O artigo Um mês para não ser esquecido, de Mário Maurici, publicado no Brasil247 nesta terça-feira (7), é mais um dos elogios que a maioria da esquerda vem fazendo à judicialização da política. A coisa chegou a tal nível, que Maurici escreve que “o 11 de setembro seja o farol da nossa memória coletiva, um símbolo da luta pela vida”.
Os gregos, na Antiguidade, já discutiam o porquê e a eficácia das punições. A justiça, conforme a sociedade vai se desenvolvendo, vê-se obrigada a ultrapassar a questão da vingança. Portanto, é estranho que alguém de esquerda escreva que “lavamos a alma ao ver, pela primeira vez, um ex-presidente e militares de alta patente serem responsabilizados em um tribunal civil por crimes contra a democracia. Para quem viveu os anos de chumbo da Ditadura Militar, é como ver antigos fantasmas serem exorcizados em praça pública”.
A condenação de Bolsonaro não tem nada a ver com a Ditadura militar. Exceto pela participação do imperialismo, que em 64 colocou os militares no poder; e que atuou agora, por meio de um tribunal, para tirar Jair Bolsonaro e alguns militares do caminho.
É preciso mencionar que o tribunal em questão, é o Supremo Tribunal Federal (STF), inflado desde o julgamento do Mensalão, e que tem avançado sistematicamente desde então sobre os outros poderes da República.
O fortalecimento do Judiciário é uma política implementada pelo imperialismo para controlar a política em muitos países. Desde 2009, pelo menos, iniciou-se uma onda de golpes de Estado judiciários que varreu a América Latina. O modelo foi tão bem-sucedido que já se espalhou pelo planeta.
Golpes sobre golpes
Mário Maurici escreve que “como já era de se esperar, a extrema direita esperneou e tentou aplicar um golpe em cima do próprio golpe, transformando em boia de salvação uma proposta esdrúxula de anistia ampla, geral e irrestrita, que livrava seus pares das condenações e de crimes que poderiam ser a eles imputados no futuro”.
A proposta de anistia pode ser considerada esdrúxula porque, na verdade, sequer houve tentativa de golpe. E, mais esdrúxulo ainda, é que os golpistas amadores foram julgados e condenados por golpistas profissionais. Aqueles que derrubaram Dilma Rousseff e colocaram Luiz Inácio Lula da Silva na cadeia.
Apesar da incorreção, pode-se aproveitar a ideia de Maurici de “golpe em cima de golpe”, pois é disso que se trata. Os golpistas de 2016, que pavimentaram o caminho para Jair Bolsonaro chegar à presidência, dão outro golpe e o retiram da corrida eleitoral, pois tem em vista um candidato ferozmente neoliberal e sem comprometimento com base eleitoral.
Sobre o pedido de anistia, Maurici atesta que “a resposta para esse pedido de cheque em branco veio das ruas. Em 21 de Setembro, dez dias depois da condenação de Bolsonaro e sua trupe, milhares de pessoas se mobilizaram por todo o país para dizer um grande ‘NÃO!’ a qualquer tipo de barganha”. E esse é foi mais um passo no golpe.
Que golpe foi esse? Quem chamou os atos do 21 de setembro foi a Rede Globo, golpista de primeira hora, e agente do imperialismo em solo brasileiro. A Globo, assim como a grande imprensa, também está empenhada em retirar Bolsonaro da corrida presidencial, pois o plano é colocar no Planalto um Tarcísio de Freitas ou algo pior, caso seja possível.
A esquerda apenas foi usada e correu atrás do trio elétrico. Os próprios organizadores deixaram claro que o ato não era de esquerda.
Cantando vitória
Seguindo em seu texto, Mário Maurici diz que “o presidente Lula fez um discurso histórico na ONU. Tão bom que até Donald Trump reconheceu que ambos tiveram uma ‘excelente química’ e que Lula lhe pareceu ‘um homem muito agradável’. Imagino as lágrimas do bolsonarismo ao ouvir isso”.
Lula até que foi bem no discurso, é bom orador e um político experiente. A “química”, no entanto, talvez se deva ao fato de Lula não ter denunciado Trump publicamente por sua agressão criminosa contra a Venezuela. E também por ter condenado a reação armada da resistência palestina, que luta contra o massacre perpetrado pelo Estado nazi-sionista de “Israel”, financiado e apoiado pelos EUA.
Pandemia
Mauri aproveita para trazer à baila a questão da pandemia. Parabeniza o neurocientista Miguel Nicolelis, que “sugere que o 11 de setembro seja reconhecido como um Dia em Homenagem às Vítimas da Pandemia de Covid-19”. E completa adiante dizendo que a “escolha do dia tem razão de ser e não foi fruto do acaso. Essa é a data em que a Justiça finalmente alcançou Bolsonaro”.
Ocorre que Bolsonaro não foi julgado pelo que aconteceu durante a pandemia. Portanto, dizer que a justiça o alcançou é uma grande incorreção.
Aliás, além de Bolsonaro, teriam que ir para o banco dos réus muitos outros, como governadores de estado, prefeitos. No auge da pandemia, o transporte público andava lotado. Prefeitos autorizaram, para proteger os donos de empresas de ônibus, que a frota fosse diminuída para a contensão de gastos e manutenção da lucratividade.
Em vez de se exigir que houvesse mais ônibus em circulação e, portanto, menor aglomeração, foi feito justamente o contrário.
Ninguém atuou para que houvesse testagem em massa, ou pela quebra de patente. Países como Cuba e Venezuela conseguiram desenvolver vacinas, enquanto no Brasil valeu a força dos grandes laboratórios multinacionais monopolistas.
Mário Maurici diz que “Bolsonaro tem culpa no cartório”, é verdade, ele e um monte de gente graúda. Então ninguém espere que um dia a burguesia já julgar e punir os culpados, pois muita gente lucrou, inclusive os que se aproveitaram da pandemia para reduzir salários e encher ainda mais os bolsos.
Na opinião de Maurici, Bolsonaro, “independente de uma nova condenação por sua atuação e omissão na pandemia, os próximos anos que ele irá amargar na cadeia podem oferecer aos brasileiros um sentimento de alívio moral”. O problema é que condenações não têm que servir de alívio para nada. A justiça não deveria servir a propósitos alheios a ela, mas isso é isso que sempre acontece, acaba servindo a outros interesses. E os interesses contemplados pela Justiça são sempre os da burguesia. Por isso se assiste a todo tipo de julgamentos-farsa enquanto a repressão fica a cada dia mais rígida e ditatorial contra a classe trabalhadora.
Aplaudir as arbitrariedades do Judiciário é fortalecer uma das principais armas da burguesia contra o povo.




