Diante da chacina mais letal da história, ocorrida nos Complexos da Penha e do Alemão, a direita nacional — tanto a extrema direita saudosista da ditadura militar quanto a direita “limpinha e cheirosa” — saíram correndo para explicar o inexplicável. A operação teria sido justa porque executou mais de uma centena de “bandidos”.
A verdade é que não existe a figura do “bandido”, mas sim o povo pobre a quem esta pecha foi imposta para justificar a ação criminosa do Estado. O conceito de “bandido” é uma criação ideológica e fantasiosa da direita, feita para justificar o atropelo de direitos e o assassinato em massa.
Afinal, quem é o “bandido”? É a pessoa que cometeu um crime? Se a definição for esta, o Brasil precisaria de muros de prisão para todos. Em um Estado tão antidemocrático, é difícil para qualquer cidadão, sobretudo o mais vulnerável, não cometer alguma ilegalidade. Quem rouba uma bolsa de leite para alimentar o filho é bandido? Mas e o banqueiro que corrompe o Congresso Nacional para aprovar leis como o teto de gastos do governo de Michel Temer (MDB), que impediu que milhões de pessoas tivessem acesso à saúde? Ele não é um criminoso? E os editores da imprensa burguesa que promovem e defendem o genocídio na Faixa de Gaza? Não são bandidos?
É evidente que o conceito é totalmente subjetivo. A verdadeira conclusão é que o “bandido” é o povo pobre. É o morador da favela, o jovem negro. Muitos dos mortos nas operações policiais não tinham sequer envolvimento com atividade criminosa, e aqueles que tinham são seres humanos que foram empurrados para essa situação por causa da vida miserável que vive. A culpa é do Estado e da política neoliberal. Ao contrário do banqueiro que assassina milhões de pessoas impedindo o acesso à saúde, o favelado é um pobre coitado, que está a todo momento lutando por sua sobrevivência física.
Defender os chamados “bandidos” do Rio de Janeiro é uma defesa do Estado de Direito e da própria população trabalhadora.
O crime individual, por mais hediondo que seja, é insignificante perto do crime do Estado. O aparato estatal é infinitamente mais poderoso e mais bem armado. O Estado mata sem que exista pena de morte, mata sem julgamento e sem sequer um processo, simplesmente porque a vítima é pobre. Ele jamais faria isso em um bairro rico, onde o atirador seria imediatamente responsabilizado.
A barbárie aplicada contra o favelado, justificada pelo mito do “bandido”, abre caminho para a ilegalidade contra qualquer cidadão. Se o Estado pode matar sumariamente o jovem da comunidade sem consequências, por que não poderá prender e atropelar os direitos de qualquer outra pessoa?
Ou existe Estado de Direito para todos, com julgamento, ampla defesa e direitos democráticos, ou existe barbárie para todos. Defender o direito de todos os favelados, tenham cometido crimes ou não, é defender a vida humana.



