Uma investigação contundente publicada pelo jornal holandês De Volkskrant, intitulada O que as feridas nos dizem, revelou um padrão sistemático de mortes deliberadas de crianças por forças israelenses na Faixa de Gaza. A reportagem baseia-se em testemunhos de médicos internacionais que descrevem ferimentos que, segundo especialistas, indicam ataques deliberados e visam alvos específicos.
O chocante relatório detalha como médicos trataram inúmeras crianças com ferimentos de bala precisos e únicos na cabeça ou no peito. As descobertas surgem em meio a um cenário de devastação, com o número de palestinos mortos superando 64.800, sendo quase 20.000 deles crianças, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza.
A investigação é baseada em entrevistas com 17 médicos e uma enfermeira que trabalharam em Gaza desde outubro de 2023. Quinze desses profissionais relataram ter tratado pelo menos 114 crianças de 15 anos ou menos com ferimentos fatais de bala na cabeça ou no peito.
O Dr. Feroze Sidhwa, cirurgião traumatologista americano, descreveu a primeira vez que presenciou esse padrão ao iniciar sua missão no Hospital Europeu em Khan Younis, em março de 2024. “Em 48 horas, encontrei quatro meninos com menos de dez anos com ferimentos idênticos na cabeça”, disse ele ao jornal. “Como é possível que, neste pequeno hospital, em 48 horas, quatro crianças cheguem com tiros na cabeça?”. Nas duas semanas seguintes, ele tratou mais nove crianças com os mesmos ferimentos.
A Dra. Mimi Syed, médica de emergência americana, documentou casos de crianças que foram baleadas em áreas designadas como seguras. “Uma menina de quatro anos foi baleada por um quadcopter enquanto caminhava em uma zona humanitária declarada por Israel”, relatou. “Eu mesma a entubei. Momentos depois, olhei incrédula para a tomografia de sua cabeça: havia uma bala alojada lá dentro”. A Dra. Syed fotografou 18 crianças com essas “assinaturas” de ferimentos, acreditando estar documentando potenciais crimes de guerra.
Patologistas forenses consultados pelo De Volkskrant concluíram que a uniformidade dos ferimentos sugere fortemente que os alvos eram deliberados. “É altamente provável que esses foram tiros de longa distância, visando a cabeça ou o pescoço, usando munição de nível militar”, afirmou o Professor Wim Van de Voorde, Emérito da Universidade de Leuven. O ex-comandante do Exército Holandês, Mart de Kruif, considerou a chance de acidentes “desprezível”, notando que “um grande número de ferimentos de bala no peito e na cabeça não é dano colateral – isso é mira deliberada.”
A reportagem também cita indícios de uso de outras armas controversas. O Professor Nizam Mamode, cirurgião britânico, descreveu a escassez de suprimentos que o forçou a improvisar de maneiras terríveis. “Eu tive que tirar o sangue do corpo de uma criança com as mãos porque não havia gaze”, disse ele. Outro cirurgião britânico, Dr. Mark Perlmutter, afirmou que regularmente encontrava pequenos fragmentos de metal em forma de cubo nos corpos dos pacientes, que ele acredita serem de armas de fragmentação israelenses. “Eu contrabandei dois fragmentos de metal para fora de Gaza… Eu os entreguei ao Tribunal Penal Internacional”, disse ele ao jornal.
O exército israelense tem negado todas as acusações. Em resposta ao de Volkskrant, as Forças de Ocupação de Israel chamaram as alegações sobre o uso de armas de fragmentação de “uma falsidade flagrante” e afirmou que não as possui ou utiliza. No entanto, o exército não respondeu a perguntas específicas sobre atiradores atirando em crianças, dizendo apenas que é o Hamas que está “criando condições perigosas para civis”.
As revelações do relatório chegam enquanto o Ministério da Saúde de Gaza anunciou que pelo menos 64.803 palestinos foram mortos desde o início dos bombardeios de Israel em outubro de 2023. Nos últimos dias, a violência continua incessante, com ataques aéreos matando dezenas de palestinos em Gaza e ataques de colonos israelenses em Jerusalém, Nablus e Hebron.





