma região muito instável politicamente e reservas para muitas décadas de consumo norte-americano. Além, é claro, do controle geopolítico da região, abalado por uma aproximação crescente da Venezuela com a Rússia, China e Irã. Aproximação esta completamente estimulada pelo comportamento hostil do império americano.

A mobilização atual das forças armadas estadunidenses nas proximidades da Venezuela não é suficiente para tomar o poder na Venezuela, mas tem condições de causar muitos estragos. Os EUA colocaram porta-aviões na região, incluindo o mais moderno do mundo, o USS Gerald R. Ford (CVN-78), que transporta mais de 5.000 marinheiros. Enviou vários destróieres, inclusive alguns equipados com sistemas avançados de mísseis para ataques de precisão, enviou uma força anfíbia, com 4.500 pessoas, incluindo 2.200 fuzileiros navais treinados para assaltos anfíbios rápidos. Enviou caças, chamados de furtivos (aviões projetados para evitar a detecção por radares e sistemas de defesa aérea inimiga), implantados em Porto Rico. Mandou também tropas especializadas em operações contra redes de tráfico de drogas e aviões de inteligência e vigilância. Em termos gerais, os EUA mantêm aproximadamente 15.000 soldados na região, 12 navios de guerra, 1 submarino nuclear e várias aeronaves de combate.

Esta é a maior mobilização militar dos EUA na região desde a invasão do Panamá, em 1989. O governo da Venezuela tem clareza que a situação requer todos os cuidados do mundo. O país acionou o “Plan Independencia 200”, mobilizando: cerca de 200.000 militares em exercícios nacionais, Sistemas S-300VM e Buk-M2E de defesa aérea, Caças Su-30 e F-16, navios e drones costeiros. Ativou também a Lei do Comando para a Defesa Integral da Nação, um marco legal que integra civis e militares sob comando centralizado, permitindo ao governo mobilizar todos os recursos nacionais (humanos, materiais, políticos) para a defesa nacional. O plano de defesa prevê ainda a mobilização de milicianos civis treinados, cujo número pode chegar a 2 milhões ou mais de pessoas (este número é impreciso, talvez por razões táticas).

Recentemente, navios de guerra russos se dirigiram para as proximidades da Venezuela, em uma manifestação de solidariedade geopolítica e o envio de uma mensagem bastante clara para os EUA. Com o gesto, o governo russo comunicou que se a OTAN, na prática comandada pelos EUA, pode expandir seu poder bélico até as fronteiras da Rússia, se pode cercar a Rússia com alianças militares que colocam em perigo a sua segurança, nada pode impedir Moscou de se expandir até a região que os EUA consideram seu “quintal”. Essa ação, que, aparentemente, os estrategistas norte-americanos duvidavam que se tornaria realidade, mostrou que a era do poderio americano desmedido acabou.

Com a folha corrida que os EUA têm, ninguém se ilude que o objetivo das ações é combater o “narcotraficante” Nicolás Maduro. Essa é uma tática muito manjada na América Latina. Na invasão do Panamá, em dezembro de 1989, que derrubou o General Manuel Noriega, os EUA acusavam o dirigente de tráfico de drogas. Noriega era um ex-agente da CIA que começou a se opor à intervenção norte-americana na América Central. Rotularam o General como narcotraficante, o prenderam e, ao mesmo tempo, bombardearam o país, que não tem defesa aérea e, na época, possuía apenas 2,3 milhões de habitantes e um exército de 3.500 soldados. Noriega, que enquanto foi útil aos EUA, recebeu muito apoio militar e financeiro, teve uma morte solitária em 2017, em hospital penitenciário no Panamá. Como tantos outros políticos, o General confirmou a teoria de que, mais perigoso do que ser inimigo dos EUA, é ser seu amigo.

O comportamento dos EUA em relação à Venezuela segue uma lógica que os EUA, com nuances, praticam desde a segunda invasão do Iraque, em 2003. Aquele foi um momento fundamental do imperialismo norte-americano, visando aprofundar o controle sobre a política mundial. O objetivo com essa política era esmagar os governos nacionalistas e impor os governos neoliberais, ou seja, impor a guerra econômica contra o povo, que é o que o neoliberalismo representa. A partir da invasão do Iraque, irão crescer muito as operações militares dos EUA sobre todos os países do mundo. Como resultado dessa política, nesse momento estamos com várias guerras e à beira de uma guerra generalizada no mundo.

Essa tendência de guerra generalizada não é algo que veio do nada. Ela vem sendo organizada ao longo dos últimos anos, na medida em que a crise econômica mundial foi se agravando. Na ausência de uma saída mais eficaz para a crise, a principal alternativa que o imperialismo vê para o problema é a guerra. Como, aliás, já ocorreu em outros momentos da história. O imperialismo espera que as ações beligerantes abram perspectivas para a saída da crise. Por exemplo, se o objetivo com a guerra na Ucrânia tivesse dado certo, ou seja, se a guerra tivesse afundado a economia da Rússia, esse acontecimento fortaleceria os EUA.

O imperialismo norte-americano sabe que essa política de tirar recursos dos investimentos econômicos e sociais para aplicação na guerra é uma opção muito dramática. Mas não vê outra saída, porque avalia que já perdeu a guerra econômica para a China. Sabe também que isso irá agravar a crise social, mas a opção é conter essa crise através da guerra. O exemplo mais evidente de que esta política é insana é o da Europa, cuja economia está sendo destruída em função da escolha (vassala) de apostar na guerra com a Rússia. Os governos europeus atualmente são um grande obstáculo para um acordo de paz na Ucrânia. E essa é uma derrota que parece líquida e certa, é uma questão de tempo. Ganhando ou não a guerra com a Rússia, essa opção deverá conduzir o continente a uma grande crise social. Curiosamente, a Europa quer a guerra, mas não tem nada: nem armas modernas, nem dinheiro, nem munições. Obviamente, dependendo de como as coisas se desenvolvam, a crise social pode aumentar muito. Mas a ideia do império é que a guerra vai frear a crise econômica e social e conter a luta de classes ao nível internacional. Não significa que vai dar certo, claro, mas esta é a ideia.

Nesse momento, o que eles pretendem, no terreno internacional, é construir as condições para um confronto. Os EUA podiam fazer um acordo, por exemplo, com Rússia e China, de cooperação internacional, nas várias áreas. Ambos os países desejariam muito isso, desde que em condições de ganha-ganha, pois não querem a guerra. Mas o imperialismo não quer fazer qualquer concessão, porque isso iria fortalecer os seus inimigos e, dadas as condições econômicas atuais, seria um perigo mortal para a existência do imperialismo. A Venezuela, e o mundo, terão fortes emoções pela frente.

Parece fora de dúvidas que o imperialismo não irá enfrentar a sua crise econômica e de hegemonia com uma postura conciliadora, aceitando as mudanças, aceitando um mundo multipolar ou coisa que o valha. E não se trata do governo de Donald Trump — que inclusive atrapalha um pouco a estratégia belicista, por causa de seus compromissos políticos — mas de qualquer governo estadunidense. O império vai continuar tentando reagir ao declínio de maneira violenta, através das guerras eternas.

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