Polêmica

‘Epistemologias do Sul’: a defesa do atraso

Acadêmico pequeno-burguês declara se opor ao capitalismo, mas defende uma política que levada a termo, beneficia os capitalistas e aprofunda a miséria da humanidade

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos publicou no portal Brasil 247, um artigo intitulado COP 30 ou COP 525?, trazendo a tese de que “o negacionismo ambiental de Donald Trump produziu um recuo civilizacional incalculável ao forçar todos os países ricos em recursos naturais (e empobrecidos em saúde, educação, segurança humana, etc) a proclamar a sua soberania sobre eles e a prová-la através de mais intensa exploração”, diz o autor. O acadêmico conclui o raciocínio destacando que “a reacção a Trump teve o resultado perverso de enfraquecer ainda mais a cooperação internacional que seria necessária para enfrentar o iminente colapso ecológico”, entregando – inadvertidamente talvez – qual o verdadeiro interesse defendido: o do imperialismo.

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que no mundo real, a “cooperação internacional” é análoga à “cooperação” existente entre cordeiros e lobos. Esse dado da realidade pode ser observado desde os exemplos menos agressivos dessa relação – caso do Brasil, dominado pelo vampirismo neoliberal e mergulhado em uma crise que na última semana, resultou no assassinato de dezenas de favelados -, até os mais extremos, como a Palestina, uma nação estuprada pelo imperialismo e submetida a um genocídio cujo nível de barbárie a humanidade ainda não havia testemunhado.

À luz desses fatos, “cooperação internacional” nada mais é do quem um eufemismo para a submissão dos países “ricos em recursos naturais” aos países desenvolvidos. Essa caracterização, inclusive, é reforçada pela colocação anterior, quando Santos lamenta que os países atrasados começaram a “proclamar a sua soberania” sobre suas riquezas naturais. Curiosa e paradoxalmente, no mesmo texto, o autor proclama:
“O capitalismo e o colonialismo, que dominam a economia e a sociedade mundial desde o século XVI, tornaram-se incompatíveis com a sobrevivência da vida humana e da vida em geral no planeta terra.”

A princípio, defender a política do imperialismo enquanto denuncia o capitalismo e o colonialismo parecem uma demonstração de que o acadêmico português fora acometido por uma esquizofrenia, mas trata-se de um golpe. Que forma melhor de defender uma posição profundamente reacionária, de manutenção do atraso e da opressão dos países atrasados, do que disfarçar tal política com um verniz esquerdista, de aparente oposição ao sistema econômico? Sabendo, porém, que a mera declaração de oposição ao capitalismo pode não bastar, Santos recorre também à romantização da miséria dos povos submetidos pela ditadura imperialista:

“É imperativo pôr em marcha, o mais rapidamente possível, um processo de transição para um tipo diferente de metabolismo social, baseado num tipo diferente de relação entre a sociedade e a natureza”, defende o acadêmico pequeno-burguês, acrescentando que tal “metabolismo social” teria como premissa, filosofias que já se encontram no mundo:

“É o conjunto das filosofias dos povos que foram mais sacrificados pelo capitalismo e pelo colonialismo, os povos que muitas vezes foram exterminados, cujos territórios foram invadidos, cujos recursos ditos naturais foram roubados, um processo histórico que começou no século XVI e que continua no nosso tempo. Refiro-me às filosofias dos povos indígenas ou originários. Felizmente, estas filosofias chegaram até nós graças à resistência e lutas destes povos contra a opressão, a exploração e a aniquilação. São um dos núcleos duros do que designo como epistemologias do sul.”

Em uma conjuntura na qual a lucratividade dos setores mais poderosos da economia mundial depende da destruição dos setores mais frágeis, o que melhor do que um professor universitário arauto do atraso defendendo que a humanidade abdique do progresso material e retorne a estágios primitivos de sua história? Dessa forma, um povo em sua imensa maioria pobre como o brasileiro jamais deveria aspirar à superação da pobreza, mas à vida nas sociedades anteriores ao neolítico.

Se todo o desenvolvimento das forças produtivas permitiu ao homem viver mais, com mais conforto, que importa? Trata-se de mera epistemologia “eurocêntrica”, da qual o grande resultado é o “o iminente colapso ecológico”.

“Em suma, a natureza não nos pertence; nós é que pertencemos à natureza”, conclui Santos, sintetizando o que classifica como “epistemologias do sul”.

Que o petróleo brasileiro localizado na Margem Equatorial permaneça inexplorado, portanto. Que o Níger abdique de suas reservas de urânio. Os países atrasados não precisam de seus recursos naturais, mas deixá-los onde estão.

Se o imperialismo fará o mesmo, é outra história, mas não é o que preocupa o professor português, que tampouco se preocupa, de fato, com a miséria da imensa maioria da humanidade. Levadas a termo, suas posições são, acima de tudo, uma defesa do aprofundamento da opressão contra os povos oprimidos.

À esquerda, cabe o papel de rejeitar tais armadilhas disfarçadas por uma retórica superficialmente simpática e lutar, não pelo atraso, mas pelo progresso dos países atrasados e da humanidade de conjunto. Além de impossível do ponto de vista histórico, a defesa do retrocesso como virtude não fará mais do que desmoralizar a esquerda junto aos trabalhadores, permitindo a confusão do campo.

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