O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou três quartos de seu terceiro mandato — de longe, o mais complicado de todos — sem assistir a uma única mobilização de impacto, à exceção do próprio evento de sua posse. Mesmo diante da sabotagem do Banco Central “independente”, das ameaças do imperialismo e das humilhações provocadas pelo sionismo, o governo em nem um único momento considerou em seu cálculo a necessidade de um apoio ativo das massas que o elegeram. É por isso que, quando ocorreram as manifestações de domingo (14), relativamente grandes, embora muito menores que as da extrema direita, e supostamente favoráveis ao governo, embora favoráveis a uma ditadura contra o povo, os articulistas governistas ficaram em êxtase.
Oliveiros Marques, em seu artigo A primavera brasileira, publicado pelo Brasil 247, procura apresentar os atos contra a Proposta de Emenda Constitucional nº 3/2021 (PEC 3/21), como se fossem uma grande insurreição popular:
“Suas cores são múltiplas: verde, amarelo, azul, vermelho. São as cores do arco-íris espalhadas sobre o nosso solo. É indígena, é branco, é preto. É no feminino, no masculino ou na orientação e identidade que cada um traz como sua verdade. A primavera brasileira começou assim, empurrada por homens e mulheres que elevaram suas vozes em defesa da soberania e da democracia em todos os cantos do País neste último domingo.”
Pode até ser que tenham comparecido ao ato “indígenas”, “brancos”, “pretos”, “masculinos” e “femininos”. Assim como pode ser que parte dos manifestantes lutassem por “soberania” entendendo que o Brasil é uma colônia que precisa se libertar do saque promovido pelo imperialismo para conseguir se desenvolver. No entanto, Marques não pode medir a manifestação por um ou outro indivíduo: é preciso analisar quem dirige a manifestação e qual a sua relação com as pessoas que estavam nas ruas.
Quem dirige a manifestação, embora o autor tenha feito um esforço para ocultar, é o imperialismo, a classe mais reacionária do planeta. Os atos só foram convocados quando a rede Globo decidiu fazê-lo. Duas semanas antes das manifestações, a esquerda pequeno-burguesa havia fracassado totalmente ao convocar atos de sete de setembro minúsculos, mesmo com a contratação de claques. Que teria mudado em tão pouco tempo? Como a esquerda pequeno-burguesa, de repente, ganhou tal prestígio? Ora, porque não foi ela quem convocou e organizou as manifestações, mas sim os seus inimigos de classe.
Por um lado, toda a imprensa golpista “preparou o clima”para o ato publicando dezenas de matérias contrárias à PEC 3/21, apelidando-a de “PEC da Blindagem” e, posteriormente, de “PEC da Bandidagem”. Por outro, a Globo colocou em ação seus artistas, a exemplo de Caetano Veloso, para convocar os atos e, inclusive, participar deles.
Oliveiros Marques poderia argumentar, no entanto, que a Globo não dirigiu as manifestações, mas apenas teria se juntado a elas para manter sua popularidade. O problema é que, como o próprio texto de Oliveiros Marques deixa claro, a esquerda pequeno-burguesa não saiu às ruas com um programa próprio, mas com o exato mesmo programa da rede Globo:
“Nas ruas, bandeiras do Brasil: o retângulo verde, o losango amarelo, o círculo azul que nos salta aos olhos, onde repousam, como estrelas em um céu noturno, as vinte e sete que representam os estados e o Distrito Federal. Porque a nossa bandeira, ao contrário do que desejam alguns poucos, nunca será azul e vermelha, cheia de estrelinhas, nem tampouco branca com uma grande estrela azul. As manifestações pelo Sem Anistia aos condenados pelos atentados ao Estado Democrático de Direito e contra a aprovação da PEC da Blindagem foram uma grande demonstração de força da sociedade brasileira. O recado ao Congresso foi claro: não aceitaremos conchavos, não aceitaremos manobras, não aceitaremos couraças para proteger criminosos.”
Segundo diz Oliveiros Marques — e sua opinião não se distingue da deus pares —, os manifestantes tinham como grande símbolo a bandeira do Brasil e tinham como principal palavra de ordem o veto à PEC das Prerrogativas. Acaso não é exatamente o que quer o imperialismo?
O autor defende exatamente aquilo que quer a Globo: pressionar os senadores para votem contra a PEC das Prerrogativas e, ao mesmo tempo, fazer com que não seja canalizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) para sua campanha eleitoral — por isso, o verde-amarelismo. O combate à PEC das Prerrogativas, por sua vez, não tem nada de progressista. O que o imperialismo quer é manter o Congresso refém de um poder que não sofre qualquer tipo de controle popular, mas que, ao mesmo tempo, é controlado diretamente pelo grande capital: a rede Globo.




