O jornalista Moisés Mendes, em seu artigo As lições do que aconteceu na Argentina, publicado no Brasil 247, tenta decifrar a recente vitória legislativa do presidente argentino Javier Milei. Sua conclusão, no entanto, não apenas falha em analisar a profundidade do fenômeno argentino, como também representa um perigoso desvio ideológico.
Mendes resume o resultado eleitoral a uma máxima simplória, quase uma regra de autoajuda política: “Lula sabe mais do que todos os espantados com a vitória do fascista-vigarista: a bola é de quem está no poder.” Para ele, o que ocorreu na Argentina é uma “lição da 5º Série” (sic), que prova que “Milei venceu porque está no poder” e que “quem está no poder e quem bate o pênalti”.
Essa visão, que transforma a luta política e a crise social em um mero problema técnico de gestão da máquina estatal, é a negação mais rasa da luta de classes.
Moisés Mendes transforma o poder estatal em uma força autônoma e mágica, capaz de gerar vitórias eleitorais mesmo em meio ao caos. Ele se pergunta: “como Milei venceu se uma pesquisa na semana da eleição, do Instituto AtlasIntel, mostrou que 55,7% dos argentinos reprovam o governo? Como Milei venceu se não ofereceu nada de concreto ao povo?”
E ele mesmo responde:
“A possibilidade de vitória favorece quem está no poder. É o governante, com tudo à sua disposição, quem está com a bola e quem bate o pênalti. A possibilidade de reeleição é quase uma ordem: reeleja-se.”
Essa análise, ao se ater à superfície do fenômeno (o fato de Milei ser o presidente), ignora as contradições que ele mesmo elenca: a reprovação popular maciça, as derrotas anteriores no Congresso, o aprofundamento da pobreza e a queda da economia. Se a “bola é de quem está no poder”, por que a reprovação atingiu 55,7%?
A ascensão e a manutenção de Milei no poder são resultado de um golpe articulado pelo imperialismo, diante de sua necessidade de impor o programa neoliberal mais radical possível na América Latina.
Milei nunca foi um fenômeno de popularidade espontânea. Ele foi imposto à Argentina pelo imperialismo, aproveitando-se da profunda crise do peronismo e, fundamentalmente, da incapacidade da esquerda pequeno-burguesa de apresentar uma alternativa revolucionária para os trabalhadores.
Mendes toca em um ponto crucial, mas o trata como um detalhe:
“O que aconteceu domingo? Foi a abstenção recorde de 34%? Foi a ajuda de Trump? A presença de banqueiros americanos em Buenos Aires às vésperas da eleição? A arrogância peronista?”
A resposta não é uma questão de 34% de abstenção ou de “arrogância peronista”, mas sim do socorro financeiro e político do imperialismo. O que Mendes chama de “socorro de Trump” é, na verdade, a negociação de um novo e gigantesco empréstimo de cerca de US$20 bilhões, garantido pelos Estados Unidos, que serviu como injeção de ânimo na campanha e sinalizou à burguesia argentina que o projeto de Milei ainda era apoiada pelos norte-americanos.
A vitória de Milei é, portanto, o resultado do apoio político e financeiro explícito do imperialismo, que se impôs à Argentina em um momento de fraqueza e desorganização da classe trabalhadora.
O maior crime ideológico do artigo de Moisés Mendes é seu silêncio sepulcral sobre a luta de classes.
A crise social que Milei provocou — o aprofundamento da pobreza, o desemprego, a estagnação — levou a uma onda de manifestações e uma insatisfação crescente.
“Agravou-se o desentendimento entre Milei e sua vice, Victoria Villarruel. Os dados da economia pioraram, com a certeza de que o país não voltaria a crescer no curto prazo e com o aumento da pobreza e da penúria dos aposentados.”
Esse quadro de colapso econômico gerou, inclusive, a hesitação do próprio imperialismo em mantê-lo no poder, temendo uma explosão social incontrolável. A sabotagem do imperialismo ao partido de Milei nas eleições provinciais não foi um mero jogo de intrigas políticas, mas um teste do imperialismo para verificar se havia uma alternativa mais estável para impor o neoliberalismo.
Milei, portanto, acabou sendo vitorioso porque o imperialismo deu o aval final e porque a crise social, embora profunda, ainda não se transformou em um levante organizado da classe trabalhadora.
A incapacidade da esquerda pequeno-burguesa argentina, que se perdeu em questões secundárias da luta de classes, como o combate ao kirchnerismo, em vez de denunciar o golpe imperialista e organizar a luta dos trabalhadores, foi o fator que permitiu que o imperialismo conseguisse seu objetivo.
A “lição” da Argentina não é a de que “quem está no poder vence”, mas sim a de que a classe trabalhadora deve se organizar de maneira firme e decidida, independentemente do resultado eleitoral, para lutar contra o imperialismo e seus agentes fascistas, como Milei.




