Coluna

Contra o Outubro Rosa e o Calendário Colorido

Calendário colorido deve acabar imediatamente

Agora que estamos no fim de Outubro, felizmente chegará ao fim também o Outubro Rosa. É importante discutir com mais cuidado o que essa campanha realmente representa, pois sob o discurso da prevenção, o que se observa, na prática, é a promoção de uma lógica que estimula a realização de exames de forma indiscriminada, muitas vezes sem necessidade clínica, gerando mais prejuízos do que benefícios à saúde pública.

Vamos explicar o problema. Normalmente, as pessoas pensam que fazer exames regularmente é algo positivo. Isso supostamente preveniria doenças, uma vez que se você faz exames frequentemente, você poderia detectar uma doença no seu início, e isso aumentaria as chances de tratá-la com sucesso. Na realidade, entretanto, os exames não funcionam assim.

Exames são indicados para casos em que há algum sinal ou sintoma de alguma doença. Se alguém está plenamente saudável, sem nenhuma dor ou algo semelhante, não há motivo para fazer exames. Isso porque todo exame tem uma taxa de erro. Essa taxa de erro significa que qualquer exame pode indicar de maneira errônea que alguém tem uma doença quando na verdade a pessoa não tem. Normalmente essas taxas são baixas, sendo cerca de 10% nas mamografias, por exemplo. Isso significa que a cada 1000 mamografias realizadas, é provável que cerca de 100 apresentem um resultado errado, indicando que a mulher tenha câncer quando na realidade ela não tem.

O problema é que o Outubro Rosa e todos os outros meses coloridos geram uma onda de propagandas que provocam pânico nas pessoas e fazem com que elas saiam correndo atrás de uma clínica. Isso infla absurdamente o número de exames, de tal forma que ao longo do mês de Outubro, por exemplo, há um aumento de 30 a 40% no número de mamografias realizadas. Junto com o aumento no número de exames, inevitavelmente vem o aumento no número de resultados errados. São centenas de milhares de exames a mais e, consequentemente, centenas de milhares de resultados incorretos adicionais. Diante desses incorretos resultados de exames, são requisitadas mais consultas, mais reavaliações e até mesmo procedimentos invasivos como biópsias, tudo isso levando à multiplicação não só de custos, mas sobretudo de sofrimento desnecessário.

O sistema não enxerga nada disso como um problema, mas como uma oportunidade. Cada exame repetido, cada procedimento complementar e cada nova consulta significam mais movimento, mais faturamento e mais lucro. É exatamente para isso que serve o calendário colorido: transformar a preocupação legítima das pessoas com a própria saúde em um fluxo constante de demanda para o mercado de exames e diagnósticos.

Alguém poderia então pensar que, no caso da saúde pública não há problema, pois os laboratórios privados não estariam se beneficiando. Isso também é um erro no raciocínio. Afinal, o aumento absurdo na quantidade de requisições de exame, muitos deles desnecessários, faz com que quem realmente precisaria fazer o exame tenha de esperar mais, espera essa que pode ser fatal.

Assim, o argumento de que a campanha “salva vidas” ignora o fato de que o aumento indiscriminado de exames compromete justamente quem mais precisa deles. O sistema público, sobrecarregado por uma enxurrada de solicitações desnecessárias, demora mais para atender casos realmente urgentes.

A prova de que o calendário colorido não busca efetivamente melhorar a saúde coletiva a partir de critérios epidemiológicos sérios, mas sim responder a interesses econômicos dos grandes conglomerados de saúde, reside na ausência de uma campanha massiva contra a hipertensão arterial (apesar de iniciativas isoladas aqui e ali). Esta é uma condição muito mais comum que qualquer tipo de câncer, mas que ainda assim não conta com um “Mês da Hipertensão”, com fitas ou campanhas publicitárias com tamanho destaque. A razão é simples: controlar a pressão alta não requer exames sofisticados nem procedimentos de altíssimo custo como é o caso do câncer. Pelo contrário, exige acompanhamento médico contínuo, mudanças no estilo de vida e medicamentos mais acessíveis — práticas que pouco movimentam a engrenagem lucrativa da indústria médica.

Ademais, é importante dizer que desde que a campanha do Outubro Rosa começou a ser feita sistematicamente no Brasil, por volta de 2008, a taxa de mortalidade por câncer de mama não diminuiu, pelo contrário, só aumentou. Os dados apontam que em 2000 a taxa de mortalidade por câncer de mama era cerca de 9,4 por 100 mil habitantes. Em 2022, após anos e anos de Outubro Rosa, esse número havia praticamente dobrado, chegando a incríveis 17,5 por 100 mil habitantes. Que campanha é essa que diz salvar vidas, mas não consegue reduzir a taxa de mortalidade? É mais um indício de que isso não passa de uma empulhação total.

Por isso, é necessário repensar o sentido dessas campanhas e acabar imediatamente com o calendário colorido. Ele tem como objetivo real intensificar o movimento de mercantilização da saúde, utilizando a “prevenção” como uma armadilha que move outras campanhas fraudulentas como o Setembro Amarelo ou o Novembro Azul, para garantir maior rentabilidade ao sistema que lucra com o medo.

Se a saúde fosse, de fato, garantida de maneira universal e orientada pelas necessidades reais das pessoas, campanhas como o Outubro Rosa seriam automaticamente encaradas como sem sentido. Elas só prosperam porque o sistema de saúde foi convertido em um mercado, e o cuidado, em consumo. A lógica que sustenta o calendário colorido não é a de garantir acesso, mas a de criar uma demanda fabricada pela propaganda e pelo medo, que transforma indivíduos saudáveis em potenciais pacientes.

O verdadeiro desafio não é ampliar o número de exames, mas romper com a ideia de que prevenir significa submeter-se constantemente a testes e triagens desnecessárias. Enquanto a saúde for tratada como um nicho de negócios, continuaremos confundindo cuidado com consumo e prevenção com propaganda.

* A opinião dos colunistas não reflete. necessariamente. a deste Diário

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