O texto Defesa de Bolsonaro quer vê-lo em domiciliar, à espera do papai Noel, publicado em 17 de novembro pelo Brasil 247, expõe a mais nova tara da esquerda pequeno-burguesa brasileira que se diz antibolsonarista: escolher onde o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) irá cumprir sua pena de prisão.
Antes de mais nada, é preciso denunciar que todo esse mesmo setor da esquerda nacional capitulou diante de um dos episódios mais fascistas da história brasileira: a chacina dos Complexos da Penha e do Alemão. As mesmas pessoas que escrevem páginas e mais páginas em um suposto combate contra o bolsonarismo foram incapazes de dizer que assassinar 130 favelados é fascismo. Esse simples fato impugna qualquer ideia de que a esquerda pequeno-burguesa esteja travando uma luta real contra a extrema direita.
O texto em questão, assinado por Denise Assis, começa assim:
“Enquanto a defesa de Bolsonaro prepara laudos médicos provando suas ‘crises de soluços’ para que ele passe a jato, da prisão domiciliar atual, para a domiciliar dos sonhos – a que vai durar alguns míseros anos – porque ninguém acredita que ele tenha a força e a hombridade do presidente Lula, que aguentou a prisão com a tenacidade dos que têm a certeza e a consciência da inocência -, nós ficamos em contagem regressiva.”
A questão fundamental para a luta política, contudo, não é a “hombridade” ou qualquer outro traço de personalidade das lideranças do País, mas sim que política foi seguida em cada momento. No caso da prisão de Lula, a direção do Partido dos Trabalhadores (PT) cometeu um erro gigantesco, que poderia resultar em um desastre. Conforme o próprio líder petista já declarou em várias oportunidades, ele mesmo decidiu se entregar porque acreditava que a verdade iria prevalecer — isto é, que ele conseguiria “provar sua inocência”.
Acontece que não se prova inocência, se prova culpa. O que o PT deveria fazer era levar uma luta política para expor a perseguição do Estado brasileiro ao seu líder. O partido deveria ter mobilizado sua base para impedir a prisão de Lula — e, uma vez que esta acontecesse, mobilizado para libertá-lo. Em nenhum momento, esta foi a política do PT. Lula ficou preso 580 dias, mas poderia ter ficado 13 anos se dependesse da política de seu partido.
Tenha Bolsonaro “hombridade” ou não, o que ele e seus apoiadores estão tentando fazer é confrontar a perseguição estatal. O ex-presidente, por exemplo, tem se negado a apoiar Tarcísio de Freitas (Republicanos) como candidato à presidência da República, o que demonstra uma disposição para o enfrentamento. Não há nenhuma ilegalidade nisso. Qualquer pessoa que se sinta perseguida pelo Estado tem todo o direito de lutar contra este mesmo Estado.
Também chama a atenção a última frase do trecho que citamos. Por que a esquerda deveria estar em “contagem regressiva”? O que efetivamente irá mudar para a esquerda se Bolsonaro permanecer em prisão domiciliar, for para um presídio comum ou para unidade militar? Absolutamente nada. Contudo, isso diz muito sobre a política da esquerda pequeno-burguesa no momento: em vez de travar uma luta política séria contra os inimigos da população diante de uma ofensiva fascista, este segmento prefere “aguardar” a ação estatal.
Denise Assis, então, segue dizendo que “nós, que vivenciamos tudo o que ele nos impingiu, não podemos agora fingir que não torcemos para que Jair Bolsonaro e seus cúmplices paguem por tudo que arquitetaram e tentaram: nos tirar o bem maior, a democracia”. A própria ideia de que alguém irá “pagar” por um crime por passar alguns anos na cadeia é, em si, reacionária. A autora realmente acredita que deixará de haver golpe de Estado porque meia dúzia de políticos foram presos?
É ridículo. Para impedir que aconteça um golpe de Estado, seria preciso restringir os poderes das pessoas e das instituições que são propensas ao golpismo. Isto é, as Forças Armadas, o Supremo Tribunal Federal (STF), os bancos, a grande imprensa etc. Nada disso está sendo feito. Pelo contrário: a campanha despolitizada da esquerda pequeno-burguesa em torno da prisão de Bolsonaro fortalece esses setores.





