A esquerda pequeno-burguesa parece estar muito satisfeita com o rumo dos acontecimentos: Jair Bolsonaro condenado a 27 anos de prisão, manifestação volumosa no último domingo, “química boa” entre Lula e Trump na ONU, “PEC da Bandidagem” enterrada, Eduardo Bolsonaro prestes a ser cassado. O clima de paraíso astral não poderia ser melhor, mas até quando vai durar essa ilusão?
Paula Lavigne, a mulher de Caetano Veloso, organizadora dos atos públicos com a participação de ícones da MPB, tratou de esclarecer aos iludidos que a manifestação não foi “da esquerda”, mas da “sociedade civil” – ou seja, de uma classe média preocupada em manter seus diminutos privilégios e livrar a sociedade de “bandidos”, de “corruptos”, de “desordeiros”. Essa esquerda identitário-almofadinha é, cada vez mais, uma expressão do que foi o PSDB e seus “coxinhas” ou Collor, com sua caçada aos “marajás”, que eram os funcionários públicos.
O motivo das manifestações foi a PEC das Prerrogativas, que a imprensa burguesa chamou de “PEC da Blindagem” e a esquerda, capitaneada – ora, vejam – por Caetano Veloso, chamou de “PEC da Bandidagem”. O Congresso tentava recuperar sua prerrogativa, aliás constitucional, de ter os parlamentares sujeitos a processo somente mediante autorização da Casa. Muito se ouviu sobre as supostas intenções de deputados de desviar os recursos das emendas, que se tornaram obrigatórias, e de se acobertarem uns aos outros. Nesse caso, os 344 parlamentares que votaram favoravelmente à medida seriam “bandidos” ou, pelo menos, “bandidos” em potencial.
De fato, fica difícil pôr a mão no fogo pelo conjunto dos congressistas, mas, façam eles ou não suas falcatruas aqui e ali, o fato é que isso não seria propriamente uma novidade a exigir, neste momento, uma mudança nas regras. Qual seria, então, o motivo de o Congresso se sentir vulnerável? A pergunta é retórica, pois todos sabemos o que está acontecendo: o STF vem avançando sobre as prerrogativas do Congresso e se tornou um órgão de perseguição de inimigos políticos da burguesia imperialista.
Qualquer um que tenha acompanhado o julgamento-farsa de Lula aprendeu o conceito de “lawfare”, que o hoje ministro do STF Cristiano Zanin então arguiu em defesa de seu cliente, o atual presidente da República. Segundo comentaristas da esquerda pequeno-burguesa, o STF mudou. Ouve-se no Portal 247 que Michel Temer nos legou esse grande homem, Alexandre de Moraes, nascido no dia da decretação do AI-5, quem sabe com o secreto desígnio celestial de salvar o país de uma ditadura. Chegam a dizer coisas desse tipo, mas o STF só mudou, por ora, de alvo.
No último domingo, artistas mobilizados pelo aparato da mídia burguesa atraíram às ruas uma massa de gente antibolsonarista e contrária ao Congresso, chamado em muitos cartazes padronizados de “inimigo do povo”. Uniram-se os ataques ao Congresso, afinal uma corja de “bandidos”, e a Bolsonaro, que deve ser punido com o máximo de rigor, assim como os “golpistas” de 8 de janeiro, sem nenhuma possibilidade de anistia. A esquerda, na verdade, engrossou a manifestação da Rede Globo em favor do controle político exercido pelo STF, que é disso que se trata. Estaremos esquecidos de que o Congresso, bem ou mal, é eleito pelo povo e de que o mandato de quatro anos dos parlamentares é legitimado pelo voto? O STF, bem, é um grupo de 11 “notáveis” escolhidos por governantes e brindados com a vitaliciedade.
A esquerda pode estar calculando que tudo isso redundará em apoio político à candidatura de Lula na eleição do ano que vem. Só fica difícil acreditar que a burguesia usaria de todos os seus estratagemas, inclusive do STF, para tirar Bolsonaro do caminho com o pueril objetivo de facilitar a eleição de Lula. Bolsonaro era o entrave maior, porque desafiou a imprensa e o STF, dois muros de arrimo da burguesia, e porque tem apoio popular genuíno.
Sem Caetano e Lavigne, infelizmente a esquerda não mobiliza, o que é lamentável. Em compensação, a esquerda “coxinha” vibrou com os 39 segundos de “química” entre Lula e Trump num abraço nos corredores da ONU. Sim, Trump acha que Lula é um “homem bom” – e nossos amigos do 247 não se cansam de atribuir o feito às qualidades sedutoras do nosso Lula. Não vamos dizer que Lula não as tenha, mas suas atitudes em relação à Venezuela podem dar um tempero a mais ao seu charme. Vamos lembrar que, até hoje, Lula está esperando as atas da eleição de Maduro, que a Venezuela não entrou no Brics graças ao veto brasileiro e que, quando o companheiro Trump pôs navios na costa venezuelana, Lula preferiu manter-se neutro. Foi a “química”.
De resto, o jornalista Alex Solnik ontem nos brindou com seus comentários no Bom Dia 247, quando pediu com veemência que Eduardo Bolsonaro seja impedido de voltar ao Brasil, que seja deportado para uma ilha do Pacífico, porque, sendo jovem, se voltar e ficar preso por uns dez anos, vai ser solto, “a prisão não vai ser perpétua”; enfim, é preciso tirar todos os bens da família e impedi-lo de voltar. Quase todos os dias são ouvidos comentários desse teor no programa da esquerda “do bem”. Tudo certo. Se Bolsonaro é o demônio, deve ser preciso fazer repetidas sessões de exorcismo jornalístico.
O que fica de tudo isso é uma “direitização” cada vez mais pronunciada da esquerda pequeno-burguesa. O lava-jatismo, que era a “luta da sociedade civil contra os corruptos”, resultou no bolsonarismo. Agora, a “luta da sociedade civil contra os bandidos do Congresso” vai resultar em quê? Fechamento do Congresso? Sabe-se lá se o homem que nasceu no dia da decretação do AI-5 não estará predestinado a restituir a monarquia no Brasil, aclamado pelo povo em ato organizado pela Rede Globo…




