O artigo A prisão de Bolsonaro representa uma vitória do Estado Democrático de Direito, escrito por Francisco Calmon, apresenta, já em seu título, uma contradição em termos que revela a profunda ignorância da esquerda pequeno-burguesa. Prisão não é uma característica típica de um Estado de Direito — a não ser, excepcionalmente, que seja a prisão de alguma autoridade que tenha utilizado sua função estatal para suprimir o direito de alguém, o que não é o caso.
Calmon inicia seu artigo dizendo que “a tentativa de romper a tornozeleira eletrônica configura claro descumprimento da condição de prisão domiciliar, e agora o Bolsonaro e seus aliados alegam que ele ouvia vozes vindas do aparelho. Só se forem as vozes dos 700 mil mortos pela covid”.
Deixando de lado qualquer discussão sobre os fatos, pois nem Calmon estava presente para saber o que de fato aconteceu, questionamos: prender alguém que tenha violado sua tornozeleira eletrônica é uma vitória do Estado de Direito? Não. O Estado de Direito é aquele onde os cidadãos têm um conjunto de direitos para protegê-lo das arbitrariedades do Estado. No caso em tela, Bolsonaro, que não cumpre nenhuma função na máquina estatal, está sendo acusado de ter desobedecido uma medida determinada pelo Judiciário.
O Estado é invencível em qualquer batalha contra o indivíduo. Como dizia o revolucionário Friedrich Engels, o Estado é, acima de tudo, um destacamento de homens armados. O Estado detém o monopólio da força — e é justamente por isso que ele precisa ser freado. É por isso que são necessários direitos democráticos, para que os cidadãos não sejam submetidos a um poder descomunal que ignore os interesses da maioria.
No caso em tela, a única discussão sobre o Estado de Direito que poderia ser levantada é se os direitos de Bolsonaro enquanto cidadão estão sendo respeitados. E, independentemente do apreço que o articulista tem pelo ex-presidente, não há como negar que não estão.
Bolsonaro foi condenado a uma pena praticamente de prisão perpétua — 27 anos de cadeia — por um crime no qual sua participação não foi comprovada. Seus advogados sequer conseguiram ler todos os documentos da acusação, visto que o prazo dado para a leitura era ínfimo. A sua prisão preventiva, por sua vez, sequer tinha a ver com o processo pelo qual foi condenado. Bolsonaro estava em prisão domiciliar por uma decisão judicial liminar por causa de ações realizadas por seu filho, o que é escandaloso.
A repressão a Bolsonaro — condenações, processos, penas etc. — não é um processo jurídico normal. É um movimento típico de uma ditadura. Esta repressão, no entanto, só se sustenta por meio de uma cobertura política, por meio de uma propaganda contra a pessoa de Bolsonaro. O autor, por seu turno, entra de cabeça nesta campanha:
“Ele provoca, se mantém no foco da mídia como tática permanente, e apela para o vitimismo para comover seu eleitorado, quando o calo aperta. Considera a Suprema Corte como suprema tola, para a qual pensa que pode engabelar. Sua palavra não tem credibilidade, é um mitômano despudorado que culpa um delírio esquizofrênico pelo ato de tentativa de romper com a tornozeleira, que era condição para a prisão domiciliar preventiva.
(…)Bolsonaro é um mané que se acha malandro, um ignorante que se acha inteligente, um biltre que se acha acima das leis. Se ele tivesse passado pelo que passei, junto de outros companheiros, na ditadura, precisaria de fralda geriátrica em dobro, de tão frouxo que demonstra ser. Não deve mais permanecer em casa, pois pode provocar um acidente que prejudique todos na residência, afinal, quem ouve vozes da tornozeleira pode ouvir outras vozes até mesmo da privada, mandando-o realizar ações perigosas e atentatórias à segurança de todos da residência.”
Nada disso que o autor cita é crime, o que dá ainda menos credibilidade ao processo judicial. Se Bolsonaro deve estar preso, por que os articulistas que defendem sua prisão não se dedicam a apresentar as provas, em vez de criticá-lo moralmente?
No final das contas, o que o articulista defende, por pura conveniência, é a liquidação do Estado de Direito. O que Calmon demonstra é que a esquerda pequeno-burguesa, diante de seu vício furioso em eleições, é capaz de abrir mão de qualquer princípio para prejudicar seus adversários. É a defesa da selvageria política.





