Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Coluna

É preciso desconfiar dos consensos da imprensa

Nada que se publica na imprensa está ali por acaso

A imprensa burguesa é pródiga na arte de sofismar, tentando e, quase sempre, conseguindo fazer parecer que presta um serviço à população e que defende os seus direitos. No noticiário político propriamente dito, muita gente já percebe o viés (e a polarização ajuda nisso), mas é preciso observar que, em todas as seções dos jornais, o que se faz é política – e nunca a favor do povo.

Um recente episódio ilustra bem o problema: um certo youtuber chamado “Felca”, antes de se tornar um super-herói defensor das crianças, era apenas um sujeito bobo que dizia tolices para adolescentes, mas, de repente, tornou-se o descobridor de uma perigosa rede de pedofilia que se alimentava de vídeos de crianças “adultizadas”. O termo, criado por ele, está longe de definir algo com precisão para o conjunto da sociedade, mas é compreendido pela burguesia, cujos filhos têm escola, alimentação, casa, médico etc. De qualquer forma, ninguém queria discutir nada disso. O teatro todo serviu para que mais uma lei de “censura do bem” fosse aprovada para cercear o uso das redes sociais, mas sob o pretexto de proteger as crianças dos terríveis perigos ocultos na internet. Aprovada de afogadilho, a “Lei Felca” aparentemente nos livraria do Apocalipse. Só que não.

O controle das redes sociais é uma prioridade da burguesia, mas essa classe, que vampiriza os trabalhadores, tem vários outros interesses. O mais relevante, que está na base de todos, é manter sua posição, auferir mais e mais dinheiro e poder. Quando a imprensa começa a bater muito numa tecla, a cautela pede desconfiança. Como se diz, “aí tem”.

Nas páginas de saúde dos jornais, todos os dias ficamos sabendo, por uma miríade de artigos escritos por aqui ou traduzidos de jornais estrangeiros, que doenças crônicas como diabetes e câncer, entre outras, podem ser prevenidas com “hábitos saudáveis”, o que desloca o problema da cura para a causa do adoecimento, ocasionada pelo próprio paciente. Em outras palavras, bastaria manter alimentação saudável (não ingerir alimentos ultraprocessados, gordurosos, doces, salgados), praticar exercícios físicos, não fumar, não ingerir bebida alcoólica, dormir oito horas por dia, evitar o estresse e, inclusive, evitar o “excesso de telas”, que também pode causar um sem-número de doenças.

A pessoa que lê esse material, dia após dia, tende a se convencer de que manter a saúde é um projeto individual. Sabemos, porém, que os alimentos ultraprocessados são mais baratos e também mais fáceis de preparar, o que os faz serem consumidos pelas pessoas com menos recursos e que passam o dia todo no trabalho e no transporte público, sem tempo para cozinhar e obviamente sem empregados que preparem na hora as suas refeições. Evitar o estresse também é para poucos. Falta de dinheiro, trabalho em excesso, abolição das férias – que é a realidade da maior parte dos trabalhadores, condenados ao “empreendedorismo MEI” – tudo isso estressa qualquer mortal.

Hoje nossos dados circulam livremente pela sociedade. A troco de receber descontos ou um cashback, fazemos cadastros em farmácias, supermercados, sites de compras na internet. Pagamos contas com cartão de crédito. Em suma, somos rastreados ou rastreáveis. Amanhã ou depois, nosso perfil de consumo poderá informar a empresas de plano de saúde, por exemplo, se somos pessoas dedicadas ao autocuidado ou se somos dados a maus hábitos – e isso poderá interferir na cobertura de doenças ou no preço do plano. Ainda não é assim, mas aposto uma picanha com cerveja que os empresários do setor já estão pensando nisso ou em coisa pior.

Outro tema que vem sendo apresentado na imprensa é o da “morte digna”, sempre do ponto de vista do elogio da decisão de quem decide partir desta para melhor em vez de atormentar os familiares com sua doença e – o que é mais importante – de fazer as empresas e mesmo o estado gastarem recursos com a manutenção de sua vida. É claro que a própria expressão “morte digna” enfatiza o direito da pessoa de não permanecer em sofrimento. Até aí, pode haver casos que realmente levem a esse tipo de desfecho por opção do doente, mas como confiar de olhos fechados em diagnósticos feitos por quem põe o conceito de “custo-efetividade” na frente de tudo?

Amanhã ou depois, planos de saúde oferecerão descontos para quem fizer opção por “morte assistida” depois de certo tempo de tratamento ou de acordo com o diagnóstico. Parece distópico? O sistema em que vivemos é cada vez mais distópico – e podemos esperar praticamente tudo. A imprensa vai criando um discurso único em torno de um tema, como se fez com o caso do Felca, e, de repente, todo o mundo está concordando com aquilo. O truque é o de sempre: omitem-se dados importantes da questão, que é apresentada de forma simplificada e direcionada. Aproveita-se o ritmo das redes sociais, que rapidamente levam os temas aos trending topics, e se aprovam leis sem debate aprofundado.

É preciso, portanto, desconfiar de tudo o que se lê repetidamente na imprensa, ainda que não se vejam as suas consequências macabras. Nada que se publica nos jornais está ali por acaso.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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