No artigo A necessária e urgente federação da esquerda e da centro-esquerda, publicado pelo Brasil 247, um dos principais porta-vozes da ala direita do Partido dos Trabalhadores — aquela disposta a rifar por completo a plataforma pela qual Lula se elegeu em troco de um cargo público — sai em defesa da submissão da esquerda institucional à dominação completa pela burguesia.
O texto, escrito por Alberto Cantalice, começa com uma piada de mau gosto, uma falsificação grotesca que já indica a falta de escrúpulos do autor:
“A atual composição da Câmara dos Deputados e a necessidade de impedir a conquista da maioria no Senado Federal pelas forças da extrema direita e da direita entreguista devem levar as forças progressistas a repensar seu papel nas disputas eleitorais futuras.”
Ora, mas quando foi que as casas legislativas não estiveram sob o controle da direita? Desde o fim da ditadura militar, quem controla a Câmara dos Deputados e o Senado Federal é uma coligação entre o chamado “centrão” e a direita “tradicional”. Com o aumento da polarização política, a única mudança significativa é que alguns elementos deste bloco, seguindo a tendência da situação política, evoluíram para uma posição de extrema direita.
O que o autor pretende com essa falsificação? É óbvio: ao dizer que agora seria a hora de impedir que “a extrema direita” e “a direita entreguista” conquistasse uma maioria, Cantalice está dizendo que a maioria dos deputados e senadores dos últimos anos integram uma direita “civilizada” e “não entreguista”.
Para contestar a mentira do senhor Cantalice, basta lembrar um fato: o impeachment de Dilma Rousseff (golpe de 2016), votado por todos os partidos da direita, seja lá como Cantalice os classifique.
A direita “não entreguista” é um mito tão ridículo que o autor sequer tem coragem de nomeá-lá abertamente, obrigando quem lê sei texto deduzir a sua existência. No entanto, como o objetivo de Cantalice é propor a formação de um bloco de partidos, ele é obrigado a citar algumas das organizações que seriam amigas da esquerda. Para ele, o partido do qual é dirigente, o Partido dos Trabalhadores (PT), deveria ingressar em uma federação com o Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Rede Sustentabilidade (Rede), Partido Verde (PV) e Cidadania.
Dos partidos listados, quase todos são golpistas — isto é, participaram abertamente do golpe de 2016, defendendo a derrubada de Dilma. As únicas exceções seriam o PSOL, o PCdoB e o PDT, ainda que deputados deste último tenham votado a favor do impeachment.
Ainda que haja partidos que não tenham defendido abertamente o golpe, a presença de PSOL, PCdoB e PDT na proposta não é suficiente para dizer que Cantalice quer formar uma frente do PT com a esquerda e com partidos golpistas. Isso porque, mesmo que PSOL e PCdoB sejam partidos de esquerda, eles são dois dos partidos mais direitistas da esquerda nacional, que estão completamente a reboque da burguesia. Enquanto o PSOL é o partido da “luta contra a corrupção”, fazendo com que a legenda se alinhe ao Partido Novo e ao Movimento Brasil Livre (MBL) para defender os interesses do grande capital, o PCdoB é o mais apaixonado propagandista da política de frente ampla, a política de infiltração de cavalos de Troia do imperialismo no governo Lula.
O objetivo da federação não seria, como Cantalice faz confundir, fortalecer a esquerda, mas sim fortalecer as operações da burguesia que utilizam a esquerda pequeno-burguesa como ponto de apoio.
Cantalice deixa isso ainda mais claro:
“O principal vetor de unidade é a defesa do Estado Democrático de Direito, o compromisso com as demandas populares e a defesa da soberania nacional.”
Ou seja, o objetivo da frente seria a defesa da ditadura do Supremo Tribunal Federal (STF). Esta é, afinal, a única coisa concreta que Cantalice propõe.
A junção e vários partidos em uma federação não irá fortalecer, em nada, as reivindicações dos trabalhadores. Pelo contrário: ela servirá para aumentar ainda mais a pressão da burguesia sobre o PT, partido que, ainda que dirigido por parlamentares e políticos profissionais, possui uma base popular grande, que dificulta seu alinhamento aos planos do imperialismo.
O único objetivo de formar tal federação é o de transformar o PT em um partido burguês como estes que Cantalice admira, como o PSB ou o Cidadania. Quem a defende, defende a morte do PT enquanto tal.




