Em texto recentemente publicado pelo Coletivo Psis acerca da criminosa campanha da “adultização”, os autores escreveram:
“Os propositores da Lei Felca tentam se amparar em evidências científicas que sugerem uma relação entre o uso excessivo de redes sociais e prejuízos psicológicos em crianças e adolescentes para justificar a restrição do acesso desses jovens às plataformas sem a supervisão dos pais. Esse argumento, contudo, é profundamente problemático. As pesquisas não devem prescrever condutas morais ou políticas. O espaço da decisão sobre direitos pertence à esfera política, que deve considerar também a liberdade, a autonomia e a dignidade das pessoas. Usar resultados de pesquisa para legitimar proibições generalizadas é confundir as coisas. Mesmo que uma medida restritiva pudesse reduzir certos riscos, ela não seria automaticamente legitimada — do mesmo modo que não se proíbe o consumo de alimentos ultraprocessados, álcool, ou cigarros, embora estejam associados a prejuízos à saúde. A democracia implica reconhecer que a ciência pode orientar políticas de esclarecimento e responsabilidade, não de coerção.”
O posicionamento é correto e deve ser estendido para outras esferas além da educação. Por exemplo, as evidências científicas apontam que, no Brasil, se alguém comete um crime, a chance de a pessoa reincidir é altíssima. Alguém vai propor uma vigilância de 24 horas sobre um ex-detento com base nisso? Ou até mesmo que ele tenha de ser alvo de prisão perpétua ou pena de morte para evitar outros crimes? Seria absurdo. O fato de a ciência constatar um risco não significa que ela deva ditar cassações de direitos.
De forma similar, não se deve proibir as pessoas de possuírem armas em casa sob algum pretexto supostamente científico. Argumentar que o acesso a armas deve ser proibido simplesmente porque há correlações entre a posse de armas e o aumento da violência é reduzir a complexidade política e histórica do problema a uma questão técnica. A violência é um fenômeno social, não um dado isolado de laboratório. A ciência pode contribuir para o debate sobre segurança pública, mas não deve ser usada como escudo para a imposição de políticas que limitam a capacidade das pessoas de se defenderem, organizarem-se ou, em casos extremos, resistirem à própria tirania.
Essa ânsia por proibição é ainda mais preocupante entre aqueles que se autodeclaram revolucionários. É paradoxal — e até irônico — ver pessoas que falam em transformação radical da sociedade defenderem políticas de desarmamento civil. Como poderiam tais “revolucionários” realizar uma revolução sem armas, se a história das revoluções é, invariavelmente, uma história de enfrentamento material contra estruturas de poder estabelecidas?
A função da ciência é descrever e compreender fenômenos, não substituir o debate e a deliberação política acerca de quais direitos devem existir. Se o fizermos, abriremos precedentes para um tipo de tecnocracia que, em nome da “proteção” e da “evidência”, elimina a própria experiência do debate público sobre os rumos da sociedade.




