Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Coluna

Identitarismo e Judiciário, uma relação perigosa

Qualquer um pode ser condenado por praticamente qualquer coisa dita – basta que alguém se sinta ofendido

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

O caso Leo Lins vem mobilizando uma vasta gama de articulistas na imprensa e de comentaristas no YouTube. Todos querem opinar sobre a condenação de um humorista a oito anos de prisão em regime fechado por contar piadas em teatros e divulgar na internet a filmagem dos shows. Basicamente, os identitários de todos os matizes se refestelaram com a má sina do rapaz, sentindo-se vingados por verem um homem branco, heterossexual e “cisgênero” receber uma punição exemplar. Do outro lado do muro, ainda que se condene o mau gosto das piadas do rapaz, há grande preocupação com aquilo que representa uma decisão judicial como essa, que, além da reclusão, obriga o réu a despender quase R$ 2 milhões em indenizações.

Na leitura do caso feita pelo conhecido Jones Manoel, em vídeo de quase uma hora, em que promete analisar a situação à luz da Justiça etc. etc., a prisão do homem branco aparece como uma espécie de compensação, pois os presídios são majoritariamente ocupados por negros. Jones e seus amigos identitários não querem melhorar a vida dos negros pobres, mas, sim, piorar um pouco a vida dos brancos. Em que exatamente a prisão do humorista – por ser branco – faz evoluir a situação do negro? Depois de 50 minutos de arrazoado identitário, o argumento final: Leo Lins seria “bolsonarista”.

Leo Lins foi enquadrado na lei do racismo, cuja redação foi alterada pela lei da injúria racial, que trouxe mais rigor à punição de atos racistas e introduziu como tipo penal o “racismo recreativo”, e na lei que cria o estatuto da pessoa com deficiência. Esta última, no entanto, não prevê “injúria capacitista”, pois, aparentemente, é anterior ao movimento woke. A propalada “gordofobia”, por sua vez, embora tenha levado o ministro Flávio Dino, do STF, a processar o ex-youtuber Monark, por enquanto não constitui crime, ao menos formalmente. Existe, porém, um projeto de lei na Câmara, de autoria do deputado bolsonarista (ex-líder dos caminhoneiros) Nereu Crispim (hoje no PSD), que propõe penas ainda mais graves que as de injúria racial para quem discrimine uma pessoa em razão de seu peso, com agravante por reincidência.

O leitor destas linhas poderá estranhar que o projeto de lei da gordofobia venha das hostes bolsonaristas, mas o fato é que a lei da injúria racial também foi aprovada com o voto da extrema direita, inclusive o do próprio Eduardo Bolsonaro. Resta, então, observar que identitários e direitistas de carteirinha têm algo de comum: uns e outros querem ver muita gente privada de liberdade. Há não muito tempo, programas de TV como o de José Luís Datena faziam verdadeira apologia da cadeia como “lugar de bandido”. Hoje, os identitários, que, embora se apresentem como esquerdistas, são os grandes defensores do sistema prisional como forma de correção moral da sociedade.

O que vemos hoje é que o identitarismo capturou o Judiciário. O que eram os cancelamentos, que levavam à perda de contratos, de empregos e até de amigos, escalou para o sistema de justiça. Qualquer um pode ser condenado por praticamente qualquer coisa dita – basta que alguém se sinta ofendido. Quanto ao Leo Lins, talvez seja mais apropriado dizer que faz piadas que afrontam o vocabulário “politicamente correto” do que acusá-lo de racista, homofóbico ou algo do gênero. A maioria das piadas são jogos ou associações de ideias que produzem o riso pelo inusitado. No varejo, vistas com lupa, são um tanto desagradáveis, mas, no palco, contadas com muita rapidez, em sequência, funcionam para o seu público. A prova disso são os teatros lotados em cidades de todo o país.

A condenação, no entanto, faz supor que as sessões nos teatros fossem reuniões de células nazistas. Nesse caso, sendo amplamente conhecido o tipo de humor que ele faz, os teatros e toda a equipe de produção seriam partícipes do crime. Não é preciso ir muito longe para perceber o absurdo do caso. Ficamos com a impressão de que os limites da sociedade estão sendo testados. Até que ponto toleramos censura e controle sob o pretexto de nos defendermos de nossos vizinhos? Qual é a importância do show de piadas incorretas do sujeito? Quem pode afiançar que produzam, por si sós, ódio contra as minorias?

Que ao menos tudo isso sirva para pôr às claras a sanha autoritária dos identitários, que, não por acaso, têm suas ideias amplamente acolhidas no Judiciário brasileiro, sempre cioso da linguagem inclusiva, cheio de “todos e todas”, desse bom-mocismo vocabular que camufla suas reais intenções. A prisão do humorista, caso se concretize, será uma vitória do identitarismo, que joga todos contra todos e elege o Judiciário, com suas interpretações subjetivas, como árbitro da vida social. Não parece bom sinal.

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