No dia 10 de novembro, foi publicada na Folha de São Paulo uma coluna de autoria de Hélio Schwarzman com sua apreciação sobre a questão da segurança pública e sobre a chacina cometida pela polícia do Rio de Janeiro no final de novembro, conhecida como “Operação Contenção”, que tirou a vida de mais de 130 pessoas e aterrorizou a população.
O texto se inicia com:
“Quando saí em férias, Lula vivia um doce idílio com as pesquisas eleitorais, escorado no enfraquecimento do bolsonarismo e na perspectiva de aprovação de medidas econômicas populares. Mas aí veio a malfadada Operação Contenção, que resultou numa pilha de 121 cadáveres e mudou o eixo do debate nacional, que migrou da economia para a segurança pública.”
O parágrafo em questão é interessante, pois demonstra como a burguesia não dá tempo ao governo Lula e ao PT. Logo após forçar o partido a entrar de cabeça na política da censura e do fim de praticamente todos os direitos políticos do povo em nome de combater o bolsonarismo, agora, a mesma burguesia tenta a capitulação da esquerda em relação aos assassinatos sumários, às chacinas e ao que chama de “segurança pública”, que nada mais é do que uma política de dar justificativas para assassinatos em massa por parte da polícia.
A ideia de que “a esquerda sempre negligenciou a segurança pública” é rotineira nos artigos e colunas de jornais como a Folha de São Paulo, O Globo, o Estadão e os demais meios de comunicação da burguesia e já vinha sendo colocada com mais frequência antes mesmo da chacina no Rio. É uma forma de tentar colocar a esquerda na defensiva antes das eleições, de modo que, com medo da opinião negativa do eleitorado, a esquerda capitule. É o que aparece no parágrafo seguinte do texto de Schwarzman:
“A próxima leva de pesquisas indicará se o deslocamento narrativo trouxe danos à popularidade presidencial e, em caso afirmativo, qual a sua extensão. Segurança é um terreno em que a esquerda tradicionalmente vai mal. Não penso que a direita se saia melhor, mas seus equívocos estão mais em linha com os anseios populares, que é o que importa eleitoralmente.”
É mentira que os anseios populares sejam que a polícia tenha o direito de realizar massacres contra essa mesma população. Como dissemos acima, essa ideia é um artifício para que a esquerda pequeno-burguesa, que não tem programa próprio e se choca com facilidade com a opinião da burguesia, capitule e acabe aderindo à política de extermínio da população.
A esquerda não negligencia, nem “vai mal”, quando o assunto é segurança. O problema é que a esquerda sempre teve um outro programa em relação a isso. A esquerda sempre se preocupou em acabar com a violência estatal, a maior de todas as formas de violência.
A questão da Palestina, por exemplo, é elucidativa. Nenhuma pessoa é capaz de causar um morticínio tão grande quanto o que vemos hoje em Gaza. O Estado de “Israel”, por sua vez, consegue massacrar toda uma população e destruir todas as cidades da região com suas bombas.
É por isso que é hipocrisia da direita e da burguesia falar em segurança pública, quando a maioria absoluta das chacinas no Brasil são feitas pelo Estado e, quando não são, uma grande parte é feita por grupos de extermínio de policiais e por milícias ligadas à polícia.
A esquerda, por sua vez, diante dessa situação, deveria exigir o fim da polícia no Brasil e a criação de milícias populares, em que os responsáveis pela segurança dos bairros fossem eleitos pelos moradores.
O texto de Schwarzman continua:
“Como sempre digo aqui, polícia é civilização. Um dos maiores passos para a pacificação social foi dado quando o Estado tomou para si o monopólio do uso legítimo da violência, isto é, quando criou a polícia.”
Deixando de lado o fato de que o colunista elogia a polícia nem duas semanas após a maior chacina policial da história, a chamando de “civilização”, vamos analisar alguns pontos colocados por ele.
É verdade que a polícia, assim como o surgimento do Estado, são progressos para a humanidade, assim como todas as coisas já desenvolvidas pelo ser humano. No entanto, todas as coisas quando surgem são um progresso e acabam se transformando em um retrocesso na medida em que o mundo evolui.
Também não quer dizer que, por ser um progresso, determinada coisa é pura, limpa, pacífica e racional. A polícia como a conhecemos já surgiu violenta e irracional, defendendo os interesses da propriedade privada em meio ao desenvolvimento do capitalismo. Era um progresso pois, sem ela, não é possível imaginar o capitalismo e todo o desenvolvimento que esse sistema de produção trouxe para a humanidade.
No entanto, os séculos se passaram e o próprio capitalismo, assim como a classe que detém o poder hoje e as formas que ela utiliza para manter sua dominação, ou seja, a existência da própria polícia, são um retrocesso para todos os seres humanos. Antigamente, a polícia era violenta e assassina, mas tinha importância ao garantir o sistema nascente. Hoje, pelo contrário, mantém um sistema decrépito e que nada tem a oferecer a ninguém.
Podemos fazer algumas comparações históricas entre a polícia e aqueles que garantiam que os escravos não fugiriam, que aqui no Brasil eram chamados de capitães do mato. Se olharmos para o período em que a escravidão em larga escala se iniciou no mundo, na antiguidade, veríamos ela e seus instrumentos de dominação como um progresso. Ninguém dirá que os livros que nos chegaram de Platão, Aristóteles e Homero, por exemplo, que são fruto do regime de escravidão, não são um progresso. No entanto, a escravidão nos dias de hoje é algo completamente deplorável.
A posição de que o monopólio da violência deva ser do Estado é uma política típica do fascismo. A população deve ter o direito de portar armas e de se defender de chacinas como essas como a que vimos no Rio de Janeiro. A polícia serve para defender os interesses da burguesia e o que vimos no Rio não foge à regra.
Schwarzman continua, pedindo para que a polícia seja controlada:
“É claro que, uma vez criada a polícia, a prioridade passa a ser controlá-la, já que, sem amarras institucionais, ela muito facilmente se converte no que Thomas Hobbes chamou de Leviatã, o monstro bíblico contra o qual humanos comuns pouco podem.”
O problema, no entanto, não é se a polícia é controlada ou não, pois, ela é controlada pela burguesia. No Brasil, em específico, ela é controlada pela burguesia imperialista, tanto é que dias antes do massacre, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, informou aos EUA sobre o plano da chacina. A Polícia Federal, por exemplo, impede a entrada de palestinos no Brasil desde o sete de outubro de 2023, a mando do imperialismo, e o Judiciário tem contato com os EUA, de forma ilegal, como o próprio Barroso confirmou ao dizer que pediu para que o país em questão “defendesse a democracia” no Brasil.
Sendo assim, novamente, a única forma de ter uma polícia que não mate a própria população é acabando com ela e a substituindo por um órgão próprio do povo, esse sim, controlado pelos trabalhadores.
“No Brasil, juntamos o pior de dois mundos. Há extensas áreas nas quais quem exerce o monopólio da violência não é o Estado, mas sim organizações criminosas, e muitas das autoridades incumbidas de civilizar as polícias se furtam a fazê-lo, quando não as incitam a agir com truculência máxima.”
Há também as áreas controladas pela polícia que são até piores do que as controladas pelo tráfico, as controladas pelas chamadas milícias.
Também não há lógica no que pede o colunista, já que se “polícia é civilização”, por que haveria necessidade de “civilizar a polícia”?
Ele termina comentando sobre as eleições e sobre como o debate sobre o assunto vai ser travado por interesses eleitoreiros. É verdade e isso é um problema para a esquerda. Fingir ser fascista para tentar ganhar votos não vai garantir o eleitorado de extrema direita e vai afastar os mais pobres, que sofrem com a polícia todos os dias.




