Universidade Marxista

A crise aberta após a Proclamação da República

Curso retoma módulo sobre a República e aprofunda origem das crises políticas do País

As aulas do módulo Da república ao fascismo do curso Brasil: uma análise marxista de 500 anos de história tiveram continuidade nesta quinta-feira (20), retomando a exposição sobre o surgimento da República, sua estrutura social e a formação das crises políticas que atravessam o País desde o final do século XIX. O curso, ministrado por Rui Costa Pimenta, presidente nacional do PCO, segue até sábado (22), desenvolvendo uma leitura materialista do Estado brasileiro e das transformações provocadas pela luta entre as classes dominantes, a pequena burguesia e o nascente movimento operário.

Logo no início da aula, Pimenta ressaltou um problema persistente na produção historiográfica brasileira: o fato de que a história “oficial” ignora completamente acontecimentos decisivos para o desenvolvimento nacional e supervaloriza episódios marginais. “Certos historiadores não ficam satisfeitos com o acontecimento tal ou qual, mas historiador não tem de ficar satisfeito; tem de explicar o que ocorreu”, afirmou. Essa distorção, que o dirigente qualificou como uma forma de higienização da história, leva a uma compreensão profundamente equivocada da formação social do País. Pimenta observou que até ferramentas automáticas e sistemas de inteligência artificial reproduzem esse método, suprimindo ou minimizando eventos centrais.

Como exemplo disso, citou o caso de Canudos: “foi um massacre, foi importante, mas é secundário”. Segundo ele, a supervalorização do episódio contribui para apresentar o fato como algo isolado, enquanto acontecimentos decisivos, como a Proclamação da República e suas crises, são banalizados.

A exposição avançou examinando a divisão tradicional da história republicana: República Velha (1889-1930), República Nova (1930-1937), Estado Novo (1937-1945), República liberal (1945-1964), Ditadura Militar (1964-1985/1988) e Nova República (1988 até hoje). Pimenta destacou o caráter artificial dessa classificação, criada para retirar o caráter político do processo histórico.

O Estado Novo, por exemplo, é retirado da própria denominação de “República”, embora tenha sido um regime organizado pelo próprio Estado brasileiro, com ampla base militar e sustentação das oligarquias. A distinção não busca precisão histórica, mas sim ocultar a natureza ditatorial do regime criado por Vargas, tratando-o como episódio externo à linha republicana. Rui lembrou que essa forma de classificação imita o padrão francês, que separa regimes de exceção, ao contrário da tradição argentina, em que a queda de uma ditadura significa a retomada imediata da Constituição anterior.

Segundo Pimenta, a exclusão dos golpes militares como elementos centrais do desenvolvimento brasileiro é uma operação ideológica: “é uma concepção extremamente esquemática e simplista da história ignorar os golpes militares”. Observou que, mundialmente, golpes militares são fenômenos comuns e, na América Latina, são regra e não exceção, tanto em processos progressistas quanto reacionários. A própria Revolução Russa, lembrou, poderia ser classificada como um “golpe militar” se a análise não fosse feita pelo conteúdo político do movimento.

Crise, reação monarquista e jacobinismo militar

Rui Costa Pimenta, então, detalhou o processo político aberto em 1889. A versão corrente, divulgada em livros didáticos e reafirmada em materiais acadêmicos, apresenta a Proclamação da República como uma transição pacífica. O dirigente refutou essa representação: “é falsa a ideia de que a Proclamação da República foi um golpe passivo. Na hora, ninguém reagiu porque foram pegos de surpresa, mas logo o governo teve de fechar jornais, prender opositores e lidar com uma crise enorme”.

A reação monarquista reorganizou suas forças imediatamente após o golpe, enquanto setores da esquerda republicana nos quartéis passaram a se radicalizar. Formou-se, entre os jovens oficiais, o chamado “jacobinismo militar”, profundamente hostil às oligarquias estaduais e a partidos como o PRP (Partido Republicano Paulista).

Benjamin Constant, figura central da Proclamação, teve grande influência nesse oficialato, que passou a defender abertamente uma ditadura militar republicana contra a tentativa de restauração monarquista. Essa polarização impediu o PRP de conduzir uma transição controlada, como pretendia.

Deodoro da Fonseca tentou impor uma política reacionária, demitindo ministros republicanos, o que ampliou a crise e o isolamento. Na Constituinte, foi eleito presidente, mas seu vice, Floriano Peixoto, era o principal representante da ala esquerda do Exército. Essa composição altamente contraditória alimentou a instabilidade.

Quando Deodoro, isolado e sob pressão das oligarquias, decretou estado de sítio, a Primeira Revolta da Armada deflagrou sua queda. Floriano assumiu em seguida e enfrentou a Segunda Revolta da Armada, que chegou a bombardear o Rio de Janeiro para forçá-lo a renunciar.

Guerra civil no Sul e o avanço da esquerda republicana

A crise republicana não se limitou ao Rio. No Rio Grande do Sul, eclodiu uma guerra civil que se espalhou para Santa Catarina e Paraná, provocando a morte de cerca de 10 mil pessoas. As tropas monarquistas e federalistas foram derrotadas pelo coronel Moreira César, expoente da ala mais radical da esquerda militar, que se tornou conhecido como “corta-cabeças” pela execução sumária dos inimigos.

Mesmo fortalecido militarmente, Floriano não conseguiu articular uma estrutura política capaz de sustentar sua candidatura. O PRP assumiu o comando da transição e elegeu Prudente de Morais, colocando definitivamente a República nas mãos da oligarquia paulista.

Pimenta detalhou a base social da República Velha. A economia brasileira, sustentada pelo café, já dava sinais de decadência mesmo antes de 1889. A Guerra do Paraguai havia provocado um endividamento gigantesco, e as oligarquias pressionavam por maior autonomia estadual, rompendo com a centralização do Império.

A oligarquia paulista tentou transformar o Estado em instrumento exclusivo de seus interesses. Para manter os preços altos do café, defendeu o uso de recursos públicos para comprar e estocar a produção, política fundamental para suas disputas com oligarquias rivais, especialmente a do Rio Grande do Sul.

Essa disputa moldou três momentos distintos da República Velha:

Primeiro período (1889–1897): governo de Deodoro, Floriano e Prudente, marcado pela crise originada da Proclamação da República e pelas tentativas fracassadas de estabilização.

Segundo período (1898–1909): consolidação da política do “café com leite”, com Campos Sales, Rodrigues Alves e Afonso Pena.

Terceiro período (1909–1930): início da crise final, com Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca, seguido pelos governos fracos de Venceslau Brás e Epitácio Pessoa, culminando na queda com Arthur Bernardes e Washington Luís.

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, houve um breve período de estabilidade, interrompido pelo impacto decisivo da Revolução Russa de 1917. As greves operárias, já presentes antes, explodiram e se tornaram um problema central para a oligarquia do café.

Em 1929, com a quebra da Bolsa de Nova Iorque, a República Velha chegou ao fim.

Imperialismo e comércio exterior

A exposição analisou a influência imperialista na economia brasileira através do comércio de exportação. O cafeicultor de Ribeirão Preto vendia sua produção a intermediários nacionais que, por sua vez, revendiam nos Estados Unidos e no Reino Unido. Essa estrutura deixava o grosso dos lucros nas mãos dos compradores estrangeiros, enquanto os produtores ficavam com uma parcela mínima.

Rui Costa Pimenta destacou ainda o caráter especulativo do mercado cafeeiro. Era possível comprar, em 1907, o café que apenas seria colhido em 1910, alimentando uma máquina financeira semelhante ao mercado de petróleo atual. Mesmo ficando com a menor parte dos lucros, os cafeicultores brasileiros ganharam fortunas equivalentes, em proporção, às arrecadadas hoje pela Arábia Saudita.

E a classe operária?

Segundo Pimenta, até meados da década de 1910, a luta política era travada essencialmente entre a burguesia e a pequena burguesia. A entrada da classe operária na cena política, especialmente após 1917, alterou profundamente as relações de poder. Para manter sua hegemonia, a oligarquia paulista precisou fazer concessões a outras oligarquias estaduais e aos militares. Quando a capacidade de concessão se esgotou, o regime veio abaixo.

O dirigente destacou que a luta de classes não se limita a “ricos contra pobres”. As disputas internas da burguesia são, elas próprias, resultado da luta de classes. Como exemplo contemporâneo, citou a disputa entre setores da burguesia representados pelo bolsonarismo e os representados pelo STF, observando que não se trata de “fascismo versus democracia”, mas de dois setores burgueses em conflito.

As próximas atividades do curso prosseguem até o sábado, aprofundando a crise da República Velha, a década de 1920, o impacto da Revolução de 1917, a formação da classe operária e o avanço do fascismo no País.

Gostou do artigo? Faça uma doação!

Rolar para cima

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Quero saber mais antes de contribuir

 

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.