Fiquei surpreso de ver, durante uma assembleia extraordinária ocorrida na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), um pequeno grupo obstinado em defender a tutela da Pró-Reitoria de Assistência e Promoção ao Estudante (PRAPE) sobre os alunos. Este grupo, composto pela maioria dos integrantes da coordenação da Residência Universitária Masculina e Feminina da UFPB (RUMF), se insurgiu contra a reivindicação democrática mais importante daquela assembleia: a suspensão das chantagens da Reitoria contra os estudantes.
A assembleia em questão ocorreu no dia 11 de novembro, no prédio da RUMF. Ela foi o resultado de um movimento crescente dos residentes, que vêm realizando uma campanha pelo aumento das bolsas de assistência estudantil e pela gratuitidade do Restaurante Universitário. A mobilização obrigou a própria Reitoria a agendar uma Audiência Pública com os residentes para ouvir as suas demandas.
A assembleia conseguiu reunir dezenas de estudantes, apontando que, cada vez mais, os discentes compreendem que sua auto-organização é o único caminho possível para conquistar suas reivindicações.
No centro dos debates, estiveram as preocupações econômicas dos alunos. Sem a assistência estudantil, a permanência universitária se torna impossível para uma parte expressiva do corpo discente. Com uma bolsa de R$400 — o que corresponde míseros R$13 por dia do mês —, um estudante de renda baixa é incapaz de ter suas necessidades mais elementares atendidas nos dias de hoje.
As demandas em relação à assistência estudantil, por sua vez, estão diretamente ligadas a um problema político mais amplo. Todos os direitos sociais do povo brasileiro, elencados no artigo 6º da Constituição Federal, estão sob ameaça ou foram completamente destruídos nos últimos anos:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”
A Constituição não diz que apenas quem é rico deve ter acesso a esses direitos. Se são direitos sociais, todos eles devem ser assegurados ao povo, independentemente de qualquer condição. Afinal, a mesma Constituição estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
O Estado não cumpre com os direitos sociais por um único motivo: como disseram Karl Marx e Friedrich Engels, ele é um balcão de negócios da burguesia. Embora a Lei diga que o poder emana do povo, quem controla o Estado são os banqueiros, e não o povo. O Estado não permite que a população tenha acesso aos direitos sociais porque o dinheiro do Estado está comprometido com os bancos.
Segundo dados da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, mais de 50% de todo o orçamento nacional foi destinado, em 2021, ao pagamento de juros aos bancos. Enquanto isso, os gastos com educação ocuparam menos de 2,5% do orçamento.

Esta é a essência da chamada política neoliberal: cortar todos os “gastos” sociais para “economizar” dinheiro para os bancos.
As dificuldades na assistência estudantil são um mero reflexo dessa situação. A Reitoria, cujo dinheiro depende diretamente do Estado brasileiro, atua como uma administradora da política de cortes sociais. É uma instituição pressionada a diminuir toda forma de assistência estudantil, uma vez que o orçamento para a educação é cada vez mais estrangulado.
Toda esta situação faz da mobilização dos estudantes um problema decisivo para que suas reivindicações sejam atendidas. Não interessa à Reitoria aumentar os “gastos” sociais. Muito pelo contrário. No que depender da instituição, ela irá fechar cursos, demitir professores e acabar com programas de assistência estudantil para cumprir com o orçamento federal.
Só será possível mudar essa situação por meio da pressão daqueles que têm tudo a perder, daqueles que dependem dos programas sociais para se manterem na universidade: os estudantes. Apenas a mobilização estudantil, com o apoio da comunidade acadêmica, será capaz de levar adiante uma luta até as últimas consequências pelos direitos sociais dos discentes.
E é justamente por isso que me surpreende a postura da coordenação da RUMF. O papel de um órgão deste tipo seria o de representar os interesses estudantis diante das instituições da UFPB. Mas como a coordenação pretende representar os estudantes, se não respeita os mecanismos democráticos de discussão dos residentes?
Para melhor situar o leitor no debate, é preciso falar um pouco do comunicado que deu origem à polêmica. Há algumas semanas, a PRAPE — isto é, um braço institucional da Reitoria — emitiu um comunicado avisando aos residentes que seriam realizadas vistorias em seus quartos com fins de recenseamento. No comunicado, a PRAPE adverte que aqueles que se negarem a ter seus quartos vistoriados, poderão ter seus auxílios suspensos.
Não vou aqui entrar no mérito da necessidade ou não das vistorias. O que merece atenção é o fato de que a assistência estudantil está sendo utilizada como instrumento de chantagem. Ela deixa de ser um direito e passa a ser uma concessão: só receberá o auxílio aquele que estiver de acordo com as medidas administrativas da Reitoria. Conforme o artigo 5º da Constituição que citei, trata-se, obviamente, de uma ilegalidade.
As consequências de um ato como este são imprevisíveis. Se a assistência estudantil está condicionada a uma decisão administrativa, o que garantirá que seu corte não servirá para a perseguição política? O que impedirá que surjam novos pretextos para a suspensão de bolsas, com o fim de diminuir os “gastos” sociais?
A cláusula inventada pela PRAPE dá mais poderes para que uma instituição ligada ao Estado dite seus interesses sobre os estudantes. É um golpe contra a auto-organização dos discentes, um golpe contra o movimento estudantil.
Medidas como esta servem apenas para acorrentar os alunos aos interesses neoliberais da Reitoria. Por isso, meu espanto com uma coordenação que defenda este tipo de medida.
A propaganda neoliberal é muito intensa em toda a sociedade. A todo momento, aparecem ideias como a de que “o povo sofre porque é corrupto”, de que “morador de favela é tudo bandido”, de que “a Previdência social é muito cara” etc. Por isso, a ideologia neoliberal acaba se infiltrando mesmo onde deveria ser rechaçada.
Todos os integrantes da coordenação da RUMF são estudantes e, portanto, mais que bem-vindos em uma luta contra o parasitismo neoliberal que destrói os direitos sociais dos discentes. No entanto, é preciso que aqueles que se colocaram na tarefa de coordenar a RUMF reflitam sobre a função que desempenham. Se a coordenação considera legítimo que a Reitoria imponha suas decisões sobre os estudantes, ela está atuando como uma correia de transmissão da política neoliberal dentro da UFPB. Ela não está representando os estudantes, mas sim os interesses daqueles que impedem que os alunos tenham suas reivindicações atendidas.





